José Serra e a Violência do Estado

Por Hamilton Octavio de Souza

Há 30 anos a tropa de choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo, comandada pelo coronel Erasmo Dias, foi usada para invadir o campus da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e reprimir um congresso do movimento estudantil dedicado à reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE). O ato de truculência foi repudiado pela comunidade acadêmica e pela sociedade. Até hoje a invasão da PUC é lembrada como uma violação à autonomia universitária e aos direitos democráticos.

Na madrugada da última quarta-feira, dia 22 de agosto, a tropa de choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob as ordens do governador José Serra, do PSDB, invadiu o campus da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, para reprimir e prender centenas de estudantes e militantes de movimentos sociais que realizaram uma ocupação simbólica, pacífica e apoiada internamente, do pátio da faculdade. A manifestação fazia parte da Jornada Nacional em Defesa da Educação Pública, organizada por diretórios acadêmicos, DCEs, UNE, Andes, Conlute, Coordenação dos Movimentos Sociais, Intersindical, CPT, MST e mais algumas dezenas de entidades estudantis e movimentos sociais.

A Jornada da Educação procurou resgatar, em atos realizados em vários estados, a dívida secular do Brasil com a erradicação do analfabetismo, o acesso da classe trabalhadora à educação pública de qualidade, a ampliação do investimento público no setor, a gestão democrática das instituições de ensino, a defesa da autonomia universitária e tantas outras reivindicações fundamentais para o povo brasileiro. A Jornada da Educação procurou expressar uma demanda histórica da sociedade através de ações (debates, passeatas, atos públicos e ocupações simbólicas) perfeitamente legítimas no Estado Democrático de Direito. A Jornada da Educação procurou recolocar na ordem do dia uma prioridade que está sendo esquecida pelas autoridades, pelas classes dominantes e pelos meios de comunicação.

O que não faz sentido é o governo do Estado utilizar o aparato policial de São Paulo, que tem por finalidade garantir a segurança da população, para reprimir os movimentos sociais e impedir o direito de manifestação – como já ocorreu recentemente com trabalhadores desempregados, metroviários, sem teto, sem terra e estudantes. O que não faz sentido é a Polícia Militar ser dirigida para passar por cima da Constituição e das leis em desrespeito à autonomia universitária, invadir o campus e prender manifestantes que em nenhum momento ameaçaram a segurança pública – mesmo que a violação tenha sido instigada pelo diretor da Faculdade de Direito, pelo Secretário da Segurança Pública ou pelo governador do Estado.

Do ponto de vista da violação dos direitos constitucionais dos cidadãos, a invasão da Faculdade de Direito da USP, em 2007, está no mesmo patamar da invasão da PUC em 1977, embora as autoridades sejam outras e os discursos e os métodos empregados sejam distintos na truculência. O que devemos nos perguntar é o que mudou no espaço de 30 anos: a ótica do Estado se alterou em relação aos movimentos sociais? O que causa mais dano à construção da democracia no Brasil, a ocupação simbólica da São Francisco por 24 horas ou a invasão do campus universitário pela PM e a repressão às manifestações públicas?

Tudo indica que estamos diante de um simulacro de democracia: a diferença é que anos atrás uma boa parte da sociedade ficava indignada contra a truculência do Estado; agora, muita gente está anestesiada, acomodada e indiferente. Perdemos na nossa humanidade e na nossa consciência política.

*Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP