JURA 2023

Unicamp realiza JURA 2023 em Campinas

Foram três dias com atividades políticas, acadêmicas e culturais que buscaram pautar o papel da Universidade e da pesquisa científica na luta pela Reforma Agrária
Foto: Divulgação JURA Unicamp

Por Marília Fonseca e Luciana Alvarez
Da Página do MST

Entre os dias 29 e 31 de agosto de 2023 foi realizada a Jornada Universitária em defesa da Reforma Agrária (JURA), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento do MST ocorreu em parceria com as universidades do país e que completa dez anos, em 2023, com o tema “Reforma Agrária Popular: em defesa da natureza e de alimentos saudáveis”. 

Foram três dias com atividades políticas, acadêmicas e culturais que buscaram pautar o papel da Universidade e da pesquisa científica na luta pela Reforma Agrária. O evento também proporcionou espaços para expressões e interações artísticas, através da música e das místicas, que potencializaram os debates. A jornada foi construída por muitas mãos: de militantes do MST, docentes e pesquisadores da Universidade e coletivos de estudantes. Também contou com o apoio da Reitoria, Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (ProEC) e da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp).  

A programação da Unicamp teve início na tarde da terça-feira (29), com um plantio de árvores na praça do Ciclo Básico, no coração do campus de Campinas, somando com o Plano Nacional “Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis”. Esse plantio foi feito pela companheirada dos territórios de reforma agrária da Regional de Campinas e contou com a colaboração da Divisão do Meio Ambiente da Unicamp e do Coletivo Refloresta Vinhedo.

Foto: Divulgação JURA Unicamp

Ao anoitecer, deu-se início ao ato político e cultural de abertura com o axé do grupo feminista de Maracatu Baque Mulher de Campinas, seguido de uma mística da Juventude do MST da Regional de Campinas, que trouxe provocações sobre o compromisso da universidade pública com a classe trabalhadora brasileira.

Foto: Divulgação JURA Unicamp

Saudaram o evento representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp, Diretório Central de Estudantes, Núcleo de Consciência Negra, Núcleo de Consciência Trans, Adunicamp e do coletivo que organiza o Bandejão da Moradia Estudantil.

Com isso, abriram-se os debates na mesa de abertura, que foi mediada e introduzida pela Profa. Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues e que passou a palavra aos palestrantes com a pergunta: qual é o papel da Universidade na luta pela reforma agrária? A mesa foi composta pela Profa. Dra. Silvia Adou e professora da ENFF e UNESP, pela militante histórica e coordenadora estadual de São Paulo do Movimento Negro Unificado (MNU), Regina Lúcia dos Santos, e com o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues. 

A Profa. Silvia apontou o papel que as universidades têm cumprido atualmente, de fomentar as parcerias público-privadas, que visam à privatização da educação, e formar mão de obra qualificada para integrar as cadeias flexíveis do capital, em trabalhos precarizados de pesquisa à serviço do lucro. Por outro lado, pontuou que as lutas fundamentais do nosso momento histórico são pela vida, pela água, pela terra e pela gente que a habita, “conclamando assim, a juventude, os pesquisadores e os trabalhadores a unirem seus corações para que batam como um só, preparando-se para a luta.”

Regina Lúcia dos Santos fez uma fala relacionando umbilicalmente a luta pela reforma agrária à luta pelos direitos da população negra, retomando a história do trabalho escravizado, da distribuição de terras e da abolição da escravidão no Brasil. Para além da conexão profunda entre essas lutas, pontuou a contribuição que a Universidade pode e deve ter nessas disputas. Trata-se da capacidade de oferecer tecnologias e conhecimento, o que só pode ser feito, porém, em diálogo e escuta da população negra, aliado ao trabalho de letramento racial da comunidade universitária. 

Foto: Divulgação JURA Unicamp

Já João Paulo, ao avaliar o momento histórico em que vivemos hoje, pontuou que, se estamos em um momento propício para avançar nas conquistas para a classe trabalhadora, por outro lado estamos sob a hegemonia do modelo de produção do agronegócio, que dita há mais de 300 anos a forma de produção agropecuária no Brasil. Assim, a aliança do MST com as universidades, além de ser uma longa história de solidariedade, também deve ter o papel de fomentar e desenvolver a matriz tecnológica que o MST propõe, isto é, a agroecologia, a partir do desenvolvimento da agroindústria, do cooperativismo e do cuidado da terra e da vida, colocando a pesquisa científica à serviço do avanço das conquistas sociais.

O grupo de reggae revolucionário UATAFAIA ficou responsável pelo encerramento, cantando o sentimento de união na luta pela reforma agrária, com canções que falam sobre a importância dessa luta. 

Estiveram presentes no ato diversas/os parlamentares e coletivos de organização popular social da regional de Campinas/SP, além da presença do coletivo As Marielles, do acampamento Marielle Vive/SP, das produtoras do pré-assentamento Elizabeth Teixeira, do assentamento Milton Santos e do Coletivo Acadêmicos Indígenas da Unicamp, fazendo feirinha com a venda de produtos da Reforma Agrária Popular e de artesanato indígena.  

