Porque há tantas injustiças?

João Pedro Stedile*

Todos nós ficamos indignados com o resultado do Tribunal do Júri realizado no último dia 18 de junho, que inocentou o fazendeiro mandante do assassinato da sindicalista Margarida Alves, na Paraíba, em agosto de 1983. Quem dera se fosse o único caso. De 1985 para cá mais de 1.600 companheiros e companheiras, sindicalistas, religiosos, advogados e deputados foram assassinados no meio rural por motivos políticos, em problemas de terra. Menos de 100 casos tiveram processos e julgamentos. Em menos de 20, foram condenados os autores ou mandantes. E, pelo o que se sabe, estão presos apenas os envolvidos em três crimes, que obviamente tiveram muita notoriedade: os assassinos de Chico Mendes, do padre Josimo Tavares e do sindicalista Canuto. Todos os demais estão impunes.

No caso dos policiais que participaram do massacre de Carajás, há mais de cinco anos, a certeza da impunidade fez com que alguns deles se envolvessem no assassinato de mais dois líderes do MST em Paraupebas (PA).

Há mais de ano está parado no Senado, depois de aprovado em duas votações na Câmara dos Deputados, um projeto de lei de emenda constitucional, de iniciativa do próprio governo, que transfere para a Justiça Federal os crimes cometidos contra os direitos humanos. Há acordo entre todos os partidos para a aprovação desse projeto. E, por alguma razão mais forte do que a retórica dos partidos políticos e do governo federal, o projeto não é aprovado no Senado. Por quê?

Infelizmente, além da estúpida violência física que ceifa impunemente tantas vidas, existem muito mais injustiças no meio rural. Incansável e corajosamente, o padre Ricardo Resende continua denunciando a existência de trabalho escravo, ainda hoje, em pleno século 21, em fazendas do Sul Pará. Mães desesperadas não conhecem o paradeiro de seus filhos adultos, levados por ”gatos”, sem nunca mais dar notícias. Sem documentos, sem endereço, sem cidadania. Tratados apenas como uma mercadoria. Será este o Brasil moderno que Fernando Henrique Cardoso prometeu ao povo brasileiro há sete anos, quando assumiu o governo?

Todos nós ficamos indignados com a insensatez e a irresponsabilidade do governo federal com a crise da energia elétrica. Mas no meio rural há ainda milhões de brasileiros que não conhecem a energia elétrica. E não é porque moram em grotões inacessíveis. Temos uma escola, de um assentamento do MST, que funciona com 600 alunos, no antigo canteiro de obras da maior hidrelétrica do Paraná, Salto Santiago. Portanto, ao lado da usina hidrelétrica. E não tem luz! Milhares de camponeses do Pará e do Maranhão vivem no escuro, perto da linha elétrica de Tucuruí, que leva energia apenas para uma multinacional canadense exportar alumínio.

Quantos exemplos mais se poderiam dar de tantas injustiças, violências sociais e da impunidade existente? Exemplos não faltam. Basta andar por esse Brasil e observar.

Mas a pergunta chave é: por que persistem a injustiça e a impunidade? Persistem porque nossa sociedade é controlada por uma minoria, da classe dominante, de abastados, que pensa apenas em acumular riqueza, acumular poder. Para isso, frente ao capital internacional, são extremamente subservientes. Frente ao povo brasileiro, são violentos e repressores. Essa minoria utiliza o Estado apenas para garantir seus privilégios e aumentá-los ainda mais. O Estado brasileiro nem assimilou ainda a Revolução Francesa de 1789, da separação dos três poderes e do voto livre e democrático. Mas, mais do que isso, o Estado brasileiro está organizado, estruturado, para funcionar apenas em beneficio de uma minoria.

Como disse recentemente o bispo de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli, ”o Estado brasileiro é como uma Van, feito para caber apenas 10 pessoas. O povo, amontoado nas paradas, até pode escolher a troca de motorista, mas seguirão viajando apenas os 10%”.

Nossa sociedade precisa é de mudanças radicais, que vão à raiz dos problemas. E para isso não basta apenas mudar o motorista. Precisamos mudar o tipo de transporte, para que todos os brasileiros possam ”viajar” e não apenas os 10%. Sem essas mudanças, as injustiças sociais continuarão aumentando e a impunidade dos poderosos continuará sendo parte das regras do jogo.

* João Pedro Stedile é membro da direção nacional do Movimento dos Sem Terra. Artigo publicado no Jornal do Brasil em 22 de junho de 2001.