Encontro de Música

Sinfonia para ecoar a resistência: confira o I Encontro Nacional de Música do MST

Musicistas e compositores se reuniram para celebrar e debater a trajetória musical do Movimento em seus 40 anos: “Cantar nossa história, semear o futuro!”
Encontro ocorreu de 16 e 20 de outubro, com participantes de diversos cantos do país na ENFF, em SP. Foto: Priscila Ramos

Da Página do MST

Sob o brilho da manhã, a alegria e a cantoria se uniram em harmonia para proclamar o início do I Encontro Nacional de Música do MST, um evento que deu as boas-vindas com uma sinfonia de ritmos e estilos diversos. O carimbó e o coco dançaram lado a lado com a poesia e o samba, com as vozes do rap e as ondas sonoras da viola, como um balé cultural unindo corações e almas.

Nesse momento educativo, as pessoas se envolveram com a música, discutiram a política e a cultura que fazem parte de suas vidas. Além disso, a comemoração dos 40 anos do MST uniu todos num sentimento espiritual, celebrando a música popular e rica dos Sem Terra de todo o Brasil. Foi um encontro que misturou união, diversidade e um compromisso duradouro, que deixará uma marca para o futuro, como conta Igão, do MST no Paraná.

Encerramos o I Encontro Nacional de Música do MST com a certeza de termos vivido um momento histórico. Não apenas por ter sido o primeiro Encontro Nacional de Música do Movimento nesses 40 anos, mas também por termos experimentado essa reunião de uma riqueza extraordinária, algo jamais visto por nós.

– Igão, do MST no Paraná

Entre os dias 16 e 20 de outubro, participantes de diversos cantos do país se congregaram na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), situada em Guararema, São Paulo. Desde o domingo anterior ao evento, uma atmosfera vibrante de celebração musical e dedicação à causa já envolvia todos os presentes. Com a chegada de cada entusiasta, a imersão nessa experiência singular começou a tomar forma desde o sábado anterior ao encontro. Foram mais de 150 participantes de 18 estados, incluindo cantantes, compositores, instrumentistas e estudiosos, reunidos para um propósito especial recordar e produzir arte em um tributo à história e luta do MST.

Foto: Priscila Ramos

Um dos destaques foi a diversidade geracional que se fez presente, com cantadores que, ao longo desses 40 anos, entoaram as canções do MST e as celebraram nas ocupações, ao lado das novas gerações. “As novas gerações que enfrentam os novos dilemas, desafios e pautas que a reforma agrária apresenta atualmente”, lembra Igão. “Principalmente, envolver tantas outras crianças, jovens, adolescentes e camponeses Sem Terra nesse fazer musical que é tão rico, e que a reforma agrária do MST pode proporcionar”, complementa.

Os debates que conduziram a programação contemplaram as discussões sobre o papel da música no MST, ideologia e formação humana, história da música, além de oficinas de corpo e voz, melodia e harmonia, ritmo e composição. Todas as noites também foram preenchidas com a cantoria popular em homenagem a João do Vale, Victor Jara e Violeta Parra, cine debate e momentos de ensaio coletivo.

Entre as mesas, destacaram-se a abertura, feita por Daniel Puglia, professor e amigo do MST, e Cassia Bechara, do Setor de Internacionalismo do MST, que analisam a atual conjuntura política e cultural no Brasil.

Na terça (17), Maria Raimunda, do Coletivo de Cultura MST/PA, e Manoel Bastos, professor e amigo do MST, apresentam alguns pontos sobre música, ideologia e formação humana. Na quarta (18), Rosana Fernandes, reitora da ENFF e Geraldo Gasparin, do Setor de Formação do MST, apresentaram as discussões sobre a atualização do programa agrário e a Reforma Agrária Popular defendida pelo MST. Quinta-feira (19), na quarta mesa, o professor e amigo do MST, Ricardo Pazello, apresentou um panorama sobre a relação entre música e política no Brasil. Em seguida, a última mesa do Encontro foi apresentada por Guê Oliveira e Igor de Nadai, do Coletivo Nacional de Cultura do MST, que discutiram a importância da música para o Movimento e os desafios para avançar na formação de artistas populares.

O I Encontro Nacional de Música do MST se junta às comemorações e homenagens rumo aos 40 anos do MST. Celebrar a cultura, a vida e a arte dentro do Movimento em um momento importante de apoio às diversas ações do MST, ao mesmo tempo em que a música se expressa como uma disputa também política do MST e a luta por terra e pela Reforma Agrária Popular.

Foto: Priscila Ramos

Após o encerramento do Encontro, os participantes devem lançar uma canção inédita, criada em conjunto pela militância do MST e gravada ao longo dos dias de atividades na Escola. A música será uma homenagem à trajetória de 40 anos do MST e incorporará uma variedade de ritmos de todo o país, que refletem a rica diversidade que caracteriza a construção do Movimento Sem Terra. A letra, construída por várias mãos foi gravada na ENFF com as vozes de diversos militantes do Movimento de todas as regiões do país, e irá se transformar em um clipe a ser divulgado na redes sociais do Movimento e compartilhado com toda a sua base social e a sociedade brasileira.

