Entrevista

“A extrema direita é fascista e se baseia na violência, discriminação e ódio”, diz Stedile

“Naquilo que o governo fica lerdo, medroso, não toma iniciativa, é nossa obrigação criticar. Nós temos dito claramente para o governo Lula isso.”
Stedile: “Nós temos moral para criticar o governo, porque nós ajudamos a elegê-lo” (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Por Dijna Torres
Do Mangue Jornalismo

Entre falas polêmicas e a defesa pela reforma agrária, o economista e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, esteve em Aracaju para cumprir agenda estabelecida pelo MST e recebeu a equipe da Mangue Jornalismo para um bate-papo sobre as diretrizes, projetos atuais e a relação do movimento social com o Governo Lula.

Confira.

Mangue Jornalismo (MJ) – Recentemente o senhor deu uma declaração polêmica sobre o Governo Lula, chamando de lenta e covarde a questão das tratativas para a reforma agrária. Qual é a avaliação crítica que o MST faz do Governo Lula?

João Pedro Stédile (JPS) – Nós temos feito uma reflexão a nível geral, compreendemos a natureza do governo, que é um governo de uma frente que é muito ampla, mas o nosso papel é ser sempre seremos zeladores dos interesses do povo. Então, naquilo que o governo fica lerdo, medroso, não toma iniciativa, é nossa obrigação criticar. Nós temos dito claramente para o governo Lula isso. O MST tem uma linha política de defender o governo Lula, mas temos que ter autonomia como parte da saúde dos próprios movimentos populares. E nós temos moral para criticar o governo, porque nós ajudamos a elegê-lo. Todo movimento popular tem que ter autonomia em relação ao governo, às igrejas e a nossa missão está no nosso DNA, a missão de qualquer movimento popular é a de organizar o povo para lutar, lutar pelos seus direitos, pelos seus interesses e nós vamos continuar com essa linha.

“O agronegócio está dividido, uma parte dele continua burro, não se dá conta que esse modelo de monocultor, do uso do agrotóxico não tem futuro.”

MJ – Como está a situação da reforma agrária no Brasil? Há a possibilidade de ela ser consolidada em breve ou é um processo histórico sem fim? O Incra está realmente voltado para implementar a reforma agrária ou ainda está cheio de gente ligado ao governo Bolsonaro e ao Centrão, setores que buscam criminalizar o MST?

JPS – Bom, a reforma agrária vem de um passivo muito grande, faz oito anos que está parada, desde o segundo mandato de Dilma. O MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil), por exemplo, foi extinto no governo Temer. Agora eu vejo Lula reativando o MDA e nesses seis meses está tentando limpar a casa no Incra. Vários superintendentes do Incra apoiaram a eleição de Lula no primeiro turno. O problema não é quem é ou será superintendente, o problema é que a casa tinha virado uma tapera velha, daí a lentidão, e que não há recurso, não há funcionário. Então, vai levar um tempo ainda para ajustar a máquina pública, para daí começar a aplicar as políticas que o povo precisa, a reforma agrária é uma delas.

MJ – Muitas pessoas acusam e acreditam que o MST é contra o agronegócio. Afinal, o MST é contra o agronegócio?

JPS – É importante destacar que na agricultura há dois modelos do capital, um do agronegócio predador, que vai lá na natureza e tenta se apropriar dela para ganhar dinheiro, o agronegócio que usa muita tecnologia, que produz riqueza, mas só exporta commodities. Felizmente, o agronegócio está dividido, uma parte dele continua burro, não se dá conta que esse modelo de monocultor, do uso do agrotóxico não tem futuro, mas há uma parte do agronegócio que se dividiu, apoiou Lula. Então, nós temos diálogo com esse setor e nós esperamos que eles evoluam ainda mais para nos ajudar a pensar uma agricultura do futuro que produz alimentos saudáveis, que pare de usar agrotóxico e que respeite a natureza. É isso que acreditamos ser o melhor caminho para a agricultura.

