Juntar forças

Por Izaías Almada

“O pior inimigo do PT é o próprio PT”. A frase andou pelas páginas da mídia venal na semana passada (e não só), a propósito da crise política artificial que se criou com finalidades que mais dia, menos dia, virão à tona. Uma frase como outra qualquer, como – por exemplo – “o pior inimigo do Brasil é o brasileiro” ou “os culpados pela pobreza são os próprios pobres”. É preciso saber ler bem nas entrelinhas do que vem sendo escrito e denunciado por determinados setores da imprensa e por políticos carreiristas e oportunistas (e até alguns intelectuais), pois os verdadeiros inimigos do PT, do Brasil e da pobreza são exatamente alguns dos principais e atuais paladinos da moralidade e da honestidade pátria. Um pouco de história não faz mal a ninguém.

A artificial crise provocada pela mídia ‘independente’ e superlativamente indignada com e pelas declarações do honesto e patriota deputado Roberto Jefferson (apoiado por inúmeros e honestos patriotas políticos do PSDB e PFL) e que – entre outros incômodos – levou o ministro José Dirceu de Oliveira a deixar a Casa Civil, deveria, no meu modesto entender, servir a propósitos mais altruístas e provocar algumas reflexões no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, no próprio Partido dos Trabalhadores e seus aliados e na sociedade em geral.

Gostaria de chamar a atenção para dois desses pontos de possível reflexão. Em primeiro lugar, penso que já está mais do que na hora de unirmos nossas forças, aqueles que de fato estão dispostos a lutar pela verdadeira transformação do Brasil em uma nação rica, soberana, independente, com melhor distribuição de renda e erradicação de suas principais mazelas sociais, já está na hora – repito – de nos unirmos e deixarmos de lado vaidades políticas ou preconceitos partidários e até mesmo ideológicos num grande e poderoso movimento popular que, partindo da definição de uma agenda mínima de reivindicações, saia dos nossos corações e mentes e, aqui o segundo ponto de reflexão, ganhe as ruas e estradas do país. Penso que muito poderíamos aprender com os nossos vizinhos e irmãos bolivianos, para ficarmos no exemplo mais próximo e mais recente. Embora dissidente em algumas questões, o povo boliviano saiu às ruas por objetivos maiores e que satisfazem à maioria da população. E tem avançado, de vitória em vitória.

A cortina de fumaça moralista que tem ajudado a encobrir nossas ancestrais deficiências políticas e sociais com que os ínclitos patriotas acima citados têm procurado incendiar o atual momento brasileiro, não passa disso mesmo: uma cortina de fumaça. Por trás dela o que se esconde é muito mais grave do que as acusações contra esse ou aquele membro do governo, essa ou aquela maracutaia. Por trás dessa cortina de fumaça se juntam mais uma vez as forças conservadoras e retrógradas da sociedade brasileira, sempre amparadas pelo capital internacional e agora mais do que nunca de mãos dadas com a geopolítica de Bush & Cia pós 11 de setembro, numa tentativa (que se mostra até surpreendentemente desesperada) de inviablizar a reeleição de Lula em 2006. E não venham cá dizer que se trata de paranóias e fantasias conspirativas para desviar a atenção de supostos casos de corrupção ou que a elite não tem nada a temer do governo Lula, pois ele dá continuidade à política econômica que herdou de FHC. O que está verdadeiramente em causa não é o chamado ‘mensalão’, mas sim a perspectiva de continuidade de um governo que, bem ou mal, consoante a conjuntura internacional e em particular a latino-americana, poderá – se pressionado nas ruas – mudar o rumo da nau. Mais quatro anos no governo e isto poderá trazer uma viragem à esquerda, por exemplo, configurada pelo atual quadro político da América Latina. E por que não?

Como Henry Kissinger no passado, Rumsfeld e Condeleezza Rice vieram ao Brasil semanas atrás pressionar sobre determinados temas e voltaram para casa com o rabo entre as pernas. Não é à toa que Bill Clinton elogia Lula e critica Hugo Chavez. A manobra é evidente: não deixar que Lula escape ao círculo de ferro que os neoliberais lhe impuseram em finais de 2002 no período de transição de governos. Haverá sempre o risco de repetir na América do Sul a experiência venezuelana. A História costuma aprontar essas surpresas. Os ingredientes políticos e sociais estão todos à vista.

É urgente a união das forças progressistas e de esquerda. É urgente a mobilização de sindicatos, dos estudantes, do MST, dos militantes dos partidos de esquerda. Enfim, dos que perderam, dos que estão perdendo e dos que ainda têm esperanças.

A verdadeira transformação da sociedade brasileira, pelas características de nossa formação histórica e política, pelas nossas dimensões geográficas será (como tem sido) árdua e penosa. Muitos lutaram e deram suas vidas por essa transformação e a sua luta deve continuar. Prestes, Getúlio, Brizola, Marighela, Lamarca, Mário Alves, apenas para ficarmos em nomes mais conhecidos, onde quer que se encontrem, esperam isso de seu povo. Essa transformação não se fará da noite para o dia. Nesse percurso serão inúmeras as armadilhas, muitos perderam e perderão a confiança nas mudanças que se busca fazer, muitos mudaram ou mudarão de lado, mas é preciso não desistir. O momento é de reflexão e de retomada de algumas bandeiras: mudança na política econômica, profunda reforma política, profunda reforma judiciária, apoio à produção nacional, renegociação da dívida externa e de remessa de lucros em termos justos para o país, defesa da soberania nacional, fortalecimento das organizações de massa como os sindicatos, das entidades estudantis, dos sem terra, dos sem teto, criação de empregos, etc. É preciso passar dos gabinetes, dos escritórios, das salas de aula, das oficinas e dos assentamentos para as ruas das grandes e médias cidades e para as estradas desse nosso grande interior.

Esperar que o Brasil mude a partir da iniciativa de um legislativo apodrecido, de um judiciário corporativista e preso a um antiquado conceito de justiça de classe, de um executivo aprisionado aos interesses do capital financeiro internacional, de uma imprensa falsamente moralista e liberal e que se diz ‘independente’ é, na pior das hipóteses, acreditar em Papai Noel.

Afinal, é preciso ter em conta que os outros ‘mensalões’ e benesses distribuídos pelo neoliberalismo e seus defensores compraram e mudaram muitas consciências no Brasil dos últimos trinta anos. E muitas delas estão aí nos parlamentos, na imprensa e até nas universidades a serviço dos inimigos de sempre.

PS.: Sugiro aos leitores a leitura da ‘Carta aos Brasileiros’, lançada dia 21/06 em Brasília pela CUT, MST, UNE e mais de 40 entidades sociais brasileiras.

Izaías Almada é escritor e dramaturgo.