Dia do Cacau
Produção de cacau em áreas da Reforma Agrária gera novos sabores e regeneração do bioma
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Nesta semana o Brasil celebra a data de um dos frutos mais amados pelos brasileiros e brasileiras. No dia 26 de março, terça feira, comemorou-se o Dia do Cacau! Uma das paixões nacionais, o fruto do cacau marca a história do Brasil e é matéria-prima para o delicioso chocolate e uma diversidade de outros doces, que fazem a alegria e a felicidade das pessoas.
A cultura do cacau com seus aromas e sabores tem mudado a vida dos/as trabalhadores/as Sem Terra em vários assentamentos de Reforma Agrária do MST, nos estados da Bahia, Rondônia e Pará. Isso ocorre, pois além de viabilizar a renda das famílias com a produção do fruto do cacau e seus derivados, ao mesmo tempo também possibilita recuperação de áreas degradadas com o plantio de árvores. Se tornando assim, uma das cadeias de produção estratégias que começa a se consolidar entre as famílias assentadas e colaborando para o avanço da Reforma Agrária Popular.
“E ela é uma cultura que se adapta muito bem nos sistemas agroflorestais, inclusive, grande parte da produção de cacau é feita em sistemas agroflorestal, seja na forma do manejo cabruca, que precisa de uma parte de sombra, que é feita por outras árvores, como também nos sistemas agroflorestais mais diversificado que têm o cacau como uma das plantas, nesse espaço”, explica o dirigente do setor de Produção do MST na região Centro-Oeste, Carlos Santana, que também é assentado no assentamento 14 de Agosto, no município de Ariquemes, Rondônia.
Nesse sentido, o assentado ressalta que a cadeia do cacau se insere no Plano Nacional do MST, Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis pela seu potencial de regeneração do bioma e geração de renda às famílias assentadas, possibilitando a recuperação das nascentes, de áreas degradadas e a transformação de espaços sem cobertura florestal. E principalmente na região Amazônica, local onde se origina a cultura do cacau.
“Na perspectiva do setor de produção do MST e no dialogado com o Plano Nacional, Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis estruturar a cadeia do cacau pode ser uma grande alavanca do plantio em massa de árvores, dado essa condição do plantio em sistema agroflorestal, que também é uma geração de renda”, projeta Carlos.
O objetivo do Plano Nacional do MST, Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, lançado em 2020 é plantar 100 milhões de árvores em dez anos em escolas do campo, cooperativas, centros de formação técnica, praças, avenidas e nas cidades, fortalecer a produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST e denunciar a destruição do agronegócio.
Produção cacaueira e de chocolate do MST na BA
Historicamente a produção de cacau no estado da Bahia passa por um período de opressão e exploração, pois o modelo adotado pelos coronéis, tinha as características do regime escravocrata, em que centenas de trabalhadores escravizados era usados para o trabalho na lavoura, a exemplo da produção da monocultura do cacau. Os escravos não tinham condições dignas de trabalho e muitos “desapareciam” após o pedido de desligamento da propriedade.
Da mesma forma que na cana de açúcar, em alguns locais do nordeste o cacau também já foi uma das culturas que dominou a economia de alguns municípios da Bahia, ditando o rumo político, econômico e e social, inclusive no contexto estadual. “O cacau era tido como o ouro da Bahia, mas com a disseminação do fungo Moniliophthora perniciosa, a “vassoura de bruxa”, a cultura do cacau passa por grandes crises, levando diversos produtores a abandonarem a atividade, assim como as propriedades”, expõe Jeanderson Souza, agrônomo, dirigente estadual do MST na regional do Baixo Sul na Bahia e assentado no assentamento Jacy Rocha, em Prado (BA).
Nesses territórios improdutivos e abandonados, o MST a partir da ocupação da terra na pela democratização dessas terras, também incorpora em suas ocupações os trabalhadores e herdeiros de trabalhadores dessas áreas, que além de sofrerem com os maus tratos e a baixa remuneração, ainda conviviam com o alto desemprego na região. Esses trabalhadores percebem na organização do MST uma saída na luta por um lote de terra para o cultivo do cacaueiro. E após se tornarem assentados da Reforma Agrária, passam a contribuir nas experiências de produção e melhoramento no cultivo do cacau no estado.
Jeanderson, explica que atualmente a rede produtiva do cacau na Bahia, envolve cerca de 1.600 de famílias assentadas e produtoras, localizadas em assentamentos do MST nos seguintes municípios: Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá, Igrapiúna, Camamu, Ibirapitanga, Wenceslau Guimarães, Ipiaú e Jitaúna, Coaraci, Iguaí, Itabuna, Arataca, Camacã, Jussari, Itamarajú, Santa Cruz, Prado, Jucuruçu, Teixeira de Freitas, Mucuri, Cabralia e Itabela.
A produção cacaueira dos assentamentos de Reforma Agrária abrangem mais de 2.800 hectares e a produção anual é de 89.600 arrobas, ou 1.344 toneladas de amêndoas secas. A produtividade média é de 32 arrobas por hectare no ano e a produção projetada para os próximos três anos é de 80 arrobas por hectare.
Na Bahia a cadeia produtiva do cacau da Reforma Agrária segue em fase de consolidação, mas como surgiu a um bom tempo está mais avançada, com a organização da Cooperativa Estadual dos Cacauicultores Familiares da Bahia (COOPECAFBA), responsável pelo processo de produção junto às famílias assentadas. Os assentados/as também conquistaram a agroindustrialização, a partir da pareceria de beneficiamento da Cooperativa com a Fábrica Escola do Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP Baixo Sul).
A fabricação de chocolate ainda ocorre em pequena escala, mas garante a produção do chocolate da marca Terra Justa, que é comercializada na Rede Armazém do Campo em todo país e no comércio local e regional, como feiras, universidades, encontros e centros de formação.
Jeanderson aponta que a produção de cacau do MST na Bahia também busca avançar no sistema de produção orgânica, contando atualmente com duas áreas de produção que já possuem a certificação orgânica e mais três áreas de produção em processo de consolidação para a certificação orgânica.
Melhoramento da produtividade
Para a formação da cadeia produtiva e o melhoramento da produtividade da lavoura cacaueira as famílias assentadas, ligadas à COOPECAFBA buscaram parcerias governamentais, como institutos de pesquisa, o que possibilitou a inserção de novos clones resistentes à vassoura de bruxa, que foram fundamentais para chegarem aos resultados atuais, enfatiza Jeanderson.
“O melhoramento produtivo tem sido um dos principais pontos para avançar na produtividade, assim como a qualidade das amêndoas. Com tratos pós-colheita, temos conseguido aumentar a renda das famílias agregando valor da amêndoa de qualidade, sendo comercializada nesse último período à 1.150,00 por arroba”.
Porém, o assentado da Bahia reclama que a deficiência de políticas públicas para aquisição de infraestrutura, assistência técnica e outras ferramentas tem limitado o avanço dessa tecnologia, dificultando e restringindo o acesso para avançar na qualidade de produção da matéria-prima.
Outro fator importante nesse novo modelo de produção, é a relação da cultura do cacau com o meio ambiente, pois através do sistema cabruca é possível produzir para a geração de renda e ao mesmo tempo preservar a Mata Atlântica. “As árvores utilizadas para o sombreamento são nativas, o que dialoga com o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, inclusive o Pau Brasil está inserido dentro do assentamento do MST, no município de Itamarajú”, pontua Jeanderson.
Nesse sentido, a cultura do cacau tem um viés importante na preservação da biodiversidade, dialogando com o debate da agroecologia, que o MST vêm trabalhando a aproximadamente 20 anos. “Outro elemento importante no cultivo e beneficiamento dessa cultura é o melhoramento das condições de vida das famílias assentadas e a inserção da juventude na unidade familiar, permitindo aos jovens permanecerem no campo”, conclui Jeanderson.
Produção de amêndoa e chocolate artesanal em RO
Em Rondônia, nas áreas de assentamento do MST a cultura do cacau está presente em diversos locais, com vários sistemas de produção, como por exemplo, o plantio e cultivos no modelo pleno sol, clonal irrigado, sistema cabruca, com 30% de sombra. Há também alguns que estão com mais sombra em sistemas mais diversificados, com mais espécies de árvores, em que o cacau não é a fonte principal.
Segundo um levantamento do MST no estado, atualmente há aproximadamente 200 hectares de cacau plantados nas áreas de assentamento. Carlos conta que a cultura é feita em pequenos espaços de plantios, mas que a área vem sendo aumentada, com o plantio do sistema clonal irrigado em alguns espaços, além do plantio de árvores cacaueiras pelas famílias na recuperações de nascentes, em Áreas de Preservação Permanente (APP), por ser uma planta que além de contribuir com a recuperação, também se torna uma fonte de renda.
Buscando aliar a produção de alimentos e a recuperação ambiental, na articulação entre a produção de alimentos saudáveis e o plantio de árvores, as famílias assentadas de Rondônia, com o apoio do setor de Produção do MST, iniciaram a experiência de uma pequena agroindústria de beneficiamento do cacau, para a produção de chocolate em barra, da marca Eco Raízes, que vem sendo comercializado em algumas lojas da Rede Armazém do Campo no estado de São Paulo, na loja Raízes do Brasil do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Rio de Janeiro e em feiras.
A produção de chocolate artesanal de Rondônia conta com o protagonismo das mulheres e da juventude do MST no seu processo que vai do cultivo, beneficiamento e comercialização. Portanto, além de deliciosos sabores e aromas, esperança e a permanência desse público no campo. Veja mais AQUI.
A experiência de produção ainda enfrenta alguns desafios para ampliação, “mas a ideia é que essa seja a experiência adotada pelo setor de Produção do MST no Estado de Rondônia para viabilizar e organizar a cadeia do cacau no Estado. E que possa potencializar o plantio de mais áreas, e o Plano Nacional do Movimento Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis no Estado”, salienta o assentado de Rondônia.
Porém, Carlos ressalta que grande parte das famílias assentadas em RO ainda têm o cacau como uma fonte de renda secundária. “Não é uma fonte de renda primária, apesar de muitas famílias terem o cacau como uma fonte de renda e, em especial a venda da amêndoa. Também se produz chocolate, mas de forma artesanal. O chocolate as famílias fazem nas cozinhas mesmo das casas e vendem na feira. Não tem sistema de agroindustrialização para a produção do chocolate”.
Ainda assim, na última Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em maio de 2023, as famílias assentadas de Rondônia levaram uma diversidade de produtos derivados do cacau para a comercialização. No total, formam mais de 15 tipos, como o mel de cacau, licor, a polpa, o nibs, unidos caramelizado com gengibre e com canela, o chocolate em pó e o pó do cacau 100%.
Portanto, mesmo que a produção de derivados do cacau nos assentamentos do MST em Rondônia ainda necessite de um processo de agroindustrialização e melhores condições de comercialização, a cultura já tem proporcionado melhores condições de vida às famílias assentadas e produtoras.
“Ainda não se tem uma cadeia estruturada e organizada no Estado relacionado ao cacau, mas é uma fonte de renda importante para as famílias, porque faz essa complementação. Então, o cacau dá uma qualidade de vida maior por ser uma cultura que se trabalha também na sombra e as famílias colocam na recuperação das nascentes e áreas degradadas, dando um retorno significativo”, conclui Carlos.
O MST também desenvolve experiências de produção de cacau em assentamentos do Pará, que se encontra em fase inicial de implementação da cadeia.
Objetivo da data
O cacau é benéfico para o organizamos e possui um papel importante atualmente na preservação e recuperação ambiental. A celebração da data tem a intenção de promover um debate sobre o papel econômico do cacau no país e buscar soluções para a proteção dos cacaueiros brasileiros.
O cacau é originário da Amazônia, mas não ocupa o primeiro lugar na produção no mundo. A maior produção é realizada pela Costa do Marfim, na África. O país é o primeiro colocado no ranking com a produção de 2,18 milhões de toneladas por ano, número equivalente a 44% da produção mundial do fruto.
O Brasil ocupa o sexto lugar na lista, com uma produção de 273 mil toneladas em 2022, segundo informações do IBGE. A estimativa da Organização Internacional do Cacau (ICCO) é que o Brasil tem produzido cerca de 220 mil toneladas desde 2020. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a meta é atingir a autossuficiência em 2025, com 300 mil toneladas.
“Os estados do Pará e da Bahia são os principais produtores de amêndoa de cacau do Brasil, responsáveis por, aproximadamente, 96% de toda a produção nacional”, afirma publicação do Mapa de 2022.
Uma pequena parcela do cacau é produzida pelos estados do Espírito Santo, Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, além de outros estados com produção em fase inicial, como Roraima, Amapá, Ceará, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo e Tocantins.
Curiosidade: passo a passo para a produção do chocolate
- Colheita dos frutos maduros;
- Seleção dos frutos sem lesões;
- Fermentação das amêndoas no fruto por 3 dias (se não retirar o mel);
- Quebra do fruto para retirar as amêndoas;
- Fermentação por 8 dias, revirando mais ou menos 3 vezes ao dia;
- Secagem em estufa solar;
- Torrefação em forno;
- Trituração, transformação em nibs;
- Refinanciamento e adição dos demais ingredientes (24h);
- Temperagem (elevação da temperatura e resfriamento);
- Modelagem;
- Embalagem.
SAIBA MAIS:
Comida de Verdade com MST: Chocolate 100% da Reforma Agrária
Confira programa Comida de Verdade do MST, transmitido Ao Vivo, em que é possível conhecer a produção de chocolate do MST. O programa apresenta experiências de produção de cacau em assentamentos de Reforma Agrária da Bahia e Rondônia. Assista AQUI.
Você também pode acessar o canal do YouTube do Movimento Sem Terra e na playlist Comida de Verdade assistir diversos programas que mostram experiências de cultivo de alimentos saudáveis, recuperação ambiental, músicas, místicas, debates e a diversidade da cultura Sem Terra, produzido durante a pandemia da Covid-19.
*Editado por João Carlos