Ao observar a quantidade de atividades do I Encontro Nacional de Música do MST, é inegável afirmar que vivemos um momento histórico. Mais do que um simples encontro de musicistas; é uma celebração da rica tradição musical que tem acompanhado o MST desde o início da sua luta no Brasil. Com um compromisso duradouro e uma marca que ecoará para as gerações futuras, que continuarão a cantar sua história e a luta pela Reforma Agrária.

“Para o povo Sem Terra, saímos com a certeza de termos realizado um encontro belíssimo, mas também com o compromisso e um grande caminho pela frente, que é continuar cantando a Reforma Agrária, continuar cantando o MST”, conclui Igão.

Confira íntegra da carta compromisso do I Encontro Nacional de Música do MST:

1º ENCONTRO NACIONAL DE MÚSICA DO MST
CARTA COMPROMISSO

Cantar a terra tem sentido e razão”

_Victor Jara

Somos musicistas Sem Terra, animadoras e animadores da arte e cultura popular, reunidos no 1º Encontro Nacional de Música do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, entre 15 e 21 de outubro de 2023, para socializar nossa produção artística, cantar, celebrar a vida, a luta, e projetar a emancipação humana através das artes, enraizando-a em nosso projeto de reforma agrária popular e de sociedade.

Nossa existência se constitui e expressa as matrizes africanas, indígenas, árabe e europeia, forjada na história de luta e resistência do povo brasileiro. Neste sentido, defendemos a alegria como uma trincheira e as expressões da cultura popular como um direito humano, que também é instrumento no processo de conscientização e emancipação da classe trabalhadora. As representações e conhecimentos ancestrais são essenciais para a reprodução da vida, como criações que emergem no ato de cultivar a terra, nas relações sociais, produtivas e políticas.

Afirmamos a música e nossas criações como parte do processo de humanização e cultivo de nossa sensibilidade, de enfrentamento ao capitalismo e o agronegócio, dentro da disputa ideológica de projeto de sociedade, no combate ao racismo, o patriarcado e todas as formas de opressão, preconceito e discriminação típicas do processo de mercantilização da vida, que manipulam as consciências, alienam e exploram a classe trabalhadora.

NOSSOS COMPROMISSOS:

1. Valorizar as produções artísticas da cultura popular nos diferentes espaços formativos e políticos, como Feiras da Reforma Agrária, Festivais, Armazéns do Campo, entre outros;

2. Difundir nos territórios da reforma agrária de Assentamentos e Acampamentos, a canção popular, ampliando o acesso e repertório de artistas militantes, contribuindo no enfrentamento as músicas da indústria cultural que apresentam conteúdos machistas, homofóbico, racistas, misóginos;

3. Criar formas de aquisição e produção de instrumentos e equipamentos de produção musical para equipar os centros de formação, acampamentos, escolas de educação básica, cirandas infantis, e manutenção de patrimônios coletivos;

4. Fortalecer e criar festas populares como resistência da cultura popular;

5. Garantir espaço para os artistas populares na rede de rádios do MST, bem como nos diversos espaços e plataformas digitais de forma permanente, difundindo e fortalecendo a produção musical e a comunicação popular nos processos de diálogo com a sociedade.

6. Organizar espaços e metodologia de estudo para o aprofundamento e formação teórica e prática de artistas populares;

7. Fortalecer o trabalho com as artes e a música nos centros de formação, nas escolas de educação básica, cirandas infantis, nos territórios da reforma agrária.

8. Incentivar e ampliar coletivos de compositoras e compositores, aperfeiçoando a poética do MST e da luta popular;

9. Formar instrumentistas Sem Terra, ampliando com atenção especial para as mulheres e LGBTs

10. Organizar espaços de trocas, fruição, vivências e acesso às músicas para alargar e diversificar o repertório musical nos territórios, valorizando ritmos regionais da cultura popular latino-americana.

11. Produzir uma estética da reforma agrária popular que esteja vinculada aos valores da Agroecologia, dos cuidados com a natureza e reprodução da vida e dos bens comuns; 

12. Organizar os coletivos de artistas em âmbito local, estadual e grandes regiões, reunindo artistas, produtores/as, professores/as, compositores/as

13. Intencionalizar a música para a construção do internacionalismo;

14. Lutar por políticas públicas culturais em nível municipal, estadual e federal, para crianças, jovens e adultos nos territórios camponeses, da periferia e da classe trabalhadora;

15. Garantir a música no processo da luta político, do trabalho de base e de fortalecimento da mística e construção do projeto de reforma agrária e de sociedade;

16.  Fortalecer e construir relações e iniciativas com os artistas e coletivos dos movimentos de cultura popular das periferias urbanas.

17. Fortalecer a Frente de Música João do Vale como espaço de articulação, intercâmbio e formação.

 

Guararema, 20 de outubro de 2023.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Confira mais imagens do Encontro abaixo:

*Editado por Solange Engelmann