Na quarta-feira (30) ocorreu no Instituto de Física (IFGW) a mesa “O papel da engenharia na luta pela reforma agrária”, com mediação do Coletivo Dínamo de Engenharia Popular e composta pela Profa. Dra. Laís Fraga, pelo mestrando Igor Tadeu e pelo militante do MST da Grande São Paulo, Raul Miranda. 

Os palestrantes pautaram a falsa neutralidade das ciências e das engenharias, argumentando que se hoje o investimento de empresas privadas se faz muito presente e dominante nas agendas de pesquisa das ciências exatas, é preciso radicalizar essas áreas e caminhar rumo a uma engenharia popular, que atenda às demandas do povo e que, mais do que isso, aprenda com os saberes populares e as matrizes tecnológicas e produtivas dos movimentos sociais.

No mesmo dia também se realizou uma atividade de exposição e de trocas dos projetos de extensão que ocorrem em parceria entre Unicamp e MST, em formato de roda de conversa. A dinâmica se mostrou frutífera para iniciar-se uma rede dos grupos de extensão e proporcionou uma discussão sobre o compromisso social da Universidade, entendendo-se a importância de que haja um diálogo entre as atividades de extensão com o mundo que se quer construir.

Foto: Divulgação JURA Unicamp

Um Sarau encerrou o segundo dia de atividades no espaço agroecológico “Armazém do Campo e Livres”, em Barão Geraldo/SP, nas proximidades da Unicamp, em que funciona a loja de comercialização de produtos do MST em parceria com o Sindicato dos Químicos da região. A atividade fortaleceu a Campanha Solidária Nacional do MST “Compartilhe Literatura, Cultive Imaginação” de doações de livros de literatura para escolas das áreas de reforma agrária, e trouxe poética à JURA da Unicamp desse ano com o envolvimento, em particular, da juventude do MST que compareceu ao evento. 

Foto: Divulgação JURA Unicamp

O terceiro e último dia, quinta-feira (31), se iniciou com a mesa “A atualidade da Educação do Campo e a Reforma Agrária”, que contou com as exposições da Profa. Dra. Ana Paula Soares da Silva (USP), Profa. Dra. Márcia Ramos, Prof. Dr. Fábio Accardo de Freitas e a mediação da Profa. Fabiana de Cássia Rodrigues da Faculdade de Educação.  

A discussão partiu do pressuposto de que as crianças são sujeitos políticos centrais na luta pela reforma agrária, tal como a ciranda as concebe, sendo assim de extrema relevância o debate sobre a educação do campo e o aprendizado com a ciranda infantil, que surge e se transforma no interior da luta do movimento. Debateram a atual situação de negação ao direito da educação no campo brasileiro, pautando a importância do debate sobre a educação do campo na universidade, que é uma concepção elaborada pelos movimentos sociais sendo, portanto, popular e conectada à luta pela terra. Ficou clara a urgência de se aprofundar, nas universidades, as pesquisas sobre educação e educação infantil do campo em suas especificidades, assim como os desafios colocados para a efetivação desse direito.

Foto: Divulgação JURA Unicamp

Pela tarde, ocorreu no Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCH) a mesa “A atualidade da Reforma Agrária no Brasil”, com mediação do Coletivo Carlos Marighella e participação de Gerson Oliveira, coordenador estadual de SP do MST, Marcelo Goulart, promotor de justiça e o Prof. Dr. José Gilberto de Souza (UNESP). 

A mesa partiu da análise de que vivemos uma fase da crise do capital, atualmente, que gera o extermínio da força de trabalho e a destruição da natureza, em decorrência da desubstancialização do valor. Nesse sentido, debateu-se tanto a importância da luta pela terra, quanto as pautas indissociáveis dessa mesma luta, que são o combate ao genocídio do povo negro, à dominação patriarcal e de classes e à expropriação da natureza no enfrentamento ao modelo capitalista do agronegócio e dos latifúndios. Na mesa pautou-se, além disso, a partir de experiências de lutas concretas do MST, as ferramentas legais e jurídicas, possibilitadas pela Constituição progressista de 1988, que permitem avançar na luta por direitos para a classe trabalhadora. A tônica do debate foi a ideia de que o comunismo não é uma esperança; o comunismo se realiza quando nos perguntamos quais são nossas práticas cotidianas da nossa utopia.

Foto: Divulgação JURA Unicamp

A atividade que encerrou a JURA, na noite de quinta-feira (31) foi a apresentação da peça “O chão de dentro é minha terra”, da Cia Los Puercos, que fez a pesquisa para elaboração do espetáculo no Acampamento Irmã Alberta, hoje sob ameaça de despejo. A peça retrata o cotidiano, assim como momentos decisivos da vida de acampadas e acampados na luta pela terra, revelando de forma poética e sensível as violências e expropriações vividas por esse povo, mas também aquilo que mantém e dá força à luta. 

A jornada pela reforma agrária da Unicamp de 2023 foi uma semana cheia de atividades estimulantes, políticas e poéticas que conseguiram abrir espaço para a urgente e necessária pauta da reforma agrária nesta universidade. Esperamos que, com isso, mais e mais estudantes, professores e Sem Terras possam ocupar a Unicamp com debates e trabalhos que visam fomentar a luta do MST.

*Editado por Fernanda Alcântara