Dia da Árvore

Dia da Árvore: crise climática, solidariedade e esperançar na perspectiva do MST

O que o MST tem feito pelo meio ambiente diante da perspectiva do caos climático causado pelo capitalismo?
Foto: Coletivo de Comunicacao MST BA

Por Solange Engelmann e Fernanda Alcântara
Da Página do MST

O descaso com o meio ambiente e a devastação ambiental ocorridos na era dos Governos Temer e Bolsonaro (2016 a 2022) deixaram uma ferida aberta no meio ambiente em outros locais do mundo, e segue cobrando seu alto preço. E a população mais afetada, como sempre, são os mais pobres que vivem próximos às encostas de rios e córregos nas periferias das cidades e no campo.

O tema tem sido central nas discussões sobre desigualdade e crise climática esteve presente inclusive no discurso do Presidente Lula ainda esta semana, na abertura da Conferência das Nações Unidas, onde defendeu a governança climática pela ONU e deu destaque para novas ações de proteção da Amazônia e combate ao desmatamento na região. De acordo com o presidente, nos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%.

“Somos 50 milhões de sul-americanos amazônidas, cujo futuro depende da ação decisiva e coordenada dos países que detêm soberania sobre os territórios da região. No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”, afirmou o presidente em discurso. 

Uma das últimas tragédias socioambientais ocorreu no Rio Grande do Sul no início deste mês de setembro, resultando, até o momento, em 48 pessoas mortas e nove desaparecidos devido às fortes chuvas e enchentes no estado, segundo balanço da Defesa Civil. No total, a população de 104 cidades foi atingida pelas chuvas, estando várias em situação de calamidade.

Muçum foi a cidade mais destruída pela enchente provocada por ciclone. Foto: Prefeitura de Muçum

“A relação dos fenômenos climáticos ocorridos nos últimos anos, em particular no RS, como a seca de dois anos, temperaturas altas e baixa umidade relativa do ar superando marcas históricas, dois ciclones extratropicais em 2023, não podem ser descontextualizadas das mudanças climáticas que afetam o planeta”, afirma Álvaro Delatorre, da direção do MST no Rio Grande do Sul e do Coletivo Nacional do Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis

Delatorre lembra que, ainda que os fenômenos climáticos sejam planetários, relacionados ao padrão de consumo e à matriz energética que prevalece na produção capitalista, a agressão ao meio ambiente no Rio Grande do Sul tem suas particularidades que precisam ser consideradas. Chama-se a atenção para o avanço no cultivo da soja nos territórios, o qual está associado ao desmatamento com a drástica redução das áreas de reserva legal. 

O novo código florestal representa uma sentença a favor dos crimes ambientais, desenfreados e sem fiscalização. Em decorrência da facilidade em desmatar, as observações empíricas apontam que 90% dos crimes ambientais ocorridos nos Biomas Pampa não dispõem de licenciamento ambiental”

Para esta semana também há previsão de altas temperaturas na maior parte do Brasil, que poderão chegar a temperaturas acima dos 40 °C. Com os serviços de meteorologia apontando para a possibilidade de recorde nas temperaturas máximas registradas em algumas localidades.

Especialista explica a gravidade das consequências da seca no nordeste
Desastres em Pernambuco. Foto: Sergio Maranhão/ AFP

Especialistas alertam que o desmatamento da Amazônia afeta diretamente o regime de chuvas nos estados do sul, devido ao fenômeno dos rios voadores. Diante da situação, a sociedade precisaria se perguntar qual seria a influência do modelo agroalimentar derivado do monocultivo da soja no Rio Grande do Sul sobre o clima.

“O que foi possível avançar, pelo menos na luta política, é no sentido de decretar emergência climática no RS. Importa destacar que o MST, principalmente o Setor de Direitos Humanos, tem se somado a movimentos ambientalistas, entidades e parlamentares, no sentido de garantir o decreto que estabelece o regime de emergência climática no Estado”. 

