Aromas de Março
Sempre teremos pelo que lutar!
Por Mulheres do Coletivo de Juventude do MST
Da Página do MST
Há muitos tipos de mãos femininas, antes que se possa dizer o que é ou não feminino. Dentre as várias existentes, escolhemos pô-las umas sob as outras, em sinal de nosso afeto superador de diferenças. Não foi bem uma escolha, mas foi com intenção, e então de repente éramos ciranda sem conhecer bem os sotaques umas das outras. Companheira é o nome coletivo onde nos reconhecemos e andamos juntas.
Na longa viagem que fizemos, deu tempo de ouvir as trajetórias de cada uma. Vozes mais miúdas, ainda na timidez do primeiro março em revoada, outras já bem excitadas com a atividade, que se aproximava em poucas horas, e havia também quem cumpria o papel de conectar as partes, acalmando o coração para a tarefa das pinturas, geralmente a cargo das mais jovens (quase como ritual de iniciação à bruxaria toda).
Todo mês de março carrega uma força e um mistério difícil de entender, sempre único e secreto para quem vive. Entre as mais novas, buscamos um refúgio para entender qual a parte que nos caberia, e como fazê-la da melhor maneira, mas para isso acontecer, era preciso botar a palavra entre nós, ter em sons e olhar a troca fundamental para amadurecer a ternura.
Pega o primeiro spray, olha estranhado. De canto, a mais alta faz movimentos chamativos, silenciosamente ganha olhos pra si, tosse de lado um pouquinho, vira a lata de cabeça de baixo, e pergunta para ninguém (ou para todas) se aquele ar demoraria muito pra sair. As outras imitam, algumas já haviam começado antes e dão o sinal quando percebem que ali já está bom. Uma lata sai rolando de forma espalhafatosa e a tensão se quebra: elas riem! Antes ali, do que na hora certa, brincam.
As mãos são orientadas a estarem limpinhas e assim o fazem. O foco das gurias deixava a atmosfera em pura energia, mas sem mais tanta tensão, apenas o necessário. Elas estavam alegres pelo mate compartilhado, pela história da pedra de curisco, os óleos e ervas trocados entre alguns minutos de prosa, afinidades, desafios.
Há um início de cura todas as vezes que estamos ermanadas. As mulheres do MST, quando deixaram um legado antes do abril também abriram caminho para reconhecer que há muitas formas de ser e de estar no front, e nem sempre ela precisa carregar o traje masculinizado para isso. Há diferentes corpos, há diferentes roupas, há diferentes jeitos de ser mulher ou de não ser pautado pela binariedade de gênero, e todas essas formas têm diferentes tons de vermelho tingindo a bandeira.
Na hora combinada, enquanto todas descemos do ônibus, há um misto de ansiedade e de foco na tarefa. O som do ar saindo dos pulmões, arfando se mistura ao ar que se ouve quando a tinta sai da lata. A certeza do cumprimento da missão é sentida entre todas elas, após a adrenalina do momento, cada uma em seus bancos na volta pra casa. A sensação é de que uma força comum consegue mover as diferentes historias de uma madrugada regada pela lua crescente.
*Editado por Solange Engelmann