Saúde significa realizar a Reforma Agrária

Saúde não é só curar doenças. O meio-ambiente, as condições de vida sociais e políticas e a alimentação são algumas das características que podem garantir uma vida mais ou menos saudável. A análise é de Dirlete Dellazeri, integrante do setor de saúde do MST. Na entrevista abaixo, Dirlete, que vive no assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas (PR), fala sobre a construção da saúde entre os Sem Terra e a luta em defesa de um sistema público que atenda a população do campo e da cidade. “Todo mundo tem problemas de saúde.

Saúde não é só curar doenças. O meio-ambiente, as condições de vida sociais e políticas e a alimentação são algumas das características que podem garantir uma vida mais ou menos saudável. A análise é de Dirlete Dellazeri, integrante do setor de saúde do MST. Na entrevista abaixo, Dirlete, que vive no assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas (PR), fala sobre a construção da saúde entre os Sem Terra e a luta em defesa de um sistema público que atenda a população do campo e da cidade. “Todo mundo tem problemas de saúde. Cabe a nós, como pessoas excluídas do processo de atendimento, trazer essa pauta para discussão na sociedade”, afirma.

O que é saúde para o MST?

Para os Sem Terra a saúde está intimamente ligada às condições de vida das pessoas, sejam sociais, econômicas, políticas, nutricionais ou ambientais, tanto na cidade como no campo. São elas que nos garantem uma vida mais saudável ou menos saudável. Por exemplo, se eu moro em um lugar que tem saneamento básico, é mais difícil contrair verminose.

Então ter saúde não significa só lidar com doenças?

Saúde não significa ausência de doença. Consideramos o adoecimento um processo. Ele não acontece repentinamente e envolve as condições de vida que eu coloquei. Para nós, os pobres do campo, ter saúde significa realizar a Reforma Agrária. Hoje, para quem mora no campo, ser uma pessoa saudável passa necessariamente pela mudança desse modelo econômico, voltado para a produção da monocultura extensiva, destrutiva do meio-ambiente e predadora dos recursos naturais. O agronegócio é voltado apenas para exportação, não para a alimentação do povo, e ainda usa amplamente produtos químicos na lavoura. Essa agricultura hoje produz doença.

Nas discussões que nós temos feito nos acampamentos e assentamentos, falamos justamente sobre como cuidar do meio-ambiente, das nossas casas e do entorno. Colocamos também a questão da alimentação e como produzir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Nós pensamos muito sobre a agroecologia, que é tão essencial quanto a discussão acerca das políticas públicas de saúde,

Como o movimento vê o sistema de saúde pública?

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma política avançadíssima no texto da Constituição Federal. Nós não temos, em nenhuma outra área, uma política de saúde igualitária e humana como é a do SUS, que prevê o atendimento universal, sem discriminação. Só que na prática, isso não acontece porque estamos em um Estado que não tem interesse em atender à população. O Estado, que deveria ser o executor dessa política pública, está essencialmente voltado aos interesses do capital.

O orçamento do Ministério da Saúde foi aplicado, em sua maior parte, para atender as doenças. Como esse foco, ele privilegia as indústrias farmacêutica, as de equipamentos hospitalares e os laboratórios, sem discutir como nós somos atendidos.

Nós temos que defender o SUS, mas precisamos entender que isso não significa apenas brigar com o prefeito, o secretário de Saúde ou o Ministério. Infelizmente existe uma política hegemônica para atender ao capital, especialmente o internacional. O nosso sistema de saúde precisa ser resgatado e retirado das garras das empresas transnacionais para ir para as mãos do povo.

Acho importante dizer que queremos construir processos de mobilização, fazer da saúde uma bandeira de luta no Brasil, que unifique a população. Todo mundo tem problemas de saúde. Cabe a nós, como pessoas excluídas do processo de atendimento, trazer essa pauta para discussão na sociedade.

Os Sem Terra investem em práticas alternativas de saúde?

Além de garantirmos que o SUS se concretize de fato, temos também o desafio de resgatar e incentivar as práticas não convencionais, conhecidas como terapias alternativas. Nós, Sem Terra, temos muita tradição em usar plantas medicinais para consumo humano e animal. Isso é bastante tradicional para o povo do campo, que sempre produziu seus próprios medicamentos. Procuramos estimular o plantio e o uso correto dessas plantas, levando a informação e o conhecimento aos trabalhadores e às trabalhadoras rurais. Além das plantas, utilizamos a barro-terapia, a acupuntura e a bioenergética, entre outras. São terapias que dão bons resultados.

Como é feita a formação na área de saúde para os Sem Terra?

Nós organizamos cursos nos estados que estão voltados para discutir as políticas públicas. Temos trabalhado terapias complementares através de oficinas, especialmente sobre plantas medicinais. Tratamos também de questões relativas a nutrição, saúde da criança e do idoso, direitos quando sofremos acidentes de trabalho, etc.

Mas nesses últimos anos, temos nos dedicado bastante à formação mais convencional. Hoje nós temos os Técnicos em Saúde Comunitária, que fazem o ensino médio junto com o curso técnico e têm o diploma reconhecido pelo Ministério da Educação.

O curso não trata tanto da saúde relativa a cura, ao ambulatório, mas forma os estudantes para sair a campo. Já temos uma turma formada e seis em andamento no Rio Grande do Sul, Bahia, Piauí, Maranhão e Sergipe, em pareceria com instituições de ensino.

Temos também cerca de 80 Sem Terra que fazem Medicina na Escola Latino-Americana, em Cuba. No ano passado, a primeira turma de 11 estudantes se formou e voltou para o Brasil. Ainda estamos lutando para validar seus diplomas. Em agosto desse ano, mais uma turma completará a graduação.

Em cada assentamento ou acampamento existe alguém responsável pela saúde?

Todos os acampamentos têm uma comissão de saúde. Nós assentamentos nós também temos incentivado isso. Aqui no Paraná cada núcleo de família tem um representante, que cuida da saúde do assentamento.

Isso vem desde o começo do Movimento?

Do primeiro acampamento, em 1979, já existia a equipe de saúde. No começo eles faziam xaropes. Com o tempo, isso foi evoluindo e crescendo. Hoje estamos bem mais estruturadas.