Brasil: uma crise de destino

Por João Pedro Stedile, Fonte IPS

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva já tem quase dois anos e lamentavelmente, aterrorizado por todo tipo de ameaças especulativas e chantagens, tem mantido uma política econômica os mesmos fundamentos neoliberais do governo anterior. Tem a mesma prioridade de rendimento do capital financeiro, que se transfere em arrocho nacional através dos mecanismos de superávit primário aconselhado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

Os resultados eram previsíveis. A economia cresce, mas os indicadores da distribuição de renda e da terra, do emprego e da educação, não melhoram. Qual é o problema? O problema está na necessidade urgente da nação brasileira em debater a construção de um novo projeto de desenvolvimento. Essencialmente, seguimos na mesma crise desde 1980; Uma crise de projeto. Uma crise de destino. Este é o sentido do momento histórico que estamos vivendo.

O Brasil é uma nação jovem. Nasceu sob o manto da expansão colonial do capitalismo comercial, que nos impôs durante 400 anos um modelo agroexportador baseado em uma exploração escravista. Com sua crise, veio tardiamente – em 1930 – a revolução burguesa, que adotou um novo modelo econômico de industrialização dependente. Dependente do capital estrangeiro e focada no restrito mercado interno, que não superava 15% de sua população. Ainda assim, essa modelo representou um propósito de desenvolvimento nacional que apenas em 50 anos transformou um país rural em urbano. E sua economia agrária em industrial.

Mas as chagas sociais continuaram abertas como resultado de uma estrutura produtiva assentada na concentração da terra e da renda. Essas limitações impuseram uma nova crise na década de 80. Depois, a ditadura militar caiu e o caminho para a redemocratização eleitoral (ainda que não da democracia social) se tornou livre.

Em 1989 tivemos um embate de projetos, quando Collor de Melo e Lula disputaram a presidência. Mas o projeto popular formulado como modelo alternativo perdeu. Então, as classes dominantes abandonaram a perspectiva de um projeto nacional e se submeteram servilmente às corporações transnacionais e ao julgamento do capital financeiro internacional, que introduziu no Brasil e em toda a América Latina as políticas neoliberais.

Este processo nos custou muito caro. Ao longo da década de 90, o subcontinente enviou o primeiro mundo nada menos que um bilhão de dólares em amortização da dívida externa, remessa de lucros, pagamento de serviços e royalties. Outros 900.000 milhões de dólares foram embora na transferência de capitais da burguesia local a suas contas privadas no primeiro mundo.

Nem sequer na era colonial se transferiu tanta riqueza de uma região para a outra. Todos os índices de desenvolvimento pioraram. O povo sofreu em seu bolso e em sua carne e, depois de uma década de neoliberalismo, quando chegaram as eleições, votou contra os candidatos neoliberais.

Neste quadro Lula foi eleito presidente. Foi uma votação contra o neoliberalismo, mas se debater um projeto de desenvolvimento nacional alternativo.

Para refletir sobre esses problemas e sobre o futuro do Brasil, a Fundação Semco, que reúne empresários progressistas, convocou em setembro 50 personalidades representativas de diversos segmentos da sociedade. Reclusos durante três dias, tentamos identificar o DNA de nossa nação. Qual é nossa vocação? Como traçar o verdadeiro caminho do desenvolvimento nacional?

Apesar da natural e necessária pluralidade ideológica e das diferentes experiências de vida dos participantes, me atrevo a dizer que surgiram alguns consenso.

O Brasil é um país rico, com enorme potências natural, econômica e social, mas é desigual e injusto. Como convertê-lo em mais justo socialmente? Todos disseram: temos que começar pela distribuição da renda e da educação. Todos concordaram que se deve democratizar o acesso à educação, riqueza e terra, e garantir trabalho a toda a população.

A questão é como tornar isso viável. Mais que uma proposta, é um direito de cada cidadão brasileiro. É aqui onde se emerge a necessidade de um projeto nacional. Mas não basta uma reunião de pensadores para construir um projeto nacional. Ele se constrói com a participação da população, com a mobilização popular. É uma tarefa coletiva que aglutina corações e mentes em torno de um mesmo objetivo.

O Brasil precisa empreender essa tarefa coletiva para gerar um novo projeto de desenvolvimento. E enquanto não existe esse projeto, o governo de Lula caminhará entre o crescimento e a crise, entre meras minúcias conjunturais que o tempo dissipará velozmente.