“Neutralidade” da ciência e silêncio comprometedor

Por Mário Augusto Jakobskind

O episódio da destruição de um laboratório da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul remete a uma série de discussões. No caso da mídia, mais uma vez prevalece o esquema do pensamento único: a empresa multinacional que está desertificando cerca de 250 mil hectares de terras no Rio Grande do Sul, no Espírito Santo e na Bahia conta com toda a ajuda do governo brasileiro, tendo até conseguido do BNDES 2 bilhões de reais para os seus projetos perniciosos ao meio ambiente e às comunidades locais com a plantação de eucaliptos. Ou seja, a empresa multinacional planta e o governo garante para produzir papel para o exterior, em detrimento de indígenas, quilombolas (negros descendentes de Escravos fugitivos que integravam os quilombos) e dos pequenos proprietários de terra. Esse fato a grande mídia conservadora omite, preferindo criminalizar o MST e a Via Campesina.

Quanto às pesquisas científicas, que estão na ordem do dia em função dos acontecimentos no Rio Grande do Sul, algumas perguntas não podem deixar de ser feitas:

Pesquisas científicas são neutras, não têm coloração ideológica? Os “laboratórios” da Aracruz destruídos estavam a serviço de quem? Da ciência, da comunidade ou da própria multinacional para desenvolver os seus projetos que, segundo os defensores do meio ambiente, entre estes o Greenpeace, comprovadamente afetam o meio ambiente?

Em passado recente, cientistas alemães também faziam pesquisas. Pergunta-se: eram projetos científicos “neutros”? Estavam a serviço de quem? Da comunidade, da ciência ou de um projeto racista que visava a eliminação de grupos étnicos e políticos como judeus, ciganos, homossexuais, comunistas etc.? Doutor Josef Mengele era um médico que fazia os seus experimentos em laboratórios que tinham como cobaias seres humanos. Estava desenvolvendo a ciência, para satisfação dos eugenistas, que continuam em circulação. Recentemente houve até um vereador carioca, egresso da UDN, que defendia o projeto da “purificação da raça”, conseguindo se eleger por várias legislaturas.

Pois bem, se eventualmente algum grupo de resistência destruísse laboratórios a serviço do III Reich, estariam impedindo o “progresso da ciência”? A neutralidade” da ciência é algo no mínimo discutível e que deve servir de reflexão para parte do mundo acadêmico, que, geralmente, prefere não se colocar quando é questionado nesse sentido, por entender que “a ciência está acima de tudo”.

Reputação em baixa

A grande mídia conservadora, sobretudo os noticiários das TVs, apresentaram com grande estardalhaço o “atentado à ciência”, mas simplesmente não entraram em detalhes sobre o tipo de pesquisas que estavam sendo feitas nos tais laboratórios, destinados a aprimorar os eucaliptos causadores de danos aos vizinhos das áreas onde se instalam.

Denúncias sobre o caráter nocivo dessas pesquisas estão sendo feitas há anos, mas não são levadas em conta, sequer noticiadas. Qualquer tipo de protesto contra a Aracruz Celulose é tratado de forma violenta pelos “defensores da lei e da ordem”.

Por que será que a mídia conservadora não promove um debate sobre essa questão? Por que o silêncio em relação ao fato de a família real da Suécia ter vendido as ações da Aracruz Celulose? Por que não informar que isso foi feito em função das notícias veiculadas no país escandinavo sobre o desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente cometido pela empresa Aracruz Celulose em território brasileiro? Por que não se noticia que a Aracruz Celulose deu todo apoio a uma violenta desapropriação de terras onde se encontravam índios tupiniquins e guaranis feita pela Polícia Federal, no norte do Espírito Santo?

Protestos ignorados

Por que a mídia conservadora não noticia, por exemplo, o que aconteceu em países da Ásia em função da plantação de eucaliptos? No Laos, no Camboja, na Tailândia e no Vietnã, segundo revelou há anos, quando passou pelo Brasil, o ambientalista Chris Lang, do World Rainforest Movement (Movimento Mundial pelo Reflorestamento), milhares de hectares de terras foram ocupados pelo eucalipto, não tendo havido apenas destruição ambiental, mas o esfacelamento de comunidades inteiras de agricultores. Houve reação por parte dos agricultores prejudicados, variando de país para país o grau de resistência, chegando em alguns casos à destruição dos eucaliptais pelos camponeses, para que, como disse Lang, “a mata nativa, fonte de alimentos, energia e biodiversidade, pudesse florescer”.

Portanto, o que aconteceu no Rio Grande do Sul no Dia Internacional da Mulher tem precedentes em outras partes do mundo. Como sempre, o confronto geralmente se dá entre multinacionais predatórias e camponeses que defendem seus direitos esbulhados.

Por que a mídia conservadora quase não noticia a crise entre o Uruguai e a Argentina em função da instalação de uma fábrica da Aracruz Celulose no Departamento de Fray Bentos, na desembocadura do Rio Negro, vizinho da província argentina de Entre Rios? Os ambientalistas têm protestado e denunciado que os eucaliptos para a produção de papel são lesivos ao meio ambiente e, em função da proximidade com a Argentina, os danos também afetarão o país vizinho. O uso do cloro no processamento dos eucaliptos é ainda um agravante, pois afeta a fauna e a flora. O cloro é despejado no Rio Negro e vai para o rio Uruguai, posteriormente para o Rio da Prata. A mídia conservadora ignora que ambientalistas têm impedido, nas estradas argentinas da região, a passagem de veículos com produtos destinados ao Uruguai. Por que não se noticia também que esses protestos têm acirrado o sentimento “nacionalista” dos uruguaios e podem evoluir para fatos mais graves?

Posição firmada

Por que a grande mídia conservadora praticamente silencia o fato de o presidente Nestor Kirchner ter pedido ao governo uruguaio moratória de três meses na instalação da fábrica para que uma comissão integrada por especialistas dos dois países dê um parecer definitivo sobre a questão? Por que a mídia conservadora omitiu o fato de o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, não ter aceitado a sugestão de Kirchner, mas acabou voltando atrás depois de se encontrar com o presidente argentino na posse da presidenta chilena Michele Bachelet? Por que a mídia conservadora não divulgou que um governo de esquerda, ou que se diz de esquerda, como o de Vázquez, estava defendendo com unhas e dentes a Aracruz Celulose sob o pretexto de que a fábrica em Fray Bentos cria empregos? Então, para um governo de esquerda, ou que se pretende de esquerda, empregos valem mais do que a preservação do meio ambiente? Será que não estaria havendo uma contradição de um modelo de desenvolvimento econômico? Por que os ambientalistas não são ouvidos? Por que não discutir essa problemática?

Por que a mídia conservadora não questiona o resultado de uma pesquisa encomendada pelos grandes proprietários de terra ao Ibope mostrando que a opinião pública está contra as ocupações (que os editores chamam de invasões) e defende (53%) uma repressão policial pura e simples? Por que tanta exposição de uma pesquisa no mínimo questionável por ter sido encomendada por grandes proprietários de terras?

Por que os editores da mídia conservadora ignoram que as facilidades concedidas pelo BNDES, no governo de Fernando Henrique Cardoso, à Aracruz Celulose ocorreram em detrimento dos pequenos agricultores? Por que não ouvir a palavra de especialistas da matéria, que comprovam que a plantação de eucaliptos feita pela Aracruz Celulose em 30 anos tornará desertas as áreas cultivadas? Se há dúvidas nesse sentido, nada melhor do ouvir os dois lados. Mas a grande mídia conservadora já tem posição firmada e fechou questão em defesa dos laboratórios da Aracruz Celulose.

Absoluta e aplaudida

Muitas outras questões poderiam ser refletidas pela mídia conservadora, se, claro, ela agisse fora do padrão do pensamento único, que envenena a opinião pública com “verdades” que, no caso em questão, só interessam aos grandes proprietários de terras.

O ódio dos articulistas da mídia conservadora e dos boquirrotos de extrema direita à Via Campesina, ao MST e demais grupos representativos do movimento social, manifestado em páginas de opinião da grande imprensa ou em sites na internet, não é de hoje e, portanto, não chega a surpreender. O que se lamenta é o comportamento cada vez mais do gênero partido político por parte da mídia conservadora.

Por estas e muitas outras questões que não foram mencionadas, o julgamento apriorístico em defesa da “ciência” e de condenação às “baderneiras” da Via Campesina deve ser questionado. Até porque se depois de tantas denúncias e alertas às autoridades nada fosse feito, a Aracruz Celulose estaria reinando absoluta e sendo aplaudida pela grande mídia conservadora pelas suas pesquisas “em favor do desenvolvimento da ciência”.

Por Mário Augusto Jakobskind é jornalista