A perspectiva é promover um amplo debate na sociedade para uma tomada de consciência e a necessidade de políticas efetivas que minimizem os impactos futuros da incontestável crise climática. ”Inclusive, na terça-feira o MST participou de uma audiência pública chamada pelo deputado Matheus Gomes (PSOL) sobre o tema. O auditório da assembleia legislativa estava com muita gente”, completou.

Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis é alternativa para crise ambiental no campo

Viveiro construído no Rio Grande do Sil. Foto: Anderson Aschi

A relação entre a crise climática e o modelo agroalimentar patrocinado pelo agronegócio é diretamente proporcional. Além da invasão dos territórios, que submete as comunidades camponesas, quilombolas, aldeias indígenas e agricultores familiares a um regime produtivo alheio às suas necessidades e ao modo como eles se relacionam com a terra e os recursos naturais disponíveis, o ecossistema local sofre profundas transformações, conta Delatorre.

“Para se ter uma ideia do que acontece com a imposição da monocultura da soja, relatos dão conta de que áreas de várzea estão sendo drenadas, matas ciliares e os campos nativos, principalmente no frágil Bioma Pampa, estão sendo destruídos, a biodiversidade está sendo substituída por um sistema que homogeneíza a diversidade de espécies a ponto de substituí-las por duas ou três variedades de soja.”

Nesse contexto, o MST vem há um tempo percebendo os prejuízos e problemas sociais que a crise ambiental pode acarretar à população pobre e trabalhadora, no campo e na cidade, e buscando formas de enfrentar isso nas áreas de Reforma Agrária. Em 2020, aliado à produção de alimentos saudáveis, o MST iniciou um trabalho de recuperação ambiental nesses territórios, com a meta de plantar 100 milhões de árvores em dez anos nos territórios da Reforma Agrária pelo país, por meio do Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis.

As atividades são o resultado dos Sem Terra que têm buscado ampliar o debate sobre as causas e consequências da crise socioambiental, denunciando a devastação do meio ambiente no Brasil pelo agronegócio e suas grandes empresas, bem como as alternativas para a recuperação do meio ambiente em áreas degradadas, com o plantio de mudas de árvores de diversas espécies.

“Denunciamos a forma predatória com que o latifúndio tem usado os nossos bens naturais, poluindo os nossos rios e também a degradação ambiental da terra, da água, a poluição dos nossos aquíferos. Os vários sujeitos Sem Terra têm plantado árvores tanto em nascentes, próximas às barragens, aos rios, nas áreas de reserva legal dos assentamentos e nos acampamentos”, explica Aline Oliveira da Silva, do coletivo de juventude do MST em Alagoas.

Aline Oliveira, coletivo de juventude do MST e do Plano Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis. Foto: Arquivo pessoal

Aline avalia que a partir do Plano tem sido possível avançar na formação sobre a crise ambiental, nas denúncias dos conflitos socioambientais e na geração de renda para as famílias Sem Terra nos territórios, com destaque para experiências com jovens. “A juventude Sem Terra tem atuado como divulgadora do nosso projeto, avançado no diálogo com a sociedade, sobretudo nas denúncias e apontado experiências que envolvem os cuidados com os bens comuns a partir dos viveiros, mas também com a geração de renda”, pontua.

Bárbara Loureiro, da coordenação do Plano, explica que após um período de organização, o projeto se encontra em um processo de enraizamento e planejamento, juntamente com a produção de comida nos territórios do MST: “10 milhões de árvores foram plantadas. Entre árvores nativas e frutíferas nos diversos biomas.”

Neste sentido, a estrutura fundiária do RS impôs ao Movimento a luta nas regiões em que predomina o latifúndio. Majoritariamente, as famílias foram assentadas no Bioma Pampa (onde predomina o latifúndio) e em outras regiões do estado com uma forte incidência do latifúndio.

