CPI do MST

Stedile desnuda circo da CPI do MST para criminalizar 500 mil famílias assentadas

No dia derradeiro do relatório da CPI do MST, João Pedro propõe discutir a realidade agrária do país e escancara o objetivo dos bolsonaristas de criar narrativas para criminalizar os movimentos sociais
Stedile: “Nós não podemos atribuir alguns casos, que devem existir, ao MST todo. Foto: Reprodução

Por Rede Brasil Atual

A CPI do MST se aproxima do fim. E hoje (15) a comissão ouviu uma das lideranças mais importantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), João Pedro Stedile. Inicialmente, a CPI, orquestrada pela extrema direita, incluindo ruralistas, madeireiros, entre outros, sempre buscou criminalizar a luta pela reforma agrária. Contudo, esta sanha foi perdendo força e o circo criado por apoiadores do ex-presidente inelegível, Jair Bolsonaro (PL), arrefeceu. As tentativas de estender os trabalhos, por exemplo, foram rejeitadas. Inclusive, a sessão de hoje marcou o fim dos trabalhos, com o relatório previsível do bolsonarista Ricardo Salles (PL-SP).

Hoje, a CPI do MST tem como maioria membros da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Então, a recepção de Stedile foi positiva. Na primeira fileira, parlamentares aguardavam a chegada do líder sem terra com bandeiras e os tradicionais bonés do movimento. Isso não impediu que extremistas atacassem Stedile em sua chegada, o que provocou uma discussão acalorada ainda antes do convidado entrar na sala da comissão. Contudo, os radicais foram rapidamente suprimidos, uma vez que Stedile veio acompanhado de lideranças religiosas e ativistas que pregavam paz e respeito.

“Agradeço a oportunidade de estar aqui para debater a realidade agrária brasileira, até para entender a razão da Reforma Agrária e a razão da existência de um movimento como o nosso e como outros que já foram citados.” Estas foram as primeiras palavras de Stedile. Na sequência, já sob ataques do relator, Ricardo Salles, conhecido por ser investigado em casos de tráfico ilegal de madeira, o líder sem terra defendeu a luta. Ele lembrou do tamanho do MST e que, eventualmente, algum caso de ocupação irregular pode acontecer, mas que não é a regra.

O tamanho do MST

Stedile disse: “Temos 500 mil famílias assentadas. Se vocês usassem uma amostra aleatória de 1%, já seriam 5 mil famílias que vocês teriam que ouvir. Nós não podemos atribuir alguns casos, que devem existir, ao MST todo”. Nilto Tatto (PT-SP) rapidamente ajudou a desmontar os argumentos de Salles. “Para Salles, 2 ou 3 pessoas que cometem supostos crimes em acampamentos e assentamentos justificariam a condenação de um movimento de 500 mil famílias. Pela mesma lógica, se 2 ou 3 integrantes do governo passado forem presos, justificaria a prisão de todos os outros, inclusive do próprio Salles?”

Sempre em tom calmo e ameno, Stedile lembrou que o MST conta com cursos de formação de base e existe toda uma estratégia de consciência e educação nos assentamentos. Também por isso, disse não ligar de ficar o tempo que fosse na comissão. “Nós desde o início no movimento defendemos: para ser militante do MST tem que estudar. (…) Não quero abusar da paciência, mas fui claro: temos compromisso, pois somos os maiores interessados em evitar que este tipo de problema aconteça. Vocês poderiam ter ouvido, por exemplo, vizinhos desses assentados que vocês ouviram”, disse.

Circo da extrema direita

Em entrevista ao Brasil de Fato, Stedile lembrou que os objetivos da CPI nada têm a ver com investigação de irregularidades. Mas sim com a tentativa de criar narrativas da extrema direita, criminalizar movimentos sociais e desviar o foco dos escândalos e possíveis crimes envolvendo bolsonaristas e o próprio ex-presidente inelegível.

“A bancada de extrema direita, que não representa sequer os interesses da bancada ruralista, transformou a CPI num circo, com todo tipo de estripulias, para colocar agressões em suas redes sociais, que não furaram nem mesmo a bolha da extrema direita. Nos surpreendeu positivamente que a imprensa burguesa, ou imprensa corporativa, se comportou com honestidade e denunciou esse maniqueísmo e manipulação que os deputados de direita fizeram”, disse.

Uma das primeiras a falar durante a oitiva do líder foi a deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR). Ela reforçou os reais motivos para a criação da CPI. “Quero deixar claro que essa CPI já tem relatório pronto. O relatório pronto é criminalizar o MST, é criminalizar a Reforma Agrária”, disse. “Essa CPI tem tomado um rumo que não ajuda o próprio instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito”, completou o deputado Tatto (PT-SP). Já Valmir Assunção (PT-BA) prosseguiu com as críticas. “Temos dito em todos os lugares: essa CPI tem objetivo nítido que é perseguir e criminalizar os movimentos populares do Brasil”.

Agroecologia

Quem também foi ao Congresso acompanhar o depoimento de Stedile foi o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). “O governo do Ceará acompanha de perto o movimento sem terra. Eles constroem agroindústrias da cadeia produtiva do leite, desenvolvido e garantido oportunidades a milhares de famílias cearenses que hoje têm filhos nas faculdades, escola em tempo integral. É a organização do povo mais simples para manter a dignidade. Temos muito orgulho no Ceará de termos parceria com os assentamentos”, disse.

O relator, ligado ao desmatamento ilegal, aproveitou para afirmar uma fake news que resultou em gargalhadas e lamento. Disse que a agricultura familiar seria responsável por maior parte do desmatamento na Amazônia. Não o agronegócio, os grileiros, o garimpo, os madeireiros. Mas as famílias que vivem da agricultura. “Uma parcela do agronegócio ainda vai pra o céu. Mas a parcela burra do agronegócio está com os dias contados”, disse Stedile, diante dos absurdos.

Dados públicos do governo federal, incluindo do período Bolsonaro, dão conta de que os 25 maiores desmatadores da história recente do país são grandes empresas, estrangeiros, políticos, uma empresa ligada a um banqueiro, frequentadores de colunas sociais no Sudeste e três exploradores de trabalho escravo.

Então, Stedile lembrou aos presentes, pressionado por Salles sobre sua opinião a respeito do agronegócio, o papel deste setor de fato na economia nacional. “O latifúndio não se interessa em produzir. Ele quer apropriar os bens da natureza para acumular a riqueza. Então ele se apropria de terra pública, madeira, minérios, água, biodiversidade e acumula riqueza. Mas qual é o benefício para a sociedade desse modelo? Nenhum. Qual é a contradição deles? Não têm futuro. A sociedade não aceita mais o latifúndio como forma de explorar a natureza.”