Resistência

Mães da Praça de Maio: memória e resistência na América Latina

As Mães da Praça de Maio é uma associação argentina de mães que tiveram seus filhos assassinados ou desaparecidos durante o terrorismo de Estado da ditadura militar, que governou o país entre 1976 e 1983
Foto: Daniel Vides

Por Adriana Novais*
Do Setor de Internacionalismo do MST

Neste 30 de abril, a Associação Civil Mães da Praça de Maio comemora 46 anos. Este
movimento surgiu durante a ditadura empresarial-militar argentina (1976-1983) e se
tornou mundialmente conhecido como um símbolo da luta contra a ditadura e pelos
Direitos Humanos. Durante todos esses anos, as mães/ abuelas todas às tardes de quinta-
feira caminham pela Praça de Maio. Durante a caminhada o silêncio é
interrompido pelo chamado aos nomes dos desaparecidos (as), respondidos em
uníssimo: Presente! Presente!

A ditadura argentina desapareceu com mais de 30 mil pessoas, realizou sequestros
coletivos, criou 340 campos de concentração e extermínio pelo país, e estima-se que
roubou mais de 500 bebês, nascidos de suas mães mantidas na prisão. As mulheres
começaram a se reunir para saber dos seus filhos (as), netos e netas desaparecidos,
mortos e sequestradas pela ditadura. “Para que não se esqueça, para que nunca mais
aconteça”! Essas mulheres, identificadas pelos panos brancos em suas cabeças,
simbolizando as fraldas dos seus filhos ausentes, investigavam para descobrir o
paradeiro de seus filhos e netos, se organizam desde suas casas, realizavam visita a
arquivos, delegacias procurando provas dos desaparecimentos. E semanalmente
denunciavam com as caminhadas e traziam à luz o terror que vivia a sociedade
argentina, sob ditadura. No decorrer dos anos se juntaram a outros movimentos e vozes
que confrontaram a ditadura empresarial militar e ainda hoje, seguem na luta pelos
Direitos Humanos e em solidariedade com vários movimentos pelo mundo.

Comemorar o aniversário das Mães e Avós da Praça de Maio, significa reconhecer
década de resistência dessas mulheres. E sobretudo, olhar para o processo de transição
que a Argentina fez para a democracia o qual não poderia ter se dado sem a mobilização
popular que as Mães e Avós representam. A Argentina foi exitosa em muitos aspectos:
primeiro, por ter anulado a Lei de Auto anistia, de 1983, que beneficiava os militares.
Segundo, por ter criado Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas
(CONADEP) cujo relatório final levou à condenação de militares. E, mesmo com
interrupções dos processos judiciais contra os militares, o país insistiu: as medidas de
justiça, reparação e memória, foram retomadas durante o governo de Néstor Kirchner
(2003-2007) e a Argentina julgou e condenou 1.058 pessoas em 273 sentenças por
crimes cometidos durante a ditadura empresarial militar. Dentre eles, a condenação da
prisão perpétua do general Jorge Rafael Videla.

Foto: Reprodução

A luta das Mães e Avós da Praça de Maio nos convocar a olhar as ditaduras como
projeto das burguesias, que agem com violências e terror para a garantia dos seus
interesses. Na América Latina, as ditaduras tiveram seu caráter contrarrevolucionário
diante dos processos de lutas populares, das conquistas de direitos ocorridas e/ ou na
iminência de acontecer, especialmente após o êxito da Revolução Cubana, em 1959.
Recentemente vimos uma nova ofensiva das burguesias articulando golpes
institucionais, prisões arbitrarias, em vários países latino-americanos, configurando
verdadeiros ataques aos processos democráticos em curso. Como foi o caso da Bolívia
(2019), do Peru (2022) e, no Brasil, em 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff
marcando a escalada da extrema direita de caráter fascista que as forças democráticas
tiveram que confrontar desde então.

O fenômeno brasileiro tem suas bases também na relação que o Brasil estabeleceu com
seu passado ditatorial, e na forma como o país fez sua transição para a democracia. Este
abril completou 59 anos do Golpe que iniciou uma ditadura de 21 anos. A transição para
democracia se deu com base na conciliação pelo alto, isto é, pactuada entres as elites.
Apesar das conquistas durante os governos democráticos como, por exemplo, as
Caravanas de Anistia, as reparações financeiras, a Justiça não aconteceu. A Lei de
Anistia de 1979, é ainda vigente como instrumento de impunidade para as Forças
Armadas. A Comissão Nacional da Verdade – CNV(2012-2014), foi marcada por
muitos limites e as Forças Armadas rechaçou, ironizou e negou a sua existência. O
trabalho da CNV não culminou, como ocorreu na Argentina, num processo para
condenar os militares envolvidos nos crimes de lesa humanidade. Disso resultou que as
Forças Armadas sendo um dos eixos de sustentação da extrema direita no país. O
governo Bolsonaro (2018-2022), fez campanha saudando a ditadura e seus torturadores,
minou as políticas de memória e reparação. E, governou com mais de 2000 militares em
cargos comissionados.

Celebrar os 46 anos Mães da Praça de Maio é reconhecer que a luta pelos Direitos
Humanos deve ser uma ferramenta contra opressão de classe. É afirmar que as
memórias de luta e rebeldia precisam ser reconhecidas. E, junto a outras lutas devem
buscar desmascarar os projetos da burguesia, e contrapor aos mecanismos de
reprodução do capital. A luta pela memória, deve, sobretudo, ser instrumento para o
combate no presente.

*Adriana Novais faz parte do Setor de Internacionalismo do MST e é autora da Tese: A inserção do
Povos do Campo na luta por memória, verdade e justiça no Brasil