“Considerando ainda os efeitos da matriz tecnológica lastreada pelo uso intensivo e desenfreado de agrotóxicos e adubos químicos (alto consumo de energia fóssil), sob a saúde, fauna e contaminação ambiental, são evidências de que há uma relação diretamente proporcional entre crise climática e o modelo agroalimentar. O desalento, a destruição, o risco para as futuras gerações, incluindo a fauna e a flora, é uma moeda de um lado só”, lembra Delatorre.

Os desastres ambientais ocorridos nos últimos meses – ciclones extratropicais – ocorreram em bacias hidrográficas com poucos assentamentos. Ainda assim, principalmente os assentamentos da região de Porto Alegre, em que predominam áreas de várzea, e, por conta dessas características, prevalecem as lavouras de arroz orgânico, evidentemente, foram afetadas.

“Muitas lavouras tiveram os manejos perdidos, o adubo colocado foi levado pela água e o prejuízo está sendo contabilizado pelas famílias. Diferentemente do ocorrido nos últimos dois anos, em que a crise climática se manifestou através das sucessivas secas e das elevadas temperaturas, quando 100% das famílias assentadas foram afetadas em maior ou menor grau, dependendo da região”, afirma.

No que diz respeito ao problema das secas, o MST, juntamente com outros Movimentos ligados à Agricultura Familiar, construiu uma pauta e lutas coletivas na perspectiva de minimizar o impacto da crise. Ainda que muitas atividades de luta tenham sido realizadas, pouco se avançou na pauta apresentada.

“Relatos do nosso povo das regiões e dados da Emater revelam que, com relação às cadeias produtivas, contraditoriamente, mas compreensivelmente, percebemos o avanço da soja nas áreas em detrimento (redução) da produção leiteira, arroz orgânico, feijão, mandioca, que perderam espaço nos últimos anos.”

O exemplo do Rio Grande do Sul

Para Delatorre, o desafio interno do MST hoje é criar uma consciência ambiental que será traduzida em ações, evoluindo para a constituição de uma cultura ecológica. Consciência que não está dada, a luta pela sobrevivência, pelos ganhos comparativos, ainda prevalecem.”

“Temos incentivados as  instâncias regionais, as forças vivas nas regiões, a direção do Movimento, cooperativas, escolas, grupos de jovens, comunidades, grupos de mulheres, enfim, os Sem Terra a se envolverem na implantação do bosque em comemoração aos 40 anos. No RS, são 300 assentamentos. Para que cada assentamento implante o bosque, é preciso que as “forças vivas” reúnam o assentamento, debatam o problema da crise ambiental, escolham a área do bosque, preparem os berços, viabilizem mudas, decidam quem vai cuidar do bosque”

Em solidariedade e como ato de humanidade com a população atingida pelas enchentes na região serrana e do Vale do Rio Taquari no Estado, desde o dia 7 de setembro dezenas de famílias do MST e integrantes do Levante Popular da Juventude montaram uma Cozinha Solidária no município de Encantado (RS), que já entregou mais de 15 mil marmitas nas comunidades mais afetadas pelas enchentes. A confecção dos pratos tem sido feita todos os dias com o apoio de dezenas de voluntários da comunidade, que se juntam para montar e entregar as marmitas.

Ação de solidariedade em Encantado, no Rio Grande do Sul. Foto: Alexandre Garcia

Na última quinta-feira (14), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), visitou a cozinha montada pelo MST e agradeceu a ajuda e reconheceu a importância do trabalho.

“Quero destacar que, na macro política, estamos bem posicionados; inúmeras entidades nos chamam para falar do Plano, e em todas as reuniões da direção estadual a pauta está colocada. Temos a consciência da necessidade de reforçar o debate da crise ambiental, do aquecimento global, mas ainda temos dificuldades em dar organicidade ao plano, ou seja, fazer com que as “forças vivas” superem as pautas corporativas, imediatistas e pautem os objetivos e metas do plano nas regiões”, finalizou Delatorre.