Agroecologia

Acampamento Zé Maria do Tomé: resistência agroecológica no coração do agronegócio do Ceará

Homens e mulheres que plantam além de sementes, sonhos, solidariedade e a esperança das próprias vidas em busca da terra, do teto, do pão e da justiça social
Imagem ilustra recuperação ambiental em área do Acampamento Zé Maria do Tomé. Foto: Reprodução

Por Aline Kosta
Da Página do MST

Nos últimos dez anos, a Chapada do Apodi, no município de Limoeiro do Norte, no Ceará, vem transformando o cenário de que a chapada é apenas espaço de produção dos grandes proprietários, das empresas estrangeiras e do agronegócio.

No dia 5 de maio de 2014, centenas de famílias ocuparam parte do perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi. A ocupação, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e apoiada pelo Movimento M21, teve como principal objetivo garantir às famílias que residiam nas proximidades do perímetro o acesso à terra e à água para produzir e viver com dignidade.

A área ocupada possui aproximadamente 1 mil hectares, é de domínio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), e desde que foi ocupada, a perseguição por parte dos empresários surge com muita força. Hoje, o acampamento que leva o nome de Zé Maria do Tomé, uma homenagem feita ao militante e ambientalista assassinado por denunciar os graves problemas ocasionados pela chegada de grandes empresas na região, acolhe cerca de 100 famílias. Essas famílias, antes da ocupação, viviam sob o controle das empresas, com um alto nível de exploração e exposição direta aos agrotóxicos usados nos monocultivos da banana, melão, entre outros.

A Chapada do Apodi, no Ceará, passou por transformações significativas na década de 1980 com a construção do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (PIJA), um projeto de irrigação promovido pelo governo. Esse sistema de engenharia refletia os interesses do capital globalizado que cercava a produção agrícola de monoculturas em larga escala.

A expansão do agronegócio nessa região resultou em um acirramento dos problemas relacionados à questão agrária no Ceará, historicamente marcada pela concentração fundiária e expulsão massiva de camponeses de seus territórios. Esse processo gerou um quadro de desigualdades, expropriações, desterritorialização, conflitos de cunho econômico, político, social, ambiental e cultural.

Desde a ocupação, o acampamento Zé Maria do Tomé sofreu diversas tentativas de despejos, uma das mais emblemáticas foi em novembro de 2018, quando a Polícia Militar cercou o local com um grande efetivo policial; a intenção era de realizar o despejo das famílias a partir da ação de reintegração de posse movida pelo DNOCS e a Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (Fapija), que reúne empresários da fruticultura.

O acampamento Zé Maria do Tomé é o resultado de dez anos de coragem, disposição e construção de processos coletivos, que resultaram na unidade e fortalecimento da luta. São mais de uma década de sonhos construídos, moradias erguidas, produção de alimentos e solidariedade, sendo a expressão viva da construção da Reforma Agrária Popular nos territórios disputados pelo capital.

Ocupação Zé Maria. Foto: Comunicação MST Ceará 

Vozes da resistência

Dentre tantas histórias, memórias, legados de força, coragem e ousadia, destaca-se a história de Mônica Oliveira, mulher, mãe de quatro filhas, que compõe o coletivo de mulheres “Mãos que criam” e está no acampamento desde a madrugada do dia 05 de maio de 2014.

“A minha vida mudou completamente, hoje eu sou outra mulher, com visões diferentes. Entendo que podemos fazer a diferença e contribuir com a comunidade. Ao longo desses anos, temos construído muitos processos, como o grupo de mulheres, o processo de organização da nossa produção e da comercialização. Hoje, nosso acampamento tem uma grande produção de frutas, verduras e legumes, como batata, macaxeira, pimentão, cebola, manga, goiaba, acerola, caju, coco, entre tantas outras. Nossa produção é exportada para Pernambuco, Bahia, Tianguá (CE) e para o Ceasa em Fortaleza. Além de abastecer as feiras da região, alguns acampados também vendem semanalmente nas feiras do município de Limoeiro, e levamos nossa produção para a feira cultural da Reforma Agrária, que acontece no Centro Frei Humberto, em Fortaleza.”

A produção agrícola do Acampamento tem sido um importante contraponto ao agronegócio da região, o processo organizativo tem garantido práticas agroecológicas por parte das famílias, garantindo uma forma sustentável de lidar com a terra, de produzir alimentos variados e fortalecer a agricultura familiar camponesa da região.

Assim como Mônica, Antônio Soares, que também é acampado desde o início da ocupação, destaca a produção de alimentos como uma possibilidade de viver com dignidade: “Levei uma vida inteira trabalhando para os outros, para as empresas, e com a ocupação eu tive a possibilidade de organizar meu quintal, produzir meu próprio alimento e também garantir uma renda.” E complementa: “quando chegamos aqui as condições eram poucas, mas a gente resistiu, se organizou e hoje a gente consegue produzir uma grande quantidade de alimento, que além de garantir nosso alimento do dia a dia, nossa renda, nós também realizamos muitas doações, aqui mesmo para pessoas necessitadas de Limoeiro, para hospitais. Então eu só tenho a agradecer a Deus e ao movimento por garantir direitos, por lutar conosco por esse pedaço de terra”.

Doação de alimentos. Foto: Comunicação MST Ceará 

Perspectivas de futuro

O acampamento Zé Maria do Tomé é hoje uma referência de produção de alimentos nos territórios de Reforma Agrária. É uma comunidade construída por homens, mulheres, crianças, idosos, movidos pelo sonho de ver a terra conquistada, a justiça sendo feita e fazer brotar a partir do trabalho com a terra, um país justo, onde as pessoas não passem fome. São homens e mulheres que plantam além de sementes, sonhos, solidariedade, e a esperança de suas próprias vidas em busca da terra, do teto, do pão e da justiça social.

Atualmente as negociações da área ocupada seguem com o Governo Federal, DNOCS, Governo do Estado e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O Movimento tem como objetivo transformar o acampamento no primeiro assentamento irrigado do estado do Ceará.

Acampamento. Foto: Comunicação MST Ceará 

*Editado por João Carlos