Denúncia
MP investiga assédio de superintendente do Incra em assentamentos do RJ
Por Jaqueline Deister
Do Brasil de Fato
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) recebeu uma denúncia de assédio cometido por um superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) durante a assinatura de contrato de crédito habitacional e reforma habitacional junto aos assentados no estado do Rio de Janeiro.
O modo de implementação do benefício teria violado regras estabelecidas pelo Incra de participação das famílias no desenvolvimento das habitações.
De acordo com a advogada e assessora do MST, Ana Claudia Tavares, as primeiras notícias referentes às visitas de Cassius Rodrigo de Almeida Silva, superintendente regional do Incra no Rio, para a solicitação de assinaturas de contratos de concessão de crédito aconteceram em abril deste ano no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, localizado em Macaé, no norte fluminense.
O PDS Osvaldo de Oliveira possui 63 famílias e apenas 42 seriam contempladas pelo benefício habitacional.
“Uma das primeiras ações que o Incra deveria ter feito antes de ir com os contratos assinados, era levantar demanda e atualizar os beneficiários, que muitas vezes a situação se transforma, pessoas que eram beneficiárias entram, outras saem, então para aplicar o crédito, é importante ter esse levantamento atualizado e isso não foi feito”, explica.
Como funciona?
Os projetos de crédito habitacional são aplicados segundo a Instrução Normativa 101 do órgão. De acordo com a lei, é disponibilizado até R$ 34 mil para a construção de moradia nos projetos de Reforma Agrária criados ou reconhecidos pelo Incra, sendo os recursos direcionados à aquisição de materiais de construção e pagamentos de serviços de engenharia e mão de obra.
A instrução também determina que os beneficiários participem ativamente do processo de discussão do modelo de habitação que será construído, conforme explicita o Artigo 8° do texto:
“As famílias beneficiárias deverão ser esclarecidas acerca da obrigação de participar das discussões sobre os modelos da planta, da definição do local das moradias, da aquisição do material de construção, formas de aplicação e, principalmente, do acompanhamento e fiscalização da execução da obra”.
Contudo, não houve debate com as famílias para a definição do tipo de moradia e escolha da entidade parceira. A superintendência, além de coagir as famílias a assinarem os contratos, chegou com um modelo de habitação pré-definido o que, por si só, já viola a legislação do Incra.
“Esse projeto desse acordo de cooperação técnica com a Assocene [Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste] que ele [Cassius de Almeida] está impondo, prevê um único modelo de moradia de dois quartos padronizado como se fosse algo pré-construído. Só que em nenhum momento se apresenta para os beneficiários e nem pros assessores, que somos nós, os gestores do PDS, esses documentos do custo da obra, do plano, do modelo da planta”, detalha Tavares.
Imbróglio
O acordo firmado pela superintendência regional do Incra com a Assocene prevê a elaboração de projeto completo de engenharia, o acompanhamento e a fiscalização das obras de 3.169 unidades habitacionais em 37 assentamentos localizados no interior do estado, nos municípios de Campos dos Goytacazes, Macaé, Carapebus, Conceição de Macabu, Cardoso de Moreira, São Fidelis, São Francisco de Itabapoana, Barra do Piraí, Barra Mansa, Piraí, Quatis, Mangaratiba, Paraty, Cachoeira de Macacu, Itaguaí, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia e Silva Jardim.
O questionamento dos advogados com relação à Assocene diz respeito à falta de consultoria técnica prestada aos assentados. A orientação que estava sendo feita pela entidade era de que os beneficiados passassem o dinheiro referente ao crédito habitacional para uma terceira empresa desconhecida das famíias chamada Habitat Construtora e Incorporadora Eireli, com sede na cidade de Recife, em Pernambuco.
O Brasil de Fato tentou contato pelo número de telefone disponível no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica da empresa, porém não obteve retorno.
Ao todo, 83 contratos de crédito de habitação foram autorizados pelo Incra. Para o advogado Teodomiro de Almeida, que trabalha para associações e sindicatos rurais e representa os assentamentos Prefeito Celso Daniel, em Macaé, e João Batista Soares, em Carapebus, no norte fluminense, a condução do processo, além de tirar autonomia das famílias, habilita uma empresa que não está credenciada.
“A norma prevê no Artigo 22 que o assentado pode optar por autoconstrução, ou seja, pegar dinheiro, fazer a construção, fazer mutirão com seus companheiros comprando material. Eles determinando ou contratando uma empresa ou alguma entidade, essas sim precisam ser credenciadas pelo Incra, pode ser uma prefeitura, uma universidade, uma empresa, mas elas têm que se credenciar. Essa Habitat não está credenciada”, afirma o advogado que representa também o Projeto de Assentamento Terra, em Paracambi.
Denúncia
O imbróglio envolvendo famílias assentadas e Superintendência do Incra no Rio foi parar no MP-RJ. Uma audiência pública ocorreu no dia 10 de maio, coordenada pelo procurador da República no Rio de Janeiro, Júlio Araújo. Na ocasião, o superintendente Cassius respondeu aos questionamentos, negou as acusações de coação e explicou que foi aberto um edital e que três entidades se inscreveram, mas que somente a Assocene estava com a documentação regularizada para exercer a atividade.
Desde a audiência, o superintendente parou de realizar visitas aos assentamentos solicitando que as famílias assinassem os contratos. Ao Brasil de Fato, o procurador da república comentou que após a audiência, foi dado prosseguimento investigativo ao caso.
“Encaminhei para a área criminal da procuradoria a apuração de eventual coação do superintendente, também para a corregedoria para apurar infração disciplinar. E com relação ao crédito, para garantir que a política pública seja efetivada, o pedido de intervenção foi feito à diretoria de assentamento do Incra para que auxilie no diálogo e na condução dos processos. É preciso entender a demanda dos assentados e respeitar para que as soluções não sejam impostas”, destaca.
O Brasil de Fato procurou a superintendência do Incra no Rio de Janeiro e a sede do órgão em Brasília. Porém, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.
*Fonte: BdF Rio de Janeiro/Edição: Mariana Pitasse