Reforma agrária para agronegócio no Pará

Por Ariovaldo Umbelino de Oliveira
da Radioagência NP

Terminei o último artigo informando que o recorde dos assentamentos da SR de Santarém no Pará em 2006, encobria o uso da reforma agrária como “instrumento” de uma a ação criminosa, para beneficiar o agronegócio da madeira e a grilagem de terras públicas.

Informei também os leitores que a política de reforma agrária do governo Lula está marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio do agronegócio e, fazê-la nas áreas onde ela possa “ajudar” o agronegócio. Pois bem, no estado do Pará o Incra deliberadamente, usou de estratagemas para permitir que o setor madeireiro e os grileiros de terras públicas