A nova reforma é velha e não é reforma

Por Osvaldo Russo*

O Governo Federal tem veiculado farto material publicitário sobre as suas realizações no campo da reforma agrária e anunciando o seu “novo” programa – o Banco da Terra. Pelo visto, entretanto, se prestarmos a atenção devida ao conteúdo da propaganda oficial, o governo parece não estar tão seguro assim sobre os seus feitos fundiários.

Em primeiro lugar, a propaganda procura responder às críticas e julgamentos da opinião pública a respeito das ações do governo. Isso revela que o governo reconhece essas críticas e as interpreta como desinformação da população relativamente às metas já alcançadas segundo os números oficiais. Essa propaganda segue à risca orientações contidas na proposta técnica objeto do contrato ( consultoria em marketing ) assinado com a empresa americana CLS, utilizando recursos financeiros do Acordo de Empréstimo entre o Governo Brasileiro e o Banco Mundial.

Entre outras sugestões, a proposta recomenda “preparar uma estratégia para a implementação do programa de comunicações do Banco da Terra no longo prazo”, direcionada para “Educar a mídia sobre o projeto e sobre a reforma agrária de mercado”, desenvolver “Campanha de Conscientização do Público” e “Sensibilizar executivos do governo, parlamentares e funcionários de órgãos governamentais”. A contenção da oposição ao projeto, principalmente MST, CPT e CONTAG, é vista como condição necessária para sua continuidade e expansão.

O Banco da Terra conta com o apoio dos latifundiários pelas seguintes razões: a) nas desapropriações por interesse social, a terra é indenizada em títulos da dívida agrária negociáveis no prazo de até vinte anos, enquanto nas operações de financiamento da terra o proprietário recebe em dinheiro e à vista; b) as desapropriações são atos unilaterais do governo, enquanto as compras são negociadas entre o vendedor ( proprietário ) e o comprador ( associação de agricultores ), com o governo financiando o empréstimo; c) os movimentos representativos dos trabalhadores rurais sem terra, como o MST e a CONTAG, ficam enfraquecidos, como meios de reivindicação e luta pela terra; e d) o mercado, e não a intervenção do Estado, passa a ser o instrumento principal de acesso à terra, sepultando, de acordo com essa visão, a luta histórica dos trabalhadores rurais e de suas organizações pela reforma agrária ampla, massiva e radical.

Ficam as seguintes indagações: Um projeto apoiado pelos latifundiários pode servir aos interesses dos trabalhadores ? Pode, por exemplo, contribuir para erradicar a pobreza na área rural ? Pode estimular aos camponeses não irem para as cidades ? Pode favorecer à diminuição das desigualdades no campo ? Os preços das terras não se elevarão ? Um projeto baseado no mercado tem sustentabilidade na realidade agrária brasileira ?

Os dados indicam o contrário. Os pequenos agricultores familiares estão abandonando suas atividades agrícolas e indo para as cidades – 150 mil famílias são expulsas anualmente da área rural, pela ausência de políticas públicas, especialmente de política agrícola. Quando acabarem os prazos de carência e começarem a vencer os empréstimos, os agricultores vão sentir no bolso e na pele as dívidas contraídas. Não será surpresa surgir um novo movimento – o dos atingidos pelo Banco da Terra. A primeira bandeira de luta: moratória e anistia ampla e irrestrita a todos os enganados pela propaganda oficial.

Em 23 de julho de 1978, o Jornal do Brasil publicou matéria sob o título “Latifúndios têm ajuda para admitir reforma”, escrita pela saudosa jornalista Cynthia Peter (naquela época não imaginava que 12 anos após seria assessora de comunicação social da Contag). Com o subtítulo “Reforma agrária consentida”, a matéria explica que “dentro do Proterra/Funterra, nas áreas consideradas prioritárias, os proprietários de latifúndios têm possibilidade de aderir ao programa entregando uma parcela de suas terras ao Incra. O latifundiário recebe crédito rural para promover a exploração racional da área remanescente, e é indenizado em dinheiro pela terra cedida”. Ao lado disso, a resistência dos trabalhadores rurais também era reprimida. Em resumo, a “nova reforma agrária” anunciada pelo governo FHC é parecida com a do governo Geisel, dos tempos da ditadura. Deu no que deu.

*Estatístico, é do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Reforma Agrária e foi presidente do Incra de fev/93 a mar/94