A luta do MST: trabalho e educação

José Carlos Manço

“MST constrói ‘universidade’ de R$7 milhões”. Este é o título da reportagem publicada no último dia 27 em importante órgão da imprensa de circulação nacional. A ‘universidade’ em questão é a Escola Nacional Florestan Fernandes, nome do centro de formação técnica e política que o MST está construindo em Guararema, a 80 km de São Paulo. O processo de edificação do centro segue o regime de mutirão e envolve a participação de equipes de sem-terra de diversas partes do Brasil e que lá trabalham e estudam em regime de tempo integral. Terminado o “estágio”, retornam aos seus estados de origem onde poderão praticar e ensinar o que aprenderam, num formidável efeito multiplicador do conhecimento. O termo ‘universidade’, utilizado pelo autor da matéria, talvez com outra conotação, nos remete às origens das universidades a partir do século XI, com a fundação da Universidade de Bolonha em 1088. Marcando o fim da Idade Média, as primeiras universidades surgidas na Europa permitiram à comunidade apropriar-se do ensino superior sistematizado, com ampla participação dos próprios estudantes na sua organização. Naquele tempo, ‘universidade’ se referia antes à possibilidade de acesso mais amplo da comunidade ao conhecimento do que à abrangência ampla ou ‘universal’ das áreas que eram o objeto de estudo.

De certa forma, e em muitos aspectos, o MST parte, com a fundação da Escola Nacional Florestan Fernandes, para a atitude inovadora, positiva e democrática de cuidar da formação do trabalhador rural dentro de uma nova visão quando comparada com a tendência atual de limitar toda e qualquer aspiração dos trabalhadores da terra, mas sem-terra, de lutarem por uma condição social mais justa e digna que inclua o acesso à educação até mesmo superior.

Em 10 de novembro de 2002, o MST e a Arquidiocese de Ribeirão Preto, representada pelo Arcebispo Dom Arnaldo Ribeiro, assinaram convênio histórico que vem permitindo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra a utilização do Sítio São José Operário – Sítio Pau D’Alho, de propriedade da Igreja, para o treinamento no uso da terra visando a formação técnica e política de futuros agricultores nas áreas de assentamento da Reforma Agrária. Além disso, aquele espaço também está sendo utilizado como um centro da preservação da cultura sertaneja autêntica e para a produção de alimentos com o uso de técnicas que não incluem a utilização de produtos químicos e agrotóxicos, ou seja, através da produção exclusivamente orgânica. O Sítio Pau D’Alho abriga a nossa ainda pequena, mas extremamente importante, ‘universidade’ São José Operário. O efeito multiplicador de inicativas como esta logo se revelarão nos assentamentos da Reforma Agrária na nossa região.

A maioria dos representantes da grande e poderosa mídia, setores ultra-conservadores da sociedade, parte do ‘núcleo duro’ do próprio governo federal e os eternos defensores do latifúndio foram os responsáveis pela criação do ‘clima de guerra’ que se instalou a partir das declarações de um dos mais importantes líderes nacionais do MST ao chamar a atenção, em reunião com pequenos agricultores, sobre a força da união de milhões de trabalhadores rurais sem-terra, que lutam democraticamente pelo princípio constitucional que garante a função social da terra, contra alguns milhares de fazendeiros apegados a uma visão retrógrada e limitada do que é o direito da propriedade.

Basta ler com tranqüilidade as declaraçãoes das lideranças do MST e de siginificativos e progressistas setores da sociedade para compreender que não interessa ao MST a solução violenta de conflitos sobre a questão da Reforma Agrária. Cabe, portanto, perguntar, como fez a Comissão Pastoral da Terra em documento do último dia 28, “A quem interessa pôr lenha no fogueira?”. O próprio documento esclarece, como no seguinte trecho: “Hoje, quem cria grupos armados, não são os trabalhadores, são os latifundiários. Documento apócrifo, distribuído em São Gabriel que desafiava os fazendeiros a despejarem gasolina sobre o acampamento, enquanto os sem-terra estivessem dormindo, pois sempre haveria uma velinha acesa para provocar o incêndio, não mereceu tamanha repercussão”.

*José Carlos Manço, médico e professor universitário, é vice-presidente da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil. Publicado no jornal “Tribuna Ribeirão”