Ministro quer fim do latifúndio da ciência e tecnologia

“Quanto de ciência e tecnologia está, hoje, a disposição do povo brasileiro?” perguntou o ministro da ciência e tecnologia, Roberto Amaral, na abertura do Seminário Nacional Ciência e Tecnologia e Reforma Agrária, realizado em Brasília, entre os dias 13 e 15 de maio.

A resposta óbvia não precisou ser pronunciada – sabiam todos que não apenas a riqueza e a terra no Brasil são objetos de concentração, mas que também o conhecimento científico e tecnológico, “indispensável a qualquer projeto de transformação social”, nas palavras do ministro, está, como sempre esteve, nas mãos de uma elite que os guarda a sete chaves para garantir e aumentar seus privilégios em detrimento dos interesses da maioria da população.

Em oposição a esse arranjo secular na forma de produção e (não) distribuição do conhecimento tecno-científico e como primeiro passo para o desmonte dessa estrutura, os movimentos sociais do campo, em especial o MST e a Via Campesina, iniciaram, com esse seminário, um espaço de reflexão para analisar barreiras e alternativas para a democratização do acesso à C&T aos pequenos agricultores e assentados.

Sob a coordenação do MST, pesquisadores, técnicos, professores universitários e, especialmente, agricultores de todo o país puderam estudar, debater e elaborar propostas visando uma política de Ciência e Tecnologia que atenda aos interesses dos camponeses brasileiros. O evento contou com o apoio e parceria do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Incra, Embrapa e Sinpaf.

Para o ministro Roberto Amaral, que, no discurso de abertura disse se sentir totalmente à vontade entre os companheiros socialistas do MST, é chegada a hora de resgatar o “compromisso histórico” do governo Lula de promover a descentralização e desconcentração dos recursos destinados à pesquisa no país, contemplando as diversas regiões do nosso território.

Reforma Agrária com tecnologia

O presidente do Incra, Marcelo Resende, durante a cerimônia de abertura do encontro, reafirmou seu compromisso com a reforma agrária e se disse disposto a contribuir no que for necessário para garantir, a seu ver, o fundamental acesso dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do país ao estoque e à produção do conhecimento tecnológico e científico. Ainda na abertura, Herbert C. de Lima, diretor da Embrapa, destacou o compromisso da empresa no que tange a viabilização tecnológica para a agricultura familiar e ao realinhamento estratégico do novo plano diretor do órgão, cuja prioridade é a agricultura familiar, frisando ainda a importância da proximidade entre a instituição e os movimentos sociais.

Elemar Cezimbra, do MST, chamou a atenção para o momento histórico configurado na realização do seminário. Segundo ele, foi a primeira vez que o governo se aproximou oficialmente do povo do campo e das suas organizações para tratar de pontos relativos a ciência e tecnologia. Cezimbra enfatizou a “importância fundamental da democratização do conhecimento para a soberania e liberdade do povo”. “Conhecimento não pode ser patrimônio privado. Tem que ser produzido pelos brasileiros – a prática é um elemento essencial no processo”, concluiu.

Foram três dias de frutíferos debates, nos quais os participantes se aprofundaram em questões decisivas sobre os fundamentos para uma política de C&T que contemple, depois de séculos de esquecimento, a Reforma grária e os pequenos agricultores brasileiros. Grupos de estudos relativos a agroecologia, transgênicos, biomas brasileiros e sementes também fizeram parte das plenárias.

Documento final do encontro

O texto “Proposições em relação às políticas nacionais de Ciência e Tecnologia” foi entregue ao Ministro Roberto Amaral e outras autoridades participantes do seminário. Nele constam uma análise conjuntural da situação por que passa o campo brasileiro e propostas que visam buscar soluções para os problemas identificados.

De acordo com o documento, “vivemos um momento onde a mídia nos vende a imagem, com base nas colheitas recordes e no grande volume de exportação de produtos agropecuários, de que o latifúndio e o agronegócio seriam a grande solução para os problemas da agricultura e da sociedade brasileira. (…) Essa propaganda mentirosa, oculta a face cruel e vergonhosa deste modelo de agricultura, que beneficia o latifúndio, amplia a concentração de terras e destrói a perspectiva de vida de milhões de camponeses no Brasil. Prova disso é que hoje, a maior parcela dos 50 milhões de brasileiros que vivem em condições miseráveis, se localizam no meio rural, obrigando o país a ter um programa como o Fome Zero”.

Fechando a análise, o documento coloca a posição e perspectivas dos camponeses: “Para nós, trabalhadores(as) rurais e apoiadores da reforma agrária, um projeto de desenvolvimento deve promover a democratização do acesso à terra, incentivar e fortalecer a pequena agricultura e as comunidades quilombolas e indígenas, priorizando a produção de alimentos para o mercado interno com base em uma matriz tecnológica da agroecologia, distribuindo a renda e democratizando os meios de produção e o poder político. Acreditamos que o governo Lula catalisa a esperança popular, ao eleger como prioridades: o combate à fome, a reforma agrária, o desenvolvimento econômico e social, e a inclusão social. Entendemos também, que para construirmos uma nação soberana, com democracia e justiça social, é fundamental também, comprometer-se com uma política nacional de ciência e tecnologia que contemple os interesses dos setores populares historicamente marginalizados.”

As propostas oferecidas pelo seminário, registradas no documento final, se referem basicamente a democratização das discussões e decisões sobre as pesquisa tecno-científica financiadas com recursos públicos; reivindicação para que as diversas esferas governamentais reconheçam a relevância social e científica dos movimentos sociais e ONGs como produtores e sistematizadores de conhecimento científico-tecnológico; defesa da moratória, por 5 anos, nas pesquisas de transgênicos; exigência de que as pesquisas desenvolvidas com recursos públicos tenham controle social e sejam destinadas à livre utilização pelo povo brasileiro e pelos países pobres do terceiro mundo; instituição de um Programa Nacional de Pesquisa em Agroecologia e Reforma Agrária Sustentável e disponibilização dos recursos genéticos públicos aos movimentos sociais afim de viabilizar sua utilização em processos de melhoramento participativos e comunitários.

* Sal Freire é jornalista