O MST em Alcântara

Por João Pedro Stedile

Estive recentemente no município de Alcântara, no Maranhão, onde está localizado o Centro de Lançamentos de Alcântara, do Ministério da Aeronáutica. E lá ouvi histórias interessantes.

No feriado da Páscoa, centenas de soldados da Aeronáutica e do Exército não puderam celebrar a data com seus familiares, porque tiveram de ficar de plantão, em estado de alerta na base de Alcântara. O MST iria ocupar a base. Foram deslocados, em plena Semana Santa, centenas de soldados de São Luiz para o local. Aviões da base de Belém e helicópteros reforçaram a defesa de Alcântara. Que serviço de inteligência tão eficiente detectou a “ameaça” do MST?

A resposta é cômica. Toda aquela agitação surgiu de uma brincadeira de uma moradora das agrovilas. Seguindo uma tradição secular da região, ela reuniu vizinhos e familiares, menos de 30 pessoas, e foram acampar na praia próxima da base militar para pescar e se preparar para a Semana Santa. Ao passar pela guarita da base, perguntados sobre quem eles eram, disseram, brincando, que pertenciam ao Movimento dos Sem Terra e que iriam ocupar o local. O soldado avisou o sargento, que avisou o coronel. O comandante da base, que por sua vez, acionou São Luiz, Belém e Brasília. Os militares não acreditavam que se tratasse apenas de uma brincadeira. E a base ficou em alerta máximo até a Segunda-feira.

Brincadeiras à parte, que revelaram paranóia desnecessária, a sociedade brasileira precisa conhecer o que está de fato acontece em Alcântara. Em 1980, o governo brasileiro resolveu instalar uma base nacional de lançamento de foguetes. Para isso, desapropriou nada menos do que 62 mil hectares de terra. É um exagero. A base pode funcionar com apenas 8 mil hectares, que é de fato a área ocupada. Centenas de famílias foram remanejadas do local. Receberam casas, mas não receberam terras adequadas e suficientes para o sustento. E os moradores, sem alternativa de sobrevivência, estão voltando a cultivar as terras dentro da base, ou seja, dentro dos 62 mil hectares. E essa é a única solução viável: reconhecer o direito dessas famílias cultivarem suas terras, cuidadas há centenas de anos.

Mas outro perigo ainda está por vir. Em outubro de 2000 o governo FHC assinou um acordo de transferência e cessão da base para os norte-americanos. O acordo está ainda em discussão no Congresso. Mas o que os Estados Unidos querem é implantar em Alcântara uma verdadeira base militar sob seu controle. E prometem pagar, por ano, 34 milhões de dólares. Como se a soberania de nosso território pudesse ser comprada. Os especialistas argumentam que os norte-americanos querem, de fato, colocar sua bota na entrada da Amazônia e transformar Alcântara em Guantanamo.

Os Estados Unidos detém 60% das bases mundiais de lançamentos de foguetes, não precisam da Alcântara. Mas precisam fechar o cerco sobre a Amazônia, articulando-se com as demais bases que já possuem na Bolívia, no Equador e na Colômbia.

Já às famílias pobres do município de Alcântara restaria o que? Apenas a prostituição aos soldados norte-americanos, enquanto seus direitos de trabalhar na terra são usurpados?

Esperamos que os parlamentares, que terão que votar o acordo, ajudem o povo brasileiro a defender sua soberania e seu território. E que ao povo de Alcântara seja garantido o direito de trabalhar na terra. Isso não atrapalha o lançamento de foguetes brasileiros.