Mulher Sem Terra na luta por Reforma Agrária

A discussão em torno da participação das mulheres Sem Terra na luta por Reforma Agrária e pelo fim da discriminação vem desde o começo do MST. “A própria forma de organização do Movimento leva essas mulheres a buscarem a superação das desigualdades, tanto econômica como de participação no MST”, afirma Lourdes Vicente, integrante do Setor de Gênero do Movimento. Leia abaixo a entrevista sobre as mulheres no MST, a educação das crianças Sem Terrinha e as ações do Dia Internacional da Mulher. A mulher Sem Terra é mais oprimida que o homem Sem Terra?

A discussão em torno da participação das mulheres Sem Terra na luta por Reforma Agrária e pelo fim da discriminação vem desde o começo do MST. “A própria forma de organização do Movimento leva essas mulheres a buscarem a superação das desigualdades, tanto econômica como de participação no MST”, afirma Lourdes Vicente, integrante do Setor de Gênero do Movimento. Leia abaixo a entrevista sobre as mulheres no MST, a educação das crianças Sem Terrinha e as ações do Dia Internacional da Mulher.

A mulher Sem Terra é mais oprimida que o homem Sem Terra?

Sim. Ela é duplamente oprimida, pela exploração do capital e por ser mulher. As condições de vida das mulheres que moram nos acampamentos e assentamentos são piores que as dos homens. Dentro do Movimento há, de certa forma, uma reprodução de papéis sociais. Mas se compararmos as mulheres do MST a outras mulheres camponesas existe uma diferença grande: as Sem Terra têm uma chance de se reconhecerem oprimidas e de construírem uma identidade com a discussão de seu papel social, questionando e problematizando. A própria forma de organização do Movimento leva essas mulheres a buscarem a superação das desigualdades, tanto econômica como de participação no MST.

Além do auto-reconhecimento como oprimida, existem formas de combater o preconceito? Que formas são essas?

Quando começamos a discutir a questão, nos centrávamos na participação das mulheres. Depois começamos a falar sobre gênero. Nós temos presente duas questões fundamentais: a motivação de que as mulheres se tornarem sujeitos e criar condições para elas participem.

Existe dentro do MST uma educação sem preconceito?

Estamos discutindo como educar sem discriminar, fazendo um trabalho junto com o setor de Educação. A idéia é construir um trabalho nas escolas. Alguns assentamentos já têm experiência de trabalhar com as crianças essa educação sem discriminação, com respeito, quebrando alguns preconceitos em brincadeiras. No geral, há uma preocupação grande e tentamos fazer um trabalho com os educadores. Mas ainda é muito inicial.

Na ciranda infantil, que acontece nos encontros do Movimento, nós preparamos os educadores construir um espaço de participação das mulheres e de formação das crianças. É uma experiência bonita, mas ainda pontual. Motivamos outras formas de vivência, tanto coletiva como de gênero. Fazemos outros tipos de brincadeiras, recontamos as histórias infantis para romper com a idéia de príncipe e princesa.

Todos os anos no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, as mulheres do MST colocam em pauta suas reivindicações. Qual a importância dessa data?

Nós temos feito um debate para transformar o 8 de março em um dia de luta das mulheres. Ao longo dos anos, a data foi se tornando um dia de valorização da beleza, do comércio, da confraternização. Nós temos consciência de que o 8 de março foi criado como um momento em que as mulheres vão as ruas para se manifestar, fazer suas reivindicações.

A data é uma motivação para as mulheres da base. Elas se preparam bem antes porque já sabem que esse é o dia que nós assumimos o comando. As mulheres são desafiadas a pensar diferentes ações no campo da formação, da organização, da segurança, da negociação com o governo do estado.

O 8 de março já se tornou a primeira vez no ano em que o Movimento apresenta uma pauta nacional. Criou-se uma mística em torno da data, que trata da luta do conjunto do Movimento assumida pelas mulheres.

Nos últimos tempos temos feito uma discussão que o 8 de março também é um dia de debate do modelo agrícola. As mulheres sofrem todo o impacto de um modelo de agricultura perverso e tomam consciência que precisam ir para o enfrentamento desse modelo e mostrar para a sociedade que há um projeto alternativo de agricultura camponesa.

E isso culminou na ação da Aracruz?

Sim, e de outras ocupações de terra para denunciar latifúndios. As próximas lutas vêm nessa perspectiva também. Nós temos que mostrar para a sociedade que as mulheres estão em luta, tanto para denunciar quanto para serem solidárias. A ação da Aracruz foi uma solidariedade aos indígenas do Espírito Santo. O 8 de março sempre tem esse caráter de formação para as mulheres, de mística, do resgate da semente e da preservação da biodiversidade, do enfrentamento ao modelo.

Qual é a história do setor de gênero?

O debate sobre a participação das mulheres veio desde a criação do Movimento. No I Congresso, a direção nacional resolveu que 30% dos participantes deveriam ser mulheres. A discussão foi feita nos assentamentos, com a influência da Igreja, dos grupos de mulheres da Teologia da Libertação e dos sindicatos. As mulheres começaram a vir para as instâncias nacionais e fazer reuniões específicas das mulheres para discutir suas condições como militantes, como motivar para que mais companheiras da base a participar. Em 1996 fizemos o I Encontro Nacional de Mulheres Militantes do MST. O debate era como íamos avançar para nos fortalecer como mulheres Sem Terra, tendo muito claro de que deveríamos nos organizar para enfrentar o capital. Em 1998, aconteceu o II Encontro Nacional, e ali começamos a colocar que nós tínhamos que convocar os homens para o debate, porque senão nós avançávamos e os nossos companheiros não. Começamos a discutir gênero e poder. Ao longo do processo, fomos nos dando conta de que teríamos que entrar na estrutura orgânica do Movimento e colocamos a necessidade de termos pessoas responsáveis para fazer o debate. Em 2000, no encontro nacional do MST, foi aprovado o setor de gênero.