Ideologia e Reforma Agrária

Por Alberto Paulo Vásquez*

O artigo de Xico Graziano, publicado pelo jornal “Estado de São Paulo” no dia 09 de novembro de 2004, causou grande indignação entre os funcionários da Fundação ITESP -Instituto de Terras “José Gomes da Silva”. Em seu raciocínio, utiliza as dificuldades pessoais de Dona Nise e sua família para desqualificar a atuação de três importantes instituições que trabalham pela Reforma Agrária no Estado de São Paulo: INCRA, MST e ITESP. Apresenta o exemplo de uma família e esquece que essas três instituições, cada uma com sua responsabilidade, trabalharam para que hoje tenhamos mais de dez mil famílias assentadas, tirando seu sustento da agricultura familiar recuperando a dignidade pelo seu trabalho, assistidas tecnicamente pelos funcionários do ITESP.

No relato da história de uma pretensa tragédia familiar esquece que os comandos das políticas públicas que nortearam as ações do Governo Estadual e Federal passaram por diversas mãos e tenta fazer crer que os constantes azares da família em questão ocorreram pela atuação de agrônomos que deixam de lado “normas técnicas e fazem ações políticas”, responsáveis pela “maledicência do ITESP”. Perde a oportunidade de discutir políticas públicas e reforma agrária e denuncia um imaginário aparelhamento estatal por agrônomos que estariam fazendo fraudes. Xico Graziano ainda tem coragem de dizer que a Ideologia falou mais alto do que a Agronomia.

Nos parece o contrário, Xico Graziano utilizou um fato individual para disseminar seus valores ideológicos, estes sim dignos de serem discutidos dentro do contexto de análises de políticas públicas. É o caso da afirmação de que “a maioria das áreas destinadas aos assentamentos rurais apresenta, hoje, menor produtividade que outrora”. Inúmeros estudos acadêmicos e relatórios estatais provam facilmente o contrário, de que a produtividade nos assentamentos aumenta. A Fundação ITESP possui diversas publicações nesse sentido, editadas no Governo Mário Covas e no Governo Geraldo Alckmin, que segundo consta não compactuaram com agrônomo fraudadores.

Dando nome aos bois é importante contextualizar que as ações de vistoria em que a fazenda da família Borges foi incluída ocorreram em ação conjunta do Incra do período do Governo FHC com o ITESP do período transição Covas-Alckmin. As terras consideradas improdutivas continuam sendo alvo de ações de desapropriação pelo Incra do período Lula. Em específico, no período denunciado, o ITESP estava subordinado a um Secretário da Justiça de confiança do Governo Covas e agora está subordinado a um Secretário da Justiça do PFL, de confiança do Governador Alckmin. Em que medida todos esses órgãos públicos, por tanto tempo, poderiam conviver com o aparelhamento sugerido por Xico Graziano?

O ITESP possui uma ouvidoria, a Secretaria da Justiça possui outra, O Incra mais uma. Xico Graziano, conhecedor de uma pretensa fraude, deveria questionar esses órgãos e, se não fossem suficientes, recorrer ao Ministério Público. Nenhuma Instituição está imune a erros individuais, mas seguramente são poucos perante o tamanho do trabalho realizado pelos funcionários da Fundação ITESP. Não faltarão meios para o Ex-Secretário da Agricultura do Governo Covas fazer valer seu conhecimento de um caso específico. Deveríamos, contudo, discutir as políticas públicas e a Reforma Agrária. Os problemas da Reforma Agrária não são de responsabilidade dos funcionários da Fundação ITESP, são decorrentes da insuficiente atuação dos Governos Federais (presente e passado) e do tipo de atuação de apoio à Reforma Agrária desenvolvida pelos Governos Estaduais. Perder-se em um caso individual é fugir ao debate.

* Alberto Paulo Vásquez, Presidente da Afitesp – Associação de Funcionários da Fundação ITESP