Homenagem

Em homenagem aos seus 96 anos, leia carta de Dom Pedro Casaldáliga aos Sem Terra

Mensagem de apoio e visita aos acampamentos marcam legado do religioso que faria aniversário hoje
Dom Pedro Casaldáliga. Foto: Arquivo MST

Da Página do MST

Hoje (16), se estivesse vivo, Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia, completaria 96 anos. Conhecido carinhosamente como Pedro pelos posseiros de sua região, Casaldáliga deixou um legado de solidariedade e apoio aos mais necessitados, especialmente aos trabalhadores rurais Sem Terra.

Em 1981, Dom Pedro escreveu uma carta comovente aos Sem Terra gaúchos acampados na Encruzilhada Natalino, manifestando sua solidariedade desde os primeiros dias de acampamento. Sua ligação com a causa dos sem-terra não era apenas retórica; quando esteve no Rio Grande do Sul, em 26 de junho de 1981, celebrou uma missa no acampamento da encruzilhada com os colonos em Ronda Alta. Mesmo após a conquista da terra, ele voltou para visitá-los, passando alguns dias dormindo inclusive nos barracos.

A carta de Dom Pedro certamente trouxe palavras de conforto e inspiração para os Sem Terra, mostrando seu compromisso genuíno com a luta por justiça e igualdade. Seu legado de amor e dedicação aos mais vulneráveis continua a inspirar pessoas em todo o mundo.

Confira a carta na íntegra:

Escrevo a vocês, em nome de toda Prelazia de São Félix do Araguaia, MT. Um dia visitei vocês e com vocês celebrei a eucaristia, que é sempre a morte e a ressurreição de Jesus e de seu povo. De vocês recebi, como um pequeno sacramento, de comunhão e de compromisso, uma sacolinha de terra, úmida de frio de pranto e até sangue. Deixei na cruz do acampamento meu terço de oração e de irmandade.

E assumi, naquela hora em nome de toda nossa Igreja, um compromisso de solidariedade, definitiva.

Vocês agora, estão vivendo um momento de encruzilhada mesmo. O egoísmo dos que acumulam a terra em suas mãos e a prepotência da segurança nacional, ansiada com eles, querem fechar para vocês o caminho da lei.

Nunca eles poderão fechar para vocês os caminhos da fé e da justiça; nunca poderão entulhar diante de vocês a larga estrada da esperança. Se continuarem unidos, vencerão.

Abram os olhos e enxerguem além da encruzilhada. Façam o dia de hoje e façam o amanhã.

Um dia acabará esse sistema, que nos divide em ricos e pobres, em privilegiados e marginalizados. A Terra é de todos. O Brasil é dos brasileiros e o Rio Grande do Sul é dos Gauchos.

Todos cabemos se queremos ser iguais.

Com vocês lutam muitos outros lavradores, operários, índios, desempregados, povo sem terra, sem moradia, sem alimentos e sem liberdade, nesse país, nesta América Latina, nesse mundo.

A teimosia organizada de vocês é uma luz é uma luz e uma força para todo esse povo. A Encruzilhada Natalino virou uma verdadeira encruzilhada de libertação. Seu acampamento virou um acampamento do povo de Deus, em marcha, à procura da terra prometida, na terra e no céu.

O coronel “Curió” os deixou, despeitado, ameaçando a vocês com a repressão e caluniando a quantos os ajudam. Mas Jesus Cristo fica com vocês, poderoso, fiel e libertador, sustentando-os com seu espírito e aprovando a fidelidade dos que acompanham nessa caminhada.

Nós acreditamos na boa nova libertadora de Jesus Cristo e não no código repressor da Segurança Nacional.

Continuem se reunindo, discutindo juntos. continuem rezando, em comunidade. Não permitam entre vocês nem desânimo, nem desunião. Não deem ouvidos nem à mentira nem à fofoca.

Todos os bispos católicos do Rio Grande já deram para vocês, com o seu documento de 18 de agosto uma palavra clara de aprovação e de estímulos, muitos irmão, católicos, evangélicos, padres, pastores, religiosos, jornalistas, comunidades inteiras, sindicados, políticos do povo, a CPT e outros organismos, tanto no Rio Grande do Sul como de todo país estamos com vocês.

A Luta não terminou. Não será difícil a caminhada. É todo um povo acampado à margem. Mas a nossa fidelidade de cada dia é cada dia uma nova vitória.

“Não tenham medo – fala Jesus – eu já venci”. esse mundo de injustiça e do pecado, e da morte. Com ele também nós venceremos.

Nessa missa do dia 08 de setembro, festa de Nossa Senhora, a conquistadora da terra para o povo sem terra, eu e toda Igreja São Félix do Araguaia estamos celebrando, com vocês, a páscoa de Jesus, que é a nossa Páscoa.

A todos, cada um de vocês, aos que acompanham nessa luta, a começar, pelo corajoso Padre Arnildo, enviamos um forte abraço de verdadeiros irmão.

Pedro Casaldáliga.

Bispo de São Félix do Araguaia, Set. 81.

*Editado por Fernanda Alcântara