Pela culatra

Aloysio Biondi*

Há bem uns cinco anos, pega muito bem, entre os new journalists, fazer charme (e toca a faturar), representar o gênero do “desencanto com o jornalismo” (e toca a comprar mansão), dizer que “quem manda é a empresa jornalística” (e toca a faturar), “o jornalista é impotente, só obedece” (e toca a comprar carrão), “nossa profissão é uma merda” (e toca a freqüentar restaurantes de luxo, com assessores de governo). O conformismo, a falta de indignação, a cumplicidade com o governo e os interesses econômicos foram a mensagem constante que, nos últimos cinco anos, os adeptos do “novo jornalismo” transmitiram às gerações de jovens que escolheram a imprensa como seu caminho na vida.

Desalentados, os jovens se curvavam à pretensa “voz da experiência”. Marginalizados, os mais velhos se dobravam ao “realismo dos chefes”. De repente, nas últimas semanas, esse panorama sombrio de submissão, responsável em grande parte pelos desmandos do governo FHC, foi riscado por alguns clarões. O estopim, ou a gota d\’água, foi a sórdida manipulação do noticiário contra o MST e, em São Paulo, contra os professores e funcionários grevistas.

Há bem cinco anos, jovens repórteres e estudantes de jornalismo repetiam a mesma toada conformista, desalentada, ouvida dos mais velhos. De repente, pela primeira vez em cinco anos, professores viram alunos ressuscitarem frases, tomarem atitudes que eram freqüentes nos tempos do old journalism, pré-FHC: “essas matérias são nojentas… eu não assino uma coisa dessas nem que me demitam…” Pela primeira vez em cinco anos, o não-conformismo, a indignação de volta.

Pela culatra. Foi assim o tiro de canhão preparado no Planalto contra o MST, ou no Palácio dos Bandeirantes contra os professores e funcionários grevistas de São Paulo. A reação não se limitou aos jovens. A indignação e o não-conformismo descobriram o caminho da Internet. Mensagens narrando histórias sujas de bastidores sobre a manipulação contra o MST ou episódios equivalentes passaram a circular via Internet, dando nome aos bois, ou melhor, aos jornalistas carneiros do rebanho do Planalto. Foram cinco anos de silêncio. Cinco anos em que os discordantes se dobraram sob o aparente triunfo dos adeptos do new journalism, contaminados eles próprios por uma sensação de impotência, “dinossauros” soterrados por uma avalanche esmagadora de lagartixas.

Como era previsível, esse renascer da imprensa já está dando origem a uma contra-ofensiva dos “lagartixas”, temerosos de um movimento organizado, capaz de mobilizar as redações, unindo estudantes e “dinossauros” (cuja idade não é medida pela data de nascimento, mas sim pelos seus padrões ditos antiquados de comportamento ético e crença no jornalismo).

O argumento mais utilizado nessa contra-ofensiva vem edulcorado com pretensas preocupações democráticas, afirmando-se que esse processo de denúncia de manipulação de material jornalístico, a serviço do governo e/ou grupos econômicos, traz o risco de transformar-se em uma “caça às bruxas”, com eventuais injustiças contra “colegas”. Defende-se a permanência do silêncio coletivo dos últimos cinco anos. Defende-se o conformismo dos jovens castrados e dos “velhos profissionais” aviltados. Defende-se a manipulação da opinião pública, as manchetes distorcidas, as notícias escondidas, o abafamento dos escândalos que só vêm à tona quando (e enquanto, e enquanto) interessa a grupos econômicos “deixados de lado” nos negócios da China, a ocultação dos prejuízos de 13 bilhões de reais do Banco Central e os 15 bilhões despejados no Banco Nacional, a vergonhosa entrega dos trilhões de reais do petróleo brasileiro a multinacionais. Defende-se o silêncio sobre o genocídio, o assassinato em massa que vem sendo cometido em nome do ajuste fiscal. Defende-se o silêncio enquanto a grande imprensa é cúmplice do saque sem precedentes que o Brasil vem sofrendo.

“Caça às bruxas”? “Colegas” ???? O que é isso, cara pálida?

*Aloysio Biondi, jornalista, faleceu em 21/07/00 e este foi o último texto que escreveu, publicado na Revista Bundas.