Mobilização contra as plantações de eucalipto na Indonésia

Testemunho de Harris Putra, Indonesian Peasant Federation [Federação Indonésia de Camponeses], Via Campesina Indonésia (Porto Alegre – 12 de março de 2006)

Em 84, uma empresa de celulose e papel chamada PT Inti Indorayon Utama passou a operar em Sumatra, Indonésia, com capital e tecnologia vindos da Europa. E receberam grandes concessões de terra: uma ilha inteira no lago de Toka (Ilha Samosir no Norte de Sumatra) foi concedida a empresa para a plantação de eucalipto que também usou um milhão de hectares de terra em Riau, uma outra província em Sumatra.

Isso ocorreu durante a ditadura de Suharto. O governo estava promovendo as plantações de eucalipto, dizendo que era bom para o meio ambiente: iria criar florestas de crescimento rápido. Eles falavam sobre reflorestamento, mas na verdade era uma plantação industrial de madeira. Estavam dizendo que com essas novas plantações, não teríamos mais que contar com a velha madeira.

As empresas estavam se beneficiando duplamente desse programa de governo: por um lado, estavam recebendo empréstimos livres de juros para estabelecer os seus negócios (0% de juros). E por outro, tinham o direito de cortar a floresta velha e vender a madeira, para abrir a terra para a plantação. Com o tempo, muitas outras empresas começaram a plantar eucalipto e outras árvores, nas terras ao redor da empresa, para fornecer celulose e papel para a fábrica.

A empresa tomou a terra do povo de Batak, uma população indígena que vivia nessa área.

Naquela época, os agricultores não sabiam o que era eucalipto. Tentamos saber mais sobre ele. E quando a empresa começou a operar, percebemos que não era bom para o ambiente e as pessoas. Percebemos que as árvores eram muito sedentas por água.

Não sabíamos que iam construir uma fábrica de celulose e papel próxima a plantação. Mas eles montaram a fábrica logo depois que começaram a plantação.

Isso criou danos ambientais terríveis. A fábrica estava usando maquinaria velha da Europa, uma tecnologia que tinha sido ultrapassada lá devido ao seu impacto ambiental negativo. Ela usa cloro, liberando dioxinas ao meio ambiente. O solo, o ar e a água ficaram extremamente poluídos. A fábrica de polpa estava próxima de um grande rio: o rio Asahan. É o segundo maior rio do mundo depois do rio Amazonas.

Milhares de pessoas vivem próximas a esse rio. Eles usam a água e comem os peixes, e os siris do rio para o seu consumo diário de proteína. A população local começou a reclamar da poluição. Víamos uma água preta saindo da fábrica. Mas a administração disse que a água preta não significava poluição “o café também é preto”, eles disseram. Mas apareceram doenças de pele, a produção de arroz caiu e as reservas de peixe foram reduzidas.

Haviam muitos problemas sociais. A população local perdeu a sua terra e a sua floresta. O povo de Batak costumava coletar produtos da floresta, e também produziam pequenas estátuas de madeira usando uma madeira especial local. Mas por causa da plantação de eucalipto eles perderam a floresta.

A empresa contratava trabalhadores de outras partes do país. Os recém chegados não respeitavam as mulheres locais e houve muitos casos de estupro. Quando a população local conseguia trabalho na empresa, eles recebiam um salário mais baixo. Eles ficaram chocados com essa discriminação. Mais de 30 indígenas morreram em acidentes durante a construção da infra-estrutura da empresa. É uma área montanhosa e aconteceram muitos deslizamentos de terra. O exército se beneficiava do sistema: eles eram pagos pela empresa para, manter a ordem na área. Por outro lado, a empresa usou a infra-estrutura pública (principalmente as estradas) que não foram construídas para esse uso. Nunca tínhamos visto caminhões tão grandes! Em poucos anos a estradas estavam destruídas.

Mobilizações

A população local se revoltou e fizeram muitas ações contra a empresa. Eles arrancaram as árvores repetidamente e queimaram a fábrica. Eles também queimaram as casas dos trabalhadores migrantes e as escolas. Eles fizeram bloqueios nas ruas. Essas ações foram muito mais fortes do que o que aconteceu na Aracruz. As mulheres foram muito ativas nessa campanha. Muitas pessoas foram presas e 10 mulheres de Sugapa tiveram que cumprir 3 anos na cadeia pelas ações de resistência. Em 1999, 7 pessoas foram baleadas, duas fatalmente.

A oposição começou em nível local e tornou-se nacional e internacional. Em nível nacional, foi a primeira vez que todos os setores da sociedade se uniram em uma única questão. Naquele momento, a ditadura não permitia a existência de movimentos sociais, então foram principalmente as ONGs, os grupos de jovens e os movimentos religiosos que se envolveram. Também se tornou uma questão para as organizações de Direitos Humanos. Então apelamos para a justiça para denunciar a empresa: foi o nosso primeiro processo legal sobre uma questão ambiental. Perdemos a causa, mas muitas pessoas do movimento foram inspiradas por ele.

A maior parte do tempo a opinião pública estava ao nosso lado. Parece que as pessoas sabiam sobre os impactos danosos das plantações de eucalipto. No Brasil, se as pessoas são tão críticas sobre a ação na Aracruz, talvez seja porque não estão cientes dos perigos. Mas eles certamente irão se inteirar mais no futuro.

Nos anos 90, após a queda de Suharto, o governo fechou a fábrica. Mas em 2002 a fábrica reabriu, sob um novo nome (PT Toba Pulp Lestari, de propriedade do grupo Raja Garuda Mas) e usando outras tecnologias. O governo Indonésio queria fechar a fábrica, mas isso iria contra as regras do acordo de livre comércio da OMC. A Noruega ganhou o caso na disputa legal da OMC e forçou a Indonésia a reabrir a fábrica de celulose e papel.

Redes trabalhando nessa questão:

– Greenpeace International, Greenpeace Australia (vieram para coletar amostras).
– Walhi (rede Indonésia). Walhi é uma rede Indonésia em questões ambientalistas. Eles estavam trabalhando nessa questão naquele período.