Caio Prado Jr.

Antonio Candido*
Especial para o Jornal Sem Terra

Caio Prado Júnior não foi não apenas um grande intelectual, mas também um grande homem, que soube fazer da inteligência e da cultura instrumentos de ação social e política. Em 1933, ainda muito jovem, publicou a primeira interpretação marxista da nossa historia, Evolução política do Brasil, marcando uma posição de estudioso inconformado com as concepções orientadas pela perspectiva da classe dominante. Em 1942 publicou Formação do Brasil Contemporâneo, esclarecendo o sentido da nossa história a partir do tipo de exploração econômica da colonização.

Depois vieram outros livros fundamentais, como História econômica do Brasil (1945) e A revolução brasileira (1966). Eles mostravam a atuação teórica de uma grande cabeça baseada no marxismo, mas não subordinada às palavras de ordem do marxismo oficial. A rigorosa objetividade de Caio Prado Júnior, o seu conhecimento direto do país, alimentado por pesquisas e viagens constantes, o levaram bem cedo a pensar em soluções adequadas à nossa realidade, não em receitas externas.

Pensamento e ação

Coerente com o espírito do marxismo, para o qual o pensamento deve se traduzir em ação, declarou-se bem cedo comunista e aplicou na luta a riqueza do seu saber, a sua rara integridade e a sua bravura. Em 1935, foi presidente da seção paulista da Aliança Nacional Libertadora, sendo preso até 1937, quando pôde sair do país. De volta, em plena ditadura do Estado Novo, prosseguiu na luta, inclusive concebendo um importante plano cultural, concretizado em 1944 na Editora Brasiliense, na Revista Brasiliense, verdadeiros focos de informação e investigação radical do pais.

Deputado estadual pelo Partido Comunista em 1945, foi cassado em 1947 com o fechamento deste, mas continuou na estacada, sendo preso de novo em 1969, desta vez por um longo período. Modelo de lucidez, coerência e destemor, Caio Prado Júnior, cujo centenário está sendo comemorado, será sempre um inspirador das lutas sociais no Brasil.

* Antonio Cândido é crítico literário e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP)

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As principais obras

As obras de Caio Prado Jr. são fundamentais para as pessoas que desejam entender o Brasil e sua complexa realidade. O intelectual soube como ninguém estudar a experiência brasileira com uma ótica marxista, mas que levasse em conta as particularidades do país.

Na época, suas idéias inovadoras não foram bem recebidas pela própria esquerda. “Ele discordava radicalmente das teses do PCB, mas achava que não podia sair do partido para não enfraquecer. Nessa disputa, ele claramente não conseguiu fazer valer o ponto de vista dele”, conta Paulo Iumatti, pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Veja abaixo as principais obras deste intelectual que permanece atual nos dias de hoje:

Formação do Brasil Contemporâneo (1942)

Nesta obra, escreve sobre as características econômicas, administrativas, populacionais e sociais do território brasileiro desde o início de sua colonização até os primeiros anos do século XIX. Para Prado, na entrada do Século XIX o legado colonizador já estava consolidado no Brasil e o território começava a respirar ares de mudança (por exemplo, a vinda da Família Real Portuguesa, entrada das idéias políticas liberais francesas e maior influência inglesa na economia e sociedade).

A partir do momento em que considera uma ruptura do sistema colonial, Caio Prado penetra fundo no passado e na estrutura desse sistema. E, dentre várias conclusões a que chega, uma se destaca como a principal: mais de um século após a Independência, o Brasil ainda mantinha em diversos aspectos o caráter e as características de colônia, principalmente no que se refere à economia e sociedade.

História econômica do Brasil (1945)

A publicação inaugurou uma nova etapa na vida intelectual do Brasil. E continua sendo indispensável para o entendimento das características estruturais da sociedade brasileira, dos dilemas herdados do passado e dos possíveis caminhos de sua superação.

A revolução brasileira (1966)

Nessa obra, Caio Prado expõe de forma clara e vigorosa as suas teses sobre o Brasil, contrapondo-se ao modelo da revolução democrático-burguesa do PCB, representando o pensamento autocrítico das esquerdas brasileiras durante os anos de 1960. A obra contém também toda visão marxista que o intelectual tinha do Brasil.

A questão Agrária no Brasil (1979)

O livro reúne os artigos que Caio Prado publicou sobre a questão agrária na Revista Brasiliense. Neles, Prado defende que a Reforma Agrária deveria representar um grande e natural passo no processo de evolução do país, onde o real desenvolvimento consiste na superação das atuais situações sócio-econômicas herdadas do passado, sobretudo das estruturas agrárias que mantém uma parte considerável da população em miseráveis condições de vida, materiais e culturais. São essas condições que a reforma agrária deve superar, uma vez que essa baixa qualidade de vida influi no deslocamento da população da área rural para as cidades, principalmente para os grandes centros urbanos, acarretando uma série de novos problemas.