Urgência de reforma política

Por D. Demétrio Valentini

A última semana de campanha política tem pouco de bom a oferecer. No desespero de convencer os eleitores, vale tudo. O tiroteio se generaliza. Para se defender, todos passam a atacar, e já não se distingue a mentira da verdade, os fatos da fantasia. E a campanha chega ao final, extraviada por completo de sua finalidade central: apresentar projetos de governo que consigam a adesão dos eleitores, para depois terem suporte majoritário para serem executados.

A única mensagem clara deste final de campanha é que assim não dá para continuar. É urgente uma reforma política em profundidade, que não se limite a mudanças eleitorais. É necessário repensar, por completo, a maneira prática e viável dos cidadãos exercerem sua responsabilidade de organizar o Estado brasileiro, para que ele esteja apto a cumprir os objetivos republicanos colocados no Artigo Terceiro da Constituição Federal:

– construir uma sociedade livre, justa e solidária;
– garantir o desenvolvimento nacional;
– erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Estes objetivos constitucionais devem agora orientar a reforma política, tendo como ponto de partida a soberania popular, diante da lapidar constatação republicana, que já perdeu sua força mobilizadora, de que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.

É em vista de possibilitar o exercício desta soberania, com sua decorrente responsabilidade cidadã, que se deve pensar os mecanismos legais que a tornem viável e eficaz.

Mas não bastam modificações legais. Elas precisam ser expressão da vontade coletiva de mudanças na prática política. Se as mudanças legais não vierem acompanhadas de mudanças dos costumes, serão logo neutralizadas por novas manobras. Já dizia Aristóteles que o direito precisa ser sustentado pela força dos costumes.

Quanto a isto, a primeira mudança que se requer é que o povo deixe de ser espectador, para se tornar sujeito político. Em decorrência deste objetivo, urge encontrar mecanismos legais que despertem e viabilizem a participação responsável dos cidadãos no exercício da política.

Uma primeira providência é a reforma partidária. Dentro dela, é indispensável o estatuto da fidelidade partidária. Para que assim os partidos, mesmo não sendo mais os únicos canais de participação política, recuperem sua importância, como instrumentos de formulação de projetos nacionais e de aglutinação de forças para implementá-los.

Outro desafio da reforma política é articular melhor o exercício do poder delegado, confiado aos eleitos, com o poder permanente do povo, do qual ele nunca pode se eximir, e que sempre precisa ser exercido, para garantir que os poderes constitucionais estejam a serviço dos objetivos do Estado Brasileiro. Para isto é imprescindível regulamentar o que a Constituição já prevê, em termos de plebiscitos e referendos, precisando melhor e ampliando a sua competência, bem como reforçar a iniciativa popular de lei, inclusive para emendas constitucionais.

Vamos votar, sim, também desta vez. Mas vamos cobrar, de imediato, uma profunda reforma política, no horizonte amplo destes objetivos, com as muitas decisões concretas que eles implicam.