MJ – Como o MST tem enfrentado a ofensiva de parte do Congresso Nacional que busca com a CPI e outras ações criminalizar o movimento? O senhor irá depor à CPI?

JPS – Eu irei depor, não tenho problema nenhum. Não cometi nenhum crime, tenho medo nenhum. Provavelmente na segunda quinzena de agosto vão me chamar, ainda não deram a data. A CPI não é contra o MST, a CPI é contra o governo Lula, é contra a esquerda. Quando eles botaram lá no regimento, vamos convocar o MST, o João Pedro, eles botaram claramente que o João Pedro tinha que depor porque é de esquerda. O verdadeiro objetivo da CPI é atacar o governo, é criar constrangimentos para tentar impedir a reforma agrária, e, sobretudo, é para eles se defenderem porque os dois dirigentes da CPI, que é o tenente coronel e Ricardo Salles, estão incriminados na CPI do 8 de janeiro, A Abin revelou que os dois se envolveram no financiamento das delegações que foram a Brasília. Então, eles estão atuando de forma prévia, de tentar ter um palco aonde eles possam falar com a sua base e se proteger da outra porque se não tivesse a CPI do MST, eles iam falar quando? Além disso, a gente sabe que o MST sempre foi um movimento criminalizado pelo congresso e muitas esferas, não é uma novidade e seguiremos fazendo frente a isso.

MJ – Como o senhor avalia o avanço da extrema direita em nosso país? O senhor acha que com a vitória de Lula, o bolsonarismo foi enfraquecido?

JPS – Não gosto de usar essa expressão, bolsonarismo, porque o bolsonarismo induziria a achar que é uma corrente de pensamento, uma doutrina. E a corrente de pensamento e doutrina na política é o fascismo, é o nazismo, que eles inclusive querem esconder. Então, a extrema direita brasileira é fascista. Ela tem o centro da sua ação política baseada na violência, na discriminação, no ódio. Bolsonaro foi usado pela burguesia, ele é um pateta, ele não tem base social, nem tem dinheiro, nem tem capital. Parte dessa burguesia se aliou a Lula, então deixou ele a ver navios, mas na sociedade brasileira é óbvio que vai continuar, como sempre existiu. Agora, como tu combates isso? Eu acho que a maior tarefa do governo Lula e da esquerda não é ficar toda hora batendo boca com essa parcela que sempre existiu. A nossa tarefa é convencer os pobres trabalhadores que votaram em Bolsonaro que eles estavam errados. E tu não convence pela retórica, é preciso atrair de novo a classe trabalhadora para um projeto de país e um projeto de desenvolvimento, é o governo fazer políticas para tirar esses trabalhadores da pobreza, é investir em política séria de geração de emprego, de geração de renda, uma política séria de universalização da educação, uma política séria que leve creche para as periferias, para que as mães  possam deixar os filhos para trabalhar. O governo vai combater o fascismo se ele provar que é possível resolver esse problema. Aí, naturalmente, a classe trabalhadora vai se dar conta de quem é o governo deles.

MJ- Por fim, como é a relação do MST com Sergipe?

JPS- Nós estamos sempre debatendo a reforma agrária a nível nacional e Sergipe não é um caso isolado. Vocês têm aqui o deputado João Daniel (PT), que é fruto da luta pela reforma agrária daqui e está umbilicalmente vinculado a toda a luta de Sergipe. Então, nós estamos trabalhando para atender todos os estados. E aí começa, tem que resolver a questão dos assentamentos, que aqui são mais de mil famílias, nós temos que recuperar o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), e o recurso liberado foi muito pouco ainda, nós temos que recuperar o crédito de emergência, que nós estamos reivindicando, então, nós temos essas políticas, temos que lutar pela agroindústria, e tudo o que acontecer no Brasil, também vai acontecer aqui.