Vitória definitiva!

Homologação da desapropriação do Quilombo Campo Grande em MG cria novas esperanças para o território  

Com a confirmação do decreto presidencial a comunidade passa agora para a fase de regularização do assentamento e acesso a créditos

Foto: Flora Villela

Por Flora Villela
Da Página do MST

Após quase três décadas de luta e resistência, no último dia 26, a justiça confirmou, em ato oficial, o decreto de desapropriação do agora assentamento Quilombo Campo Grande, na antiga fazenda Ariadnópolis. Com isso se encerra o mais antigo e um dos mais emblemáticos conflitos de terras em Minas Gerais. Localizado no município de Campo do Meio, no sul do estado, o território é lar de mais de 480 famílias que agora tiveram seu direito à terra reconhecido com a homologação judicial.  

“O dia 26 de novembro, é um dia histórico da luta pela terra. Marca, não só a nossa luta aqui, mas a história do povo mineiro, do povo brasileiro. É o primeiro dia do nosso assentamento Quilombo Campo Grande. Esse é um momento importante para nós, de fato conquistar a terra, é o passo determinante para que possamos dar muitos passos adiante”, afirma a dirigente nacional do MST em Minas Gerais, Tuira Tule.

“Hoje talvez seja um dia de uma emoção maior do que quando o presidente Lula esteve aqui. Naquele momento foi grande, mas hoje é a nossa certidão de nascimento. O decreto era um ato do Executivo, mas dependia da Justiça e as experiências que tivemos nos fizeram segurar o choro até agora. Hoje, finalmente, chegou a conquista”, complementou, em sua fala durante a cerimônia, Silvio Netto, integrante da estadual do Movimento.

Com a decisão, que articulou diversas instâncias do poder judiciário, chegou-se a conquista da criação do assentamento oficialmente. Estiveram presentes na cerimônia: o juiz federal Mário de Paula Franco Junior; o juiz Fábio Moreira Arantes, da comarca de Campos Gerais (TJMG); o Juiz Luiz Felipe Sampaio Aranha, da vara agrária de Belo Horizonte; o desembargador Leopoldo Mameluque; o procurador do Ministério Público do Minas Gerais (MPMG), Afonso Henrique de Miranda Teixeira; e a superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Neila Batista. 

Além de demais representantes do MPMG, do TJMG, da Advocacia Geral da União e da defensoria pública estadual e nacional. Demonstrando assim o esforço ativo e conjunto do poder público para fazer valer o decreto do presidente Lula (PT), de março deste ano. O território passa agora, por intermédio do Incra, para a fase de parcelamento da área e seleção das famílias já cadastradas para cada lote. 

“É muita emoção. O dia começou com a vistoria nos territórios para homologar o acordo com a massa falida, confirmando o decreto que foi assinado pelo presidente Lula, neste mesmo palco onde hoje recebemos a comissão jurídica. O ato de homologação é a solução de todos os conflitos da antiga usina. Esse é um momento muito importante para nós, acabou, não tem mais despejo contra essas famílias. Então, para nós é um momento de muita alegria”, explica Helen Santos, dirigente do MST no sul de Minas e moradora do Quilombo Campo Grande.

Em etapa seguinte, prevista para o início do próximo ano, as famílias que lá construíram escolas, lavouras, cooperativas e um modo de vida profundamente enraizado na agroecologia camponesa, receberão os Contratos de Concessão de Uso (CCU). Este documento possibilita o acesso futuro a créditos pelas famílias, como explica a dirigente nacional.

“É com ele que, de fato, conseguimos avançar na organização da nossa produção, já que passamos a existir de fato, enquanto agricultores familiares e camponeses que somos, perante o Estado brasileiro”, aponta Tuira.

Ela explica ainda que, a partir de agora, abre-se a possibilidade de acesso a diversas políticas públicas de abastecimento, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), para a comercialização das mais de 160 variedades alimentares agroecológicas e orgânicas produzidas do Quilombo.

“Isso é o nosso papel, produzir com qualidade para nós que estamos na terra, mas também para toda sociedade com preço justo e popular. Esse acesso faz com que os alimentos que produzimos aqui, possam ser comercializados para onde acreditamos ser mais fundamental: as vendas institucionais, para chegar na mão de quem precisa, nossas crianças do município, hospitais e diversas outras entidades públicas”, explica a dirigente.

Com a seleção, mais de 600 famílias conquistam o acesso à terra, sendo ao menos 580 já cadastradas para viver e produzir na área. Consolidando a luta das famílias Sem Terra, a decisão comprova também a ilegalidade do despejo ordenado violentamente pelo governador Romeu Zema (Novo), em 2020, durante a pandemia de Covid-19. Quando foram mobilizados mais de 200 policiais militares e destruídas casas e a Escola Eduardo Galeano. 

Uma conquista que é só o começo 

Para o MST, este momento é o primeiro de muitos passos na consolidação do futuro do Quilombo Campo Grande, garantindo segurança jurídica às famílias que lá produzem alimentos saudáveis e preservam o bioma local. Outra promessa, firmada pelo poder público durante o ato judicial, foi a consolidação do acesso à energia elétrica. Hoje há ainda mais de 140 famílias no território que não têm esse direito garantido. 

“A conquista é um passo, a nossa documentação definitiva é outro passo, mas sabemos que tem muitos passos para dar. Há ainda no nosso território muitas famílias que não têm energia elétrica e nós vamos lutar para que cada uma delas tenha. Nós vamos lutar para que nossos créditos, de fato, possam cumprir sua função social, ajudando no subsídio para que possamos avançar na nossa produção, em escala, com qualidade e que a gente possa avançar junto”, pontua Tule.

Mística do MST e compromisso ambiental

Cerca de 550 quilos de sementes de espécies florestais nativas sendo preparadas para semeadura em área de preservação do no novo assentamento. Foto: Flora Villela

Um marco central para o Movimento nesta caminhada e na organização a partir da agroecologia e da troca de conhecimentos populares é a Escola Popular de Agroecologia Eduardo Galeano. Destruída durante o despejo promovido pelo governo do estado na pandemia, ela foi, de forma simbólica, o cenário do ato de homologação. 

“Estamos aqui em frente à escola Eduardo Galeano, que em 2020 foi destruída pelo Zema e pela Polícia Militar de Minas Gerais. Essa conquista é histórica, a maior ocupação da MST de Minas Gerais e uma das maiores do Brasil. Terra produtiva que faz café orgânico e produz alimentos que vão ajudar o povo brasileiro a viver com saúde. Viva o Movimento Sem Terra”, apontou o parceiro do MST e vereador Bruno Pedralva (PT), presente na cerimônia.

Durante o ato, o MST reforçou ainda seu compromisso ambiental. Através da campanha nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, foram coletados e preparados 550 quilos de sementes de espécies florestais nativas, vindas de diversos acampamentos e assentamentos. Nos próximos dias o território receberá a dispersão de sementes, em área de preservação atingida por um incêndio criminoso. A celebração teve ainda apresentações culturais do coletivo de cultura do MST, do espetáculo O Auto do Boi Encantado e do violeiro Wilson Dias.

A ocupação é um direito 

Outro ponto central do evento foi a reafirmação, pelo MST, da importância da ocupação de terras improdutivas como ferramenta de denúncia e cobrança do poder público. Vítimas de 11 despejos ao longo de sua história as famílias do Quilombo conquistam essa vitória devido a sua resistência. Elas que, de novo e de novo ocuparam a terra no intuito de lá produzir, viver e preservar. 

“Nenhum despejo resolveu conflitos de terra em nenhum lugar de Minas Gerais ao longo da história. Por outro lado, nenhuma família foi assentada sem a ocupação. A ocupação é um ato legítimo e democrático que exige um direito. A não função social da terra precisa ser denunciada para que a Reforma Agrária possa avançar. O poder judiciário precisa ser sensível a isso”, afirmou Silvio.

Para o Movimento, este é um reconhecimento nacional da legitimidade da ocupação como ato democrático, diante da omissão histórica do Estado, no cumprimento do direito à terra, ao trabalho, à moradia e à dignidade.

*Editado por Solange Engelmann