Juventude em Luta

Relações humanas emancipadas, interseccionalidade e igualdade no Acampamento da Juventude

Plenária debate o enfrentamento à violência de gênero e LGBTfobia, questão racial e o enfrentamento à violência institucionalizada nos territórios de vulnerabilidade
Juventude durante plenária no Acampamento. Foto: Mykesio Max.

Flora Villela* e Yago Monteiro**
Do Acampamento da Juventude

Abrindo os processos de debate e formação do segundo dia do Acampamento da Juventude em Luta, na manhã deste sábado (14), a mesa de debate “Patriarcado, racismo e a construção de relações humanas emancipadas”. Em pauta, o enfrentamento aos processos de violência das populações racializadas, LGBT+ e de mulheres, nos contextos do campo e dos centros urbanos.

Na perspectiva da construção da luta da classe trabalhadora em seus mais diversos contextos, se mostra fundamental o debate das desigualdades que perpassam o povo e no enfrentamento das violências impostas pelo Estado, mas também presentes nas relações cotidianas e de poder. Foi o que ressaltou Maria de Jesus, coordenadora nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Via Campesina.

“O patriarcado e o racismo são ferramentas de dominação hegemônica para o poder capitalista, em um modelo de sociedade que tem em sua base a opressão e a violência, tornando o sujeito individualista e não coletivo e assim enfraquecendo nossa luta. Neste modelo, o homem branco está no centro da família, do poder econômico e das relações sociais e jurídicas, excluindo as mulheres das esferas de poder e impossibilitando a construção de políticas públicas que sejam abrangentes com as diversidades da população”, afirmou de Jesus. A militante ressaltou ainda que “é pela mão da juventude que historicamente os processos de revolução se consolidam e é pela luta da juventude que a mudança nas estruturas de poder, a defesa dos nossos territórios e a construção do mundo que queremos vai acontecer”.

Maria de Jesus. Foto: Daniel Violal.

As populações mais atingidas por essa lógica de exclusão e violência estão nos territórios e corpos vulnerabilizados, na realidade das favelas e do campo e em território de disputa onde as políticas públicas não conseguem chegar, destacou a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIAP+, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Symmy Larrat. A secretária trouxe que “é um grande desafio superar o passado impossibilitando que o ódio e o retrocesso desconstruam os direitos conquistados. Assim, nossos algozes tentam impedir nossas existências diariamente, quando olhamos para a estrutura do Estado percebemos o quanto ela é patriarcal, racista e LGBTfóbica em seu DNA, impedindo que essa população acesse os locais de poder e os seus direitos.”

Ela continuou dizendo que “um outro desafio é a constituição de uma base para que as políticas públicas cheguem a todos os territórios, tentando mudar uma realidade de migração forçada que atinge a população LGBTQIAP+, a partir da constituição de um marco regulatório para os nossos direitos”.

Symmy Larrat. Foto: Daniel Violal.

Por outro lado, o Estado nas periferias atua como algoz, em sua lógica de violência e morte. É o que ressalta em sua fala Giselle Florentino, coordenadora da Iniciativa de Direito à Memória e Justiça Racial, abordando a questão racial com ênfase ao contexto da Baixada Fluminense, região periférica do estado do Rio de Janeiro, que hoje enfrenta cotidianamente a realidade violenta da dinâmica policialesca do Estado.

”Trabalhamos diretamente com o enfrentamento ao racismo e principalmente às violações do Estado, buscando a garantia de vida e construção de proteção social a partir da favela e da periferia. Possuímos a maior parte da população preta da Baixada Fluminense sem acesso à saúde, educação e nenhum tipo de dignidade de vida, sendo a única política pública que chega no território o fuzil da PM, que executa os nossos jovens pretos todos os dias”.

Nesse sentido, ela complementa “quem mais sofre com a violência são os corpos das mulheres pretas, porque são elas que põem seu corpo a disposição para defender seu filho, seu sobrinho ou seu vizinho e são elas que fazem o enfrentamento cotidiano na liderança da luta da contemporaneidade e nas lutas abolicionistas contra à prisão e à polícia em sua lógica punitivista. Estamos construindo outras formas de disputa que não passam pela disputa ao Estado, entendendo que precisamos por fim a essa máquina genocida que nos assassina todos os dias”.

A discussão acerca das questões interseccionais se faz fundamental na construção de um debate que englobe a coletividade do povo trabalhador de modo a construir a luta igualitária e justa. No processo das lutas camponesas, as questões de gênero e raça se fazem presentes cotidianamente na busca por relações humanas mais solidárias e emancipatórias, assim como nas lutas urbanas. Com os espaços de formação é possível ampliar os horizontes acerca das diferenças que perpassam a constituição dos sujeitos, mas, principalmente, como ressalta Maria de Jesus, “olhar para o meu companheiro de luta e ver o que nos une, a luta coletiva que está em todos nós, amando o povo em sua diversidade”.

*Comunicadora popular e militante do MST em MG
**Comunicador popular e militante do MST no RJ
***Editado por Maria Silva