Disputa à Esquerda

MST avalia indicar “quadros técnicos e experientes” para compor governo Lula

Dirigente nacional do Movimento Sem Terra diz que prioridade é combater a fome e avançar na reforma agrária
O dirigente do MST, Alexandre Conceição, avalia que é possível avançar na Reforma Agrária no Brasil desde que haja mobilização popular. Foto: Faixa Livre

Por Michele de Mello
Da Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) reúne 450 mil famílias em 24 estados do país, sendo o maior movimento popular da América Latina. Nas últimas eleições, o MST participou da coordenação de campanha da coligação Brasil da Esperança, liderada por Lula e Alckmin, além de mobilizar votos e cooperar com a segurança dos atos de campanha.

O apoio a Lula e ao Partido dos Trabalhadores, no entanto, não é de hoje. O MST historicamente compõe a base social dos governos petistas. Agora, no terceiro mandato do atual presidente, a atuação do movimento será por meio de técnicos e políticos que possam ocupar o espaço no ministério por orientação de uma linha política que seja voltada para a execução do programa.

O programa unitário dos movimentos do campo e do MST tornou-se programa do governo Lula”, defende Alexandre Conceição, membro da direção nacional do Movimento. 

O dirigente destaca que a prioridade era a retomada do Ministério de Desenvolvimento Agrário e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). “Devemos desmilitarizar o Incra e fazer com que o organismo volte a regularizar a distribuição de terra. Para combater a fome, é preciso ter alimento, e para ter alimento é preciso ter terra”, disse. 

Além disso, o MST defendeu a transferência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a alçada do MDA e pediu linhas de crédito aos pequenos agricultores para que possam produzir alimento saudável, como parte da política de combate à fome.

Nesta entrevista com o Brasil de Fato, Alexandre Conceição avalia quais serão os desafios do Movimento Sem Terra nos próximos quatro anos. 

MST aposta na inserção dos povos do campo e das cidades para a tomada de decisões. Foto: Ricardo Stuckert

Brasil de Fato: O MST apoiou a candidatura do Partido dos Trabalhadores, movimentando suas bases e compondo a coordenação de campanha. Agora que inicia o terceiro mandato de Lula, qual será a posição do Movimento? Vocês irão compor o governo?

Nós estamos vigilantes com as pautas que fizemos campanha. A pauta é um programa emergencial para tirar o povo da miséria, um programa emergencial de desapropriação de terras, geração de emprego e renda. Um programa estratégico para construir as bases para consolidar a democracia e que garanta soberania nacional, popular e resolva os problemas do povo brasileiro. 

Está nas diretrizes do plano de governo do Lula realizar uma reforma agrária agroecológica, que é uma pauta do MST. 

A vitória no segundo turno fez com que tivéssemos que ampliar as alianças, o que aumenta as dificuldades de um programa mais voltado para pautas progressistas, porque tivemos que fazer alianças com a direita liberal, que representa o agronegócio, o latifúndio e defende ideias privatistas.

Então estamos dentro de um governo de frente ampla e vamos vigiar nossa pauta. 

Temos técnicos, políticos e outros companheiros que estão à disposição para ocupar esse espaço. Não queremos ocupar as cadeiras dos ministérios por bandeirinhas de partidos ou por tendências, mas por orientação de uma linha política que seja voltada para a execução do programa.

Sobre essa ideia estamos trabalhando com o ministro Paulo Teixeira. Queremos que as diretorias sejam ocupadas por pessoas que tenham capacidade política e técnica para dar conta deste grande programa.

Temos técnicos, políticos e outros companheiros que estão à disposição para ocupar esse espaço. 

Assim como disponibilizamos alguns quadros políticos do MST para a disputa eleitoral e conseguimos eleger quatro deputados estaduais e três deputados federais, nós também vamos disponibilizar alguns quadros políticos e técnicos para ocupar espaços de segundo escalão, de diretoria. São pessoas que acumularam muito conhecimentos sobre produção de alimento, cooperativismo, comercialização e possam colaborar com o governo para executar o plano de reforma agrária agroecológica. 


Durante o ano de 2022 as famílias assentadas e as cooperativas do MST do RS doaram mais de 100 toneladas de alimentos. Foto: Maiara Rauber

No segundo mandato de Dilma Rousseff não houve nenhum hectare de terra destinado à Reforma Agrária. Considerando que o atual governo tem uma composição ainda mais ampla, quais serão os desafios para avançar com a destituição dos latifúndios improdutivos?

Para a nossa pauta avançar devemos estar em estado de mobilização permanente.

Por isso que, desde a campanha, estamos organizando os comitês populares para que o povo participe ativamente da política. Precisamos reorganizar a luta política com o povo para garantir que a nossa pauta seja efetivamente atendida. 


Alexandre Conceição ao lado de Dilma Rousseff em abril de 2016 durante ato de entrega de 22 mil hectares para Reforma Agrária. Foto: Lula Marques /Agência PT

Como o MST se prepara para esse novo momento de luta política, no qual o lado adversário está armado? 

Nós já enfrentamos esse inimigo. Na campanha de 2018, Bolsonaro disse que iria prender, matar e acabar com os Sem-Terra. Depois de eleito, tentou realizar o despejo no Centro Paulo Freire, nós resistimos. Tentou o despejo na área de produção de café orgânico em Minas Gerais, mas não conseguiu desalojar as famílias, nós resistimos. Entrou com a Força de Segurança Nacional num assentamento nosso na Bahia para tirar as famílias de lá, nós resistimos.

Portanto nós já enfrentamos o bolsonarismo armado. Não só os novos pistoleiros, como os CACs [colecionadores de armas, atiradores desportivos e caçadores], mas o próprio Estado usando sua força e tentando nos tirar dos assentamentos.

É verdade que não desapropriamos nenhuma área, mas também não perdemos nenhuma.

A nossa arma é a luta consciente do povo organizado e a luta de massas, sem isso não há resistência popular. As formas de luta o povo vai encontrando conforme cada ação que o Estado tenta impor para cima de nós.

A nossa arma é a luta consciente do povo organizado e a luta de massas, sem isso não há resistência popular. 

Experiência acumulada o povo brasileiro e os movimentos têm. É a ascensão das lutas de massa que poderá levar a um processo verdadeiramente democrático. Com uma democracia participativa e voltada à soberania popular.


Reforma Agrária, agroecologia e desmatamento zero: MST lança carta ao povo brasileiro. Foto: MST

A eleição de Lula foi a última peça que faltava para marcar o início de uma nova onda rosa na América Latina. Ainda que a balança política regional pese para o campo do progressismo, há diferenças e limitações em cada país. Como o MST avalia as possibilidades de integração regional no próximo período?

Diante da crise que estamos vivendo no mundo, o Império tenta resolver duas questões fundamentais: jogar todo o peso da crise na classe trabalhadora, por isso promovem reformas trabalhistas e previdenciárias em todo o mundo; o segundo ponto é a exploração da natureza. 

Então a América Latina é um ativo importante para resolver a crise do Império. 

O que nós vivemos no Brasil é parte da tentativa do império de intervir, porque foi uma cópia mal feita da invasão ao Capitólio dos EUA Nós conseguimos frear mais um golpe no Brasil, mas isso não significa que estejamos livres dessas ameaças. Eles seguirão tentando mobilizar sua base, podem até mudar a tática, mas vão continuar tentando desestabilizar o governo Lula.

A vitória de Lula deu uma desequilibrada no peso da influência política dos EUA na América Latina. Por isso a vitória de Lula também representa uma vitória para o povo latino-americano.

Nossa prioridade é a Alba Movimentos, a Via Campesina e a Assembleia Internacional dos Povos. mas quaisquer outras iniciativas que venham para acumular forças, dar unidade à classe trabalhadora no nosso continente, nós apoiaremos, sejam iniciativas governamentais, como a CELAC, Unasul e a proposta de uma moeda única, ou de movimentos populares. 

Edição: Arturo Hartmann