Produção Agroecológica

Brasil de Fato lança documentário sobre produção de cacau agroecológico do MST, na África do Sul

Filme 'Terra Vista' retrata a luta de assentamento para recuperar área degradada pelo coronelismo no sul da Bahia
Terra Vista estreia no próximo domingo (15) dentro da programação da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, em Joanesburgo. Foto: Pedro Stropasolas

Por Brasil de Fato | São Paulo (SP)

O Brasil de Fato lança neste domingo (15) o documentário Terra Vista, uma produção que aborda a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para enfrentar o agronegócio e transformar, por meio da agroecologia, com foco no cultivo de cacau, uma região marcada pelo coronelismo e condições degradantes de trabalho no Sul da Bahia.

O minidocumentário é produzido em parceria com o Orfalea Center, da Universidade da Califórnia, Santa Barbara (UCS). A estreia integra a programação da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, que começou neste sábado (14) e segue até 18 de outubro, em Joanesburgo, África do Sul.

Com direção de Noa Cykman e Pedro Stropasolas, o filme aborda a trajetória de camponeses e camponesas do Assentamento Terra Vista, em Arataca (BA), para reflorestar uma antiga fazenda degradada na região conhecida como Costa do Cacau. Hoje, as 55 famílias assentadas nos 904 hectares se destacam pela preservação ambiental, agroecologia e produção de mudas da Mata Atlântica

“O Assentamento Terra Vista é uma grande referência de soluções para as crises sociais e ecológicas que a gente enfrenta hoje no mundo. Problemas como a pobreza, a fome, a perda da biodiversidade. São preocupações de primeira ordem da agroecologia. O MST, ao lado de outros movimentos campesinos no mundo, está demonstrando o potencial efetivo dessa prática e desse modo de vida, de responder com integridade a esses desafios globais e urgentes”, conta Noa Cykman, pesquisadora, ativista em práticas agroflorestais pela UCS e uma das diretoras do filme.

O enredo traz entrevistas inéditas com os primeiros moradores do assentamento e como se deu o processo de transição agroecológica – que perdura até hoje. O MST ocupou a fazenda em 8 de março de 1992 e, após cinco despejos, conquistou a propriedade para interesse social, contra os latifundiários e coronéis do cacau da região. Desde 2000, quando foi implementado os sistemas agroflorestais, as famílias do assentamento recuperaram 92% da mata ciliar do Rio Aliança e 80% das nascentes. 

A produção de cacau orgânico é dos destaques da base agroecológica do Terra Vist. Foto:/ Carlos Alberto

Para Cykman, que desenvolve pesquisa de doutorado na UCS sobre o assentamento do MST, o Terra Vista demonstra também possibilidade de criar modelos de sociedade e sistemas alimentares justos e ecologicamente equilibrados.

“O filme retrata algo que lá no Terra Vista eles sempre dizem, que a agroecologia é um modo de vida, é mais que um conjunto de técnicas. O Terra Vista demonstra que agroecologia é uma forma de viver, um projeto de sociedade, guiado por valores como a coletividade, a reciprocidade, a solidariedade, não só entre os seres humanos, mas também com a terra, o solo, as águas, entre tudo o que vive junto. E isso se vê no dia a dia do assentamento”, completa a diretora.

Dilemas da Humanidade

Participarão do debate, após a exibição do filme, o repórter do Brasil de Fato, Pedro Stropasolas, além de representantes do Fórum de Pequenos Agricultores Orgânicos do Zimbábue (Zimsoff), do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas da Jordânia, da Federação de Todos os Camponeses do Nepal e do movimento de camponeses de El Salvador CLOC- Via Campesina.

“É muito importante que esse filme alcance outras organizações, outros movimentos do campo que também constroem essa alternativa ao agronegócio no âmbito mundial. Também é relevante para trazer o debate de como o MST hoje se coloca como uma alternativa na produção de alimentos saudáveis e no enfrentamento às desigualdades. Principalmente após quatro anos de um governo de extrema direita, um governo que legislou contra o povo e contra organizações populares”, pontua o repórter do Brasil de Fato e um dos diretores de Terra Vista.

O filme também mostra como é feito o chocolate Terra Vista, que hoje se tornou uma alternativa ao modelo hegemônico de produção de cacau ditado pelas grandes multinacionais do ramo chocolateiro. O doce produzido no assentamento, mundialmente reconhecido pelo cacau orgânico e chocolate fino, tem todas as etapas de produção, do plantio ao beneficiamento, feitas dentro do assentamento.

Ao todo 55 famílias assentadas estão envolvidas na produção do chocolate orgânico que se destaca pela cadeia produtiva limpa. Foto: Carlos Alberto, Boby/Assentamento Terra Vista

“A cadeia produtiva do cacau no Brasil, principalmente no Pará e na Bahia, principais pólos produtivos, é marcada hoje pela precarização do trabalho, principalmente entre os trabalhadores do cultivo, que são esses trabalhadores que sobrevivem em fazendas insalubres, muitas vezes submetidos ao modelo clássico de escravidão por dívida. Não é raro também a presença do trabalho infantil”, explica Stropasolas.

“No sul da Bahia, tudo isso acontece sem o devido monitoramento por parte das três moageiras internacionais, que processam a amêndoa e ditam os preços no mercado global. Recentemente, uma delas, a Cargill chegou a ser condenada pelo Ministério Público do Trabalho. Então, o Terra Vista veio mostrar esse outro lado. De que é viável produzir um chocolate de outra forma, centrado no trabalho coletivo, na cooperação, e no respeito à natureza”, finaliza.

Além da produção do Brasil de Fato, em parceria com o Orfalea Center, mais seis minidocumentários produzidos por veículos de imprensa parceiros da Assembleia Internacional dos Povos, organizadora do evento. serão exibidos durante a programação da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade.

A edição deste ano contará com nomes como Aleida Guevara, pediatra cubana, escritora e filha de Che Guevara; Leila Khaled, da Frente Popular para a Libertação da Palestina; Naledi Pandor, ministra de Relações Exteriores e Cooperação da África do Sul; e João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Edição: Geisa Marques/Brasil de Fato