Ecologia

O que mais precisa acontecer para que seja declarada Emergência Climática no RS?

O estado passou por eventos climáticos extremos, que sob os escombros nos revelam o cenário catastrófico e desolador
Muçum foi a cidade mais destruída pela enchente provocada por ciclone. Foto: Prefeitura de Muçum

Por Emiliano Maldonado*
Do Brasil de Fato

Nos últimos dias o Rio Grande do Sul passou por eventos climáticos extremos, que sob os escombros nos revelam o cenário catastrófico e desolador vivenciado por milhares de gaúchos. Trata-se do mais grave desastre climático do estado, que ocasionou danos socioambientais em mais de 80 municípios. Até o momento foram contabilizados pela defesa civil 41 mortos, 25 desaparecidos, 43 feridos, 3 mil desabrigados e resgatados, mais de 7 mil desalojados e 120 mil pessoas atingidas.

São números alarmantes ocasionados pelo terceiro ciclone extratropical que passa pelo estado nos últimos três meses, que segundo especialistas estão ocorrendo pela magnitude dos efeitos que o fenômeno “El Niño” está ocasionando no aquecimento dos mares do oceano Pacífico e seus desdobramentos em eventos climáticos extremos em toda América Latina. 

Contudo, não podemos crer que se trata de um “problema extraordinário ocasionado pela natureza”. Essa narrativa recorta apenas a parte que lhe interessa da realidade e ignora os efeitos devastadores que certas escolhas políticas pautadas no lucro do extrativismo estão ocasionando. 

Ou vamos esquecer o desmonte dos órgãos de proteção ambiental, a aprovação às pressas de um código estadual (anti)ambiental para atender os interesses de certos aliados do atual governo, a destruição do bioma pampa e da mata atlântica e os cortes recentes no orçamento da defesa civil?! 

Além disso, acreditar que estamos falando de um desastre natural omite que boa parte dessas mortes e danos poderia ser evitada se nossos gestores públicos levassem em conta os alertas científicos e meteorológicos que já apontavam a magnitude das chuvas para esse período e tivessem tomado medidas urgentes para retirar a população das zonas potencialmente alagadas. Foram pelo menos cinco dias de avisos prévios, que apontam omissões gravíssimas do poder público. Sem contar os alertas emitidos por entidades ambientalistas desde o primeiro ciclone do ano.

Soma-se a isso o fato de que na bacia hidrográfica do Antas-Taquari o modelo agroexportador destruiu as matas ciliares, transformou a vegetação dos campos de cima da serra em plantio de pinus ou lavoura de soja e privatizou o curso das águas desses rios para empresas privadas que lucram com complexos hidrelétricos que modificaram todo o fluxo fluvial da região.

Por essas razões, o olhar da ecologia política nos ensina que devemos reconhecer que estamos tratando de um desastre climático e socioambiental, cujas origens estão intimamente relacionadas com as definições econômicas do receituário capitalista-neoliberal aplicado à risca pelo atual governo estadual.

Por outro lado, diante desse cenário, a população gaúcha mostra a sua força e resistência, inúmeros exemplos de solidariedade e apoio estão em curso para ajudar as famílias atingidas, desde doação de roupas e mantimentos, cozinhas solidárias para garantir a sua subsistência neste momento tão duro. 

Contudo, para que esse tipo de situação não volte a se repetir precisamos que medidas urgentes sejam tomadas. Torna-se necessário, também, que o poder público apoie projetos para que esses milhares de famílias possam reiniciar as suas vidas de forma sustentável. Não podemos seguir repetindo os erros, os movimentos sociais e entidades socioambientalistas vêm alertando que devemos pensar políticas públicas a curto, médio e longo prazo para viabilizar uma transição ecológica dos nossos modos de vida. 

Dentre as diversas medidas, a sociedade civil organizada clama pela declaração de Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul! 

Não se trata de mero simbolismo, mas de reconhecer a gravidade do momento que vivemos e a importância de tomarmos medidas profundas para alterar os rumos da crise ambiental que vivenciamos. 

Também, torna-se fundamental que a União, estados e municípios repensem seu modelo de desenvolvimento, a fim de que sejam cumpridas as metas, prazos e diretrizes da nossa Política Nacional de Mudanças do Clima (Lei Federal nº 12.187/09) e da Política Gaúcha de Mudanças Climáticas (Lei Estadual nº 13.594/10), sobretudo, que ocorra uma reativação do Fórum Gaúcho de Mudanças do Clima e que sua composição seja paritária, a fim de garantir uma representação paritária entre órgãos de governo, sociedade civil e entidades científicas, capaz de propor um planejamento estratégico e planos pautados em estudos científicos multidisciplinares para evitar, prevenir e mitigar os efeitos dos desastres decorrentes das mudanças do clima, que infelizmente tendem a ser cada vez mais cotidianos.

Não temos mais tempo! Já passou da hora de mudarmos os rumos desastrosos do atual modelo, que insiste na extração/privatização sem limites dos nossos bens comuns. Para isso, precisamos superar o negacionismo, democratizar os espaços de deliberação política e conscientizar a população que urge uma ruptura com o atual modo de produção através de uma transição agroecológica e energética capaz de evitar o caos e a destruição da crise civilizacional que se avizinha. 

* Professor, pesquisador e advogado. Professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Pesquisador fundador do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap); da coordenação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS) e da Campanha Permanente de Combate aos Agrotóxicos e Pela Vida.