Sem Terra identificam suas lutas em experiências teatrais do MST

O teatro sempre esteve presente no MST. Hoje os Sem Terra estão organizados em cerca de 30 grupos de acampamento e assentamentos da Reforma Agrária. Em entrevista, Rafael Litvin Villas Bôas, integrante do Coletivo de Cultura do MST, explica a trajetória da formação teatral no Movimento e as concepções teóricas envolvidas na criação de uma cena. “Em geral fazemos um debate após a apresentação e há intensa participação daqueles que assistem aos trabalhos.

O teatro sempre esteve presente no MST. Hoje os Sem Terra estão organizados em cerca de 30 grupos de acampamento e assentamentos da Reforma Agrária. Em entrevista, Rafael Litvin Villas Bôas, integrante do Coletivo de Cultura do MST, explica a trajetória da formação teatral no Movimento e as concepções teóricas envolvidas na criação de uma cena. “Em geral fazemos um debate após a apresentação e há intensa participação daqueles que assistem aos trabalhos. Um dos comentários freqüentes é o de que nunca antes as pessoas tinham visto suas histórias, suas demandas e seus pontos de vista representados de forma tão intensa, clara ou política”, afirma. Leia abaixo a entrevista:

 

Quantos grupos de teatro o MST tem hoje? Quais são as principais regiões organizadas?

Atualmente nós temos cerca de 30 grupos organizados em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária. A maioria dos grupos atua em dimensão local, participando de atividades culturais, formativas e políticas em suas áreas e cidades vizinhas. Há também alguns grupos que, por terem mais tempo de vida e experiência atuam em dimensão regional e nacional, se apresentando e ministrando oficinas em cursos de formação, em debates, seminários e eventos culturais nos meios urbanos e rurais.

Nas regiões sul e centro-oeste nós temos ao menos um grupo em cada estado. Na amazônica temos um grupo no Pará e outro no Maranhão. Na sudeste temos grupos somente em São Paulo, e na Nordeste temos grupos em três estados (Veja no final a relação dos grupos).

Quando o trabalho começou no Movimento?

O teatro existe no Movimento como manifestação estética espontânea desde a origem do MST, juntamente com a música, a poesia e as artes plásticas. E todas essas linguagens aparecem fundidas nas místicas, manifestações estéticas e políticas em que se fortalece a memória das lutas passadas, se reafirmam os valores e apontam no horizonte nossos objetivos estratégicos. Além disso, alguns grupos profissionais se apresentam há mais de uma década em atividades do Movimento, e isso contribui para despertar o interesse pelo teatro e o entendimento de que a linguagem teatral desempenha um papel de formação de consciência e reflexão crítica: muitos dos atuais integrantes dos grupos do MST foram público interessado dos grupos profissionais que se apresentam para o Movimento.

De forma organizada, o teatro ganha força a partir da parceria entre o MST e o Centro do Teatro do Oprimido (CTO), dirigido por Augusto Boal, iniciada em fevereiro de 2001. Desde então aconteceram cinco encontros de formação em que o CTO socializou os meios de produção da linguagem teatral para um grupo de militantes de vários estados do país, que tem a tarefa de formar novos multiplicadores e formar grupos nos acampamentos e assentamentos. Esse grupo é a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré. O nome foi decidido coletivamente pelos militantes durante o segundo encontro, em junho de 2001.

Quais são as bases teóricas gerais para esse trabalho? Por quê?

A poética do Teatro do Oprimido, apresentada ao MST pelo CTO, reúne uma série de técnicas e exercícios teatrais, como o Teatro Fórum, o Teatro Jornal, o Teatro Invisível, que por sua vez derivam das formas de teatro de agitação e propaganda, muito trabalhadas pelos soviéticos e alemães, entre outros.

As experiências de ensaios, apresentações e debates fizeram com que passássemos a refletir criticamente sobre nossas produções, e isso nos levou a providência de convidar a professora Iná Camargo Costa para nos ensinar a teoria dos gêneros literários (lírico, épico e dramático). Desde então, passamos a optar conscientemente por quais procedimentos formais adotar, de acordo com as exigências do tema. Como a maioria dos temas que abordamos exigem tratamento histórico e uma forma capaz de abarcar a complexidade de diversos agentes e pontos de vista envolvidos nas disputas políticas, as elaborações teóricas e práticas de Bertolt Brecht passarem a ser de muito interesse, daí a ampliação do esquadro de grupos parceiros dispostos a socializar os conhecimentos sobre procedimentos narrativos e técnicas de distanciamento.

Qual é a reação dos Sem Terra ao assistirem uma apresentação que reflete a sua luta?

Grande parte das pessoas que passaram pela escola ou tiveram algum envolvimento com igrejas conhecem a linguagem teatral, pois ela é bastante utilizada nessas instituições, ainda que de forma diferenciada daquelas com as quais trabalhamos. Além disso, como a prática teatral tem se disseminado no MST, depois de mais de meia década de ação sistemática de teatro, essa linguagem tem se tornado comum, pois muitas pessoas, além dos integrantes dos grupos fixos, passam por experiências teatrais em oficinas ministradas em cursos, encontros e seminários.

Em geral fazemos um debate após a apresentação e há intensa participação daqueles que assistem aos trabalhos. Um dos comentários freqüentes é o de que nunca antes as pessoas tinham visto suas histórias, suas demandas e seus pontos de vista representados de forma tão intensa, clara ou política.

E para o público externo?

Quando fazemos intervenções de agitação e propaganda em espaços públicos, a recepção é bastante calorosa, porque além das formais cômicas que utilizamos para lidar com questões políticas de ordem coletiva, um dos maiores atrativos é que se trata de um trabalho socializado gratuitamente.

Nos espaços fechados em meio urbano, tais como auditórios de escolas, universidades, câmaras legislativas, sindicatos e teatros – em que sempre nos apresentamos gratuitamente – há, em geral, muito interesse por conhecer mais o Movimento, a forma pela qual essa produção é organizada, além de uma curiosidade sobre nossa versão dos fatos divulgados sempre de forma pejorativa pelas grandes empresas de comunicação. Por meio das peças e debates se organiza uma espécie de contra-hegemonia, tímida em termos de raio de abrangência se comparada a TV, mas profunda como poder de comunicação, justamente em função da proximidade e da viabilidade do diálogo, opção impossível na TV.

Qual foi a maior apresentação que vocês já organizaram?

Durante a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, ocorrida em maio de 2005, a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré apresentou um Teatro Procissão, com 270 militantes em cena, de todas as regiões do país, contando em quatro estações a história da luta pela terra sob o ponto de vista do trabalhador rural. Para realizarmos tal empreitada logística, a Brigada reuniu-se no Rio de Janeiro em fevereiro de 2005, elaborou a estrutura geral das etapas com o apoio do CTO, e nos meses seguintes organizou oficinas regionais para construir as estações, e contou com o apoio dos grupos Oi nóis aqui traveiz (RS) na oficina do sul e Companhia do Latão (SP) na oficina da Ssudeste. Durante a marcha, ensaiamos as estações em separado e em conjunto. Além disso, nossos grupos estaduais integrantes do grande elenco apresentaram as peças de seus repertórios durante, de modo que tivemos nos dezoito dias de caminhada, dezoito peças apresentadas, algumas delas por mais de um elenco, simultaneamente.

A experiência da ação organizada, não apenas da cultura, mas de todas as frentes culturais do MST, chamou a atenção da grande imprensa durante a marcha, pelo caráter inusitado da experiência: não há precedente na história do movimento camponês brasileiro de ação cultural de tal capilaridade e intensidade, embora haja antecedentes, como as promissoras experiências de grupos como o Arena, dirigido por Boal, e dos Centros Populares de Cultura (CPC´s) , com as Ligas Camponesas, interrompidas brutalmente pelo golpe militar de 1964, antes que pudessem amadurecer.


Grupos de Teatro do MST

Estado Número Nomes
Rio Grande do Sul 3 Peça pro povo, Alto Astral, Vida e Arte
Santa Catarina 1 Tampa de Panela
Paraná 1 Gralha Azul
São Paulo 1 Filhos da Mãe…Terra
Distrito Federal 1 Semeadores da Terra
Mato Grosso do Sul 7 Águias da Fronteira, Filh@s da Cultura, Raízes Camponesas, Lamarca da Cultura, Mensageiros da Cultura, Frutos da Terra e Utopia
Goiás 1 Revolucena
Rondônia 1 Arte Camponesa
Pará 1 Ferramenta
Maranhão 1 Rompendo Cercas
Sergipe 8
Ceará 1
Pernambuco 3