A respeito de florestas silenciosas e homens desesperados

Por João José Sady*

Na Austrália, a devastação do meio ambiente está colocando o koala sob o risco de extinção. Este animal extremamente simpático (ao menos, nas fotografias) alimenta-se das folhas de eucalipto, as quais, são venenosas para as demais espécies. Como as florestas de eucalipto são devastadas, os koalas fogem para as cidades em busca de alimento onde vem a perecer trucidados pelos automóveis ou devorados pelos cachorros.

O eucalipto propriamente dito, muito embora tão devastado em sua terra de origem, vem proliferando em larga escala em outros países. Na Argélia, em vários países da Europa e nos Estados Unidos, esta árvore foi muito plantada para combater a malária, uma vez que, sendo grande consumidora de água, ajuda a secar os brejos onde vicejam os transmissores da moléstia. Em outras partes do mundo, como no Brasil, vem sendo plantada de forma extensiva como matéria prima para produção de celulose. Em um relatório do PNUD, vemos o seguinte comentário sobre a planta: “O eucalipto permanece como uma árvore controversa. Há muito criticismo sobre seu potencial de danos ao meio ambiente, seus custos econômicos e sociais” [1].

No Brasil, as florestas artificiais assim criadas produzem exportações de bilhões de dólares, representando 30% da produção mundial de celulose. Somente a principal empresa do setor, abrange os Estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com aproximadamente 261 mil hectares de plantios. A legislação florestal brasileira, contudo, não vê com simpatia a introdução de espécies vindas de outras plagas (denominadas tecnicamente de exóticas). Com efeito dispõe o artigo 19, par. 3º do Código Florestal (Lei 4771/65, com a redação dada pela lei 11284/2006 que “No caso de reposição florestal, deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas”.

Muito embora o nosso Código Florestal estabeleça que as florestas plantadas devam priorizar as espécies nativas, esta espécie exótica encontrou por aqui um amplo campo de expansão. Evidentemente, em função dos extraordinários aspectos de lucro envolvidos em tal operação. Aliás, o grande negócio representa lucro tão expressivo que o próprio governo brasileiro é sócio (12,5%) da empresa Aracruz, através do BNDES.

São imensas extensões de florestas de plantas exóticas que eliminam a biodiversidade nativa porque competem pelos nutrientes, ressecam o solo pelo seu intenso uso da água e afastam a vida selvagem. Florestas silenciosas pela ausência de qualquer tipo de fauna que se dispersa em razão da venenosidade de suas folhagens. Estas imensas áreas plantadas vem sendo chamadas de deserto verde e outros estudos científicos sintetizam os questionamentos dos ambientalistas: “Os [2] principais impactos observados são: grande consumo de Água, ocupação do espaço de espécies nativas levando à perda de biodiversidade, transformação de ecossistemas abertos em ecossistemas fechados, quando então as espécies nativas são expulsas do meio natural por sombreamento. Sabe-se que Eucalyptus globulus causa efeitos alelopáticos sobre plantas nativas, o que pode ocorrer também com outras espécies. A matéria orgânica depositada pode ser extremamente inflamável, em especial quando não ocorre formação de sub-bosque por espécies nativas, aumentando o risco de incêndios.Impacto cênico sobre paisagens naturais, ao longo de rodovias, bordadura de florestas nativas e campos naturais”.

A preocupação com os impactos deste movimento levou à realização de audiência pública na Câmara dos Deputados [3], na qual, representantes do IBAMA sustentaram a necessidade de um zoneamento ecológico-econômico para a eucaliptocultura [4]. No entanto, a febre por esta árvore continua e a mesma, inclusive, vem sendo objeto de intensos experimentos transgênicos para aperfeiçoar sua produtividade. No Japão, foi acoplada com o gene da cenoura e no Brasil, há anos que vem sendo desenvolvida uma espécie que incorpora o gene da ervilha.

Incentivada por um modelo de terceirização que incorpora grandes massas de empresários rurais, as florestas artificiais vem assumindo proporções gigantescas e despertando o alarme entre os ambientalistas, gerando a criação de uma rede de mais de cem entidades, associadas no combate deste mercado da árvore, denominada Rede Alerta contra o Deserto Verde que denuncia rispidamente[5]: “o desastre sócio-ambiental causado nos últimos 35 anos pela monocultura de eucalipto e pinus, integrado aos complexos siderúrgico e de celulose, atingindo diversos ecossistemas e populações de nosso território, empobrecendo nossa diversidade biológica, social e cultural, causando expropriação, desemprego, êxodo rural e fome”.

Numa outra ponta, surgem novas (e perversas) perspectivas para a árvore em solo brasileiro em razão das novidades trazidas pelo chamado Protocolo de Kyoto que pretende incentivar a redução das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. A tratativa inclui a possibilidade de que os países mais industrializados, escapem de promover as reduções necessárias compensado sua poluição pelo incremento de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, ou seja, comprando créditos de carbono. O eucalipto passa a jogar, também, importante papel no chamado Mercado de Carbono, de sorte a incentivar ainda mais a geração de formidáveis áreas de florestas silenciosas. A fotossíntese é transformada em mercadoria, com resultados duvidosos

As florestas do deserto verde constituem excelente e poderoso negócio tanto para o investimento na produção de celulose como para a negociação no mercado de carbono. O povo do campo, contudo, vai sendo cada vez mais constringido. O artigo 186 da CF-88 estabelece que a propriedade rural cumpre sua função quando, entre outros requisitos, atende à “preservação do meio ambiente” e “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

O bem estar dos trabalhadores rurais está sendo atingido pela amplidão da monocultura do eucalipto da mesma forma que o bem estar dos koalas foi atingido pela redução da presença desta árvore. Os ambientalistas defendem por aqui o equilíbrio ecológico e, por lá, lutam contra a extinção daquele simpático marsupial.

Diferentemente dos marsupiais, contudo, o trabalhador rural escolhe influir em seu próprio destino. Assim, cada vez mais, vamos ver o campo transbordar em conflitos de barbárie, na medida em que a ordem jurídica não dá resposta a este tipo de desafio.

* João José Sady, é Advogado, Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP e Professor na Universidade de São Francisco, em São Paulo