No rastro da grilagem
A gente vive do que a gente planta. Se sairmos dalí será o nosso fim”, desabafa Gildásio Bonfim, do Baixio do Irecê, na Bahia, ao denunciar a violência com que a grilagem atua nas comunidades

Por Coletivo de Comunicação do MST na Bahia
Da Página do MST
Fotos: Cadu Cando
“A gente vive do que a gente planta. Se sairmos dalí será o nosso fim”, desabafa Gildásio Bonfim, do Baixio do Irecê, na Bahia, ao denunciar a violência com que a grilagem atua nas comunidades tradicionais, como as ribeirinhos e quilombolas, expulsando-as de sua terra.
Essa história é parecida com a de José Araújo, mais conhecido como Zé do Capricho, do Brejo da Barra, a de Zacarias Ferreira, em Casa Nova, e de Raimundo Siri, da Cova da Onça, no Baixo Sul.
Ambas foram sistematizadas e somadas a nove novos casos de grilagem na Bahia que se transformaram na 1º edição da publicação “No Rastro da Grilagem”, intitulada de “Formas Jurídicas da Grilagem Contemporânea: Casos Típicos de Falsificação na Bahia”.
O lançamento da publicação aconteceu no último dia 31, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR) é responsável pelo trabalho de análise documental, sistematização e desenvolvimento da publicação que foi construída em parceria com diversas organização e movimentos sociais que atuam diretamente no enfrentamento a esse processo que atinge muitas comunidades no estado.
Em Irecê, por exemplo, existem 18 comunidades e em meados dos anos 80 teve início um grande processo de resistência e luta pelos territórios. “Apareceram algumas figuras em nossa região, denominando-se donos das terras que fomos criados. Isso se desdobrou na nossa expulsão violenta, com tratores e pistoleiros. A terra é nossa. É nossa por direito”, conta Bonfim em tom de indignação e rebeldia.

Após a saída das famílias, se iniciou um amplo processo de venda das terras. As mesmas, passaram pelas mãos de diversas empresas e hoje estão com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). “Estamos em luta, pois reivindicamos as nossas terras e por isso, seguiremos resistindo”, afirma.
No norte da Bahia, em Casa Nova, na comunidade de Areia Grande, os camponeses sofrem com o conflito da obtenção da terra, que para Zacarias Ferreira é uma questão social pois a perda do território nega aos povos o direito da classe trabalhadora ter acesso à terra.
Ele explica que toda região é vítima da grilagem e que existe um discurso acerca da preservação ambiental, “que na prática não existe”, por isso, surge a necessidade de continuar mobilizados para levar esse debate a outras esferas do poder público. “O nosso direito a terra precisa permanecer. A grilagem vem para ‘desmantelar’ todo processo organizativo construído pelas comunidades, além de toda relação socioeconômica construída por nós”, enfatiza.
Na mesma perspectiva, um pouco distante do norte baiano, a comunidade de Cova da Onça, no Baixo Sul, passa pelas mesmas situações. “Numa região turística, a disputa pelo uso e posse da terra acontecem de maneira visível e violenta para implementação das redes de hotelaria”, diz seu Raimundo Siri.
Pescador, seu Raimundo vive do uso da força física para desempenhar o que lhe foi ensinado desde criança. Seguindo os passos, de seus bisavós, avós e pais, num amplo processo de construção da vida em uma comunidade ribeirinha. Por isso, destaca: “sou pescador, sou livre”.
Segundo Ele, querem retirar as famílias e coloca-las para trabalhar nas empresas por salários baixos e em condições precárias. “Não seremos sujeitos desse processo, pelo contrário, resistiremos”.

Uma difícil tarefa
A história de luta desses três trabalhadores é a mesma de milhares outros que se deparam todos os dias com a invasão de seus territórios pelo capital empresarial. A publicação “No Rastro da Grilagem”, ao trazer nove novos casos, ainda não documentados, denuncia as “cifras ocultas” e cumpre a função de munir as organizações e comunidades para o enfrentamento.
Com o trabalho de campo foi possível destacar a forma como a grilagem tem acontecido na Bahia e, desse jeito, desmiuçar as técnicas de falsificação dos processos, para legitimar a posse da terra por determinadas pessoas.
A principal fonte de análise foram os processos administrativos e o acompanhamento diário da equipa da AATR nos casos citados, levando em consideração a apropriação de terras da União, através de emissão de títulos de devolutas.
Instrumento de luta
Tendo a missão de colaborar e contribuir nas lutas dos camponeses e camponesas baianas, a AATR acredita que a publicação será um instrumento de luta importante nas mãos das comunidades. Em especial, as que sofrem cotidianamente com a grilagem, “que são maioria”.
Diversos movimentos sociais do campo se articularam para construção da publicação e cada um levou para suas bases um exemplar do material para estudo e reflexão.
Inspirados na luta política desses Movimentos e os enfrentamentos diários contra o agronegócio, compreendido como uma das expressões do capital no campo, a AATR celebra a construção dessa sistematização e afirma que esse é o primeiro de vários outros instrumentos de luta no campo judicial.