Escola do Campo

Vale da Vitória: 38 anos de construção política e pedagógica da escola de assentamento

No dia 24 de fevereiro de 1986, junto ao desafio coletivo de organizar o novo assentamento, trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra pautam a criação da escola
Foto: EEEF Vale da Vitória

Por Mariana Motta
Da Página do MST

A construção coletiva da luta pelas escolas públicas, que tenham qualidade e protagonismo dos diferentes sujeitos que compõem o território camponês, se configura, para além do acesso à educação, como um direito historicamente negado, mas também um espaço importante de resistência aos projetos da ordem social vigente.

A participação dos movimentos sociais do campo nos debates, articulações e lutas acerca da educação, tem sido muito importante e tem contribuído para reafirmar a educação como um direito e para o MST como parte da estratégia política de construção da Reforma Agrária Popular.

Essa disputa educativa no chão da escola pública, acontece em solo capixaba assim que se quebra acerca dos latifúndios, e assim, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Vale da Vitória, fruto da 1ª ocupação de terra organizada pelo MST no Espírito Santo, comemora seus 38 anos de fundação.

No dia 24 de fevereiro de 1986, junto ao desafio coletivo de organizar o novo assentamento, trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra pautam a criação da escola, neste momento, o MST no Espírito Santo e a nível nacional já se organizava e apontava elementos sobre a educação nas áreas de reforma agrária e sua tarefa histórica junto aos objetivos do movimento.

Em seus 38 anos de construção político e pedagógica, a EEEF Vale da Vitória já recebeu muitas crianças e adolescentes, filhos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, não apenas dos assentamentos, mas também das comunidades camponesas vizinhas. Com o trabalho orientado a partir dos princípios da pedagogia do Movimento Sem Terra a escola atua com a auto organização dos educandos e o trabalho como princípio educativo como bases do processo educativo, além de atuar com o método do Plano de Estudo, trazendo a realidade concreta para ser refletida em sala de aula, combinando com os conteúdos específicos das disciplinas.

Foto: EEEF Vale da Vitória

Nesta construção coletiva, muitos ainda são os desafios para que a experiência continue viva e florescendo, sendo alguns deles, a necessidade da aprovação das diretrizes estaduais das escolas de assentamento do Espírito Santo, as famílias demandam a urgência estrutural da construção da escola, pois ela ainda é a base construída pelas famílias no início do assentamento, a terceirização do trabalho da escola, sendo a alimentação e limpeza que sendo feitas por empresas externas atrapalham a dinâmica viva da escola, no trabalho da escola, tem a disciplina de Ciências Agropecuárias mas não existe um currículo próprio para atuação dos educadores que vise a maior qualidade, a garantia de transporte escolar para visitas de estudo externas a escola, é uma necessidade importante para avançar com a proposta pedagógica desenvolvida na escola.

No dia de hoje, os mais de 90 educandos e educadores da escola realizaram a comemoração com muita mística, trazendo elementos históricos da luta pela terra vinculada com a luta pela educação, participaram ex educandos e famílias assentadas que contribuíram no processo de construção da experiência da escola. Além do processo místico protagonizado pelas crianças, os companheiros do assentamento fizeram o resgate histórico, integrando as gerações na história e na continuidade desta luta.

Compartilhamos a poesia escrita pela companheira Andréa Silva Santos de Sousa, educadora da reforma agrária e assentada no Assentamento Vale da Vitória, em São Mateus, Espírito Santo.

Foto: EEEF Vale da Vitória

CONSTRUINDO A HISTÓRIA

Num contexto histórico de luta

Muitas coisas surgiram e em meio as tempestades

Veio também os desafios.

Era 1986 quando tudo começou

Gilson, Glória, Gilberto, muita gente alfabetizou

E não podia me esquecer do que agora vou recitar

Maria da Penha, Lucia e Neuza ajudaram alfabetizar

Os 120 educandos que aqui vieram estudar.

Não tinha água encanada

Nem cadeira pra sentar

Mas em banco roliço nós sentavamos para poder ler, escrever e contar

As merendeiras que o diga como vou me lembrar

Dona Zinha e dona Duina aqui vieram cozinhar

Num fogão ainda a lenha

Água para buscar preparava a comida

Para as crianças alimentar.

E alguns elementos eu agora vou recitar

O mutirão de limpeza a merenda escolar

A horta neste espaço não podia faltar

Famílias se organizavam para tudo funcionar

É por isso que lutamos

Em prol da educação

Numa pedagogia diferente

Que transforma a nação

Destruindo um conceito capitalista e opressor

Que escola é espaço apenas para formar doutor

Escola é acima de tudo

Um lugar de conhecimento

De brancos, negros, índios e mulatos

Bóia fria e sem terra que ocupam este espaço

É assim que aprendemos

Parabéns a esta escola

Pelos seus 38 anos

Sem terrinhas segue em frente

Neste país lutando

Por educação do campo

E reforma agrária popular

*Editado por João Carlos