Aromas de Março

Não podemos mais adiar as conquistas

Confira o primeiro artigo da coluna Aromas de Março de 2025
Foto: Acervo MST
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Por Divina Lopes*
Da Página do MST

Não há nada como
o sonho para criar o futuro.
Utopia hoje, carne e osso amanhã”

Victor Hugo

A chegada de 2025 foi marcada por celebrações. A dureza dos tempos não retira do povo a vontade de celebrar! É em defesa da alegria que nos colocamos novamente no fronte de luta.

O ano que chega repõe o desafio de analisarmos o contexto de crise que estamos vivenciando em suas múltiplas dimensões – econômica, política, social, ambiental – o que Ana Esther Ceceña tem chamado de colapso metabólico, como uma possível “janela de oportunidades” de fazer das contradições capitalistas “brechas” para denunciar o agronegócio e trazer o debate, junto à sociedade, da importância da Reforma Agrária Popular como um caminho possível para superar a destruição ambiental, a concentração de riqueza e a desigualdade social.

A ordem perversa do capital imposta ao campo – personificada no agro-hidro-mínero-negócio – aprofunda inúmeras contradições e impulsiona uma crise civilizatória expressa, entre outras coisas, na crise hídrica, na perda da biodiversidade, na emergência climática, no envenenamento, cujas consequências recaem diretamente sobre os territórios camponeses, indígenas, de povos e comunidades tradicionais e nas populações urbanas em situação vulnerável, que acabam por impactar de forma decisiva o conjunto da sociedade.

Nunca é demais lembrar que a concentração fundiária continua sendo uma das principais expressões da desigualdade em nosso país, sendo a terra hoje um dos mais importantes ativos financeiros do mercado e sua disputa foco permanente de tensão, violência e ataque aos direitos da natureza e seus povos. Por essa razão, a luta pela Reforma Agrária Popular tem potencial revolucionário, na medida em que questiona e enfrenta a propriedade privada, a concentração de terras e a espoliação da natureza, cerne da acumulação de capital em países periféricos.

A construção da Reforma Agrária Popular deve ser compreendida como necessidade do conjunto da sociedade, pois indica a urgência de mudança na matriz produtiva e nas relações sociais de produção, visando outro padrão de uso e de posse da terra, mas também o estabelecimento de relações humanas livres de todas as formas de violência.

Todavia, a Reforma Agrária, como uma bandeira histórica da classe trabalhadora, foi abandonada por parte da esquerda brasileira e não é uma prioridade no governo que elegemos. Entramos em 2025 com a pauta da terra em marcha lenta, sem respostas efetivas do governo para as quase 100 mil famílias que continuam acampadas nas diferentes regiões do país.

É fundamental que essa base social se mobilize, pois a mobilização popular é crucial para alterar a correlação de forças.

Não podemos mais adiar as conquistas que ainda não chegaram, nem permitir que a classe dominante siga impondo medidas que retirem nossos direitos, agridam nossos corpos, nossos modos de vida e nossos territórios. Ações como: PEC do estupro – violação dos direitos de mulheres e meninas, PL do Marco Temporal, PL dos venenos, flexibilização do código florestal, criminalização das lutas e dos lutadores, assassinatos e violações dos territórios indígenas, quilombolas e camponeses, destruição ambiental, marginalização e exclusão da população preta e pobre nos grandes centros urbanos.

Arrancamos nas ruas e nas urnas uma importante vitória para o povo brasileiro ao elegermos Lula presidente. As forças populares, mulheres, negros e negras, juventude, sujeitos LGBTI+, povos originários, a classe trabalhadora em geral foi protagonista dessa vitória. Continuar mobilizando essa força social e popular pela garantia da manutenção e ampliação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade é uma tarefa que está na ordem do dia.

Um dos nossos principais desafios é impulsionar um amplo processo de organização e formação da classe trabalhadora, que mobilize a indignação desses sujeitos que estão em contradição direta com a violência do Estado e do capital. Só a pressão popular será capaz de arrancar do governo as conquistas e a implementação das reivindicações que são de interesse da classe trabalhadora.

As demandas e necessidades concretas da diversidade de sujeitos que compõem a classe trabalhadora do campo e da cidade precisam ser transformadas em luta política. Para isso, é necessário experimentar novas formas organizativas que enfrentem a hegemonia neoliberal, estimulem e recriem os laços de solidariedade, coletividade, cooperação e humanidade entre as pessoas.

2026 está chegando e, enquanto esquerda brasileira, precisamos evitar o deslocamento de todas as nossas energias e capacidade de mobilização e organização popular para disputar as eleições como centralidade. Já está comprovado que uma teoria desprovida de práxis revolucionária e o imediatismo ao tentar resolver o presente, desprovido de um debate estratégico do que seria o futuro, não são capazes de recuperar, entre o povo, a capacidade de sonhar e de projetar os dias que virão.

O capital e a classe dominante nacional e mundial jamais assumirão o compromisso com as gerações atuais e futuras. Precisamos estimular a luta, a organização do poder popular e apresentar através de nossa práxis a alternativa do socialismo aos territórios urbanos e camponeses como o nosso bem viver.   

“Bordar, num pano de linho um poema tambor que desperte o vizinho.
Pintar no asfalto e no rosto, um poema alvoroço que desperte a cidade.
Dançar com tamancos na praça, cantar porque o grito já não basta.
Esfarrapados, banguelas e meninos de rua, poetas, babás.
Vistam seus trapos, abram os teatros, é hora de começar:
Alertar, desperta, ainda cabe sonhar.”
(Jonathan Silva, peça adaptada de Garcia Lorca)

Já estamos sentindo os aromas de março e das outras lutas que virão.

Em defesa da democracia, sem anistia para os golpistas!

*Divina Lopes é educadora popular e militante do MST

**Editado por Fernanda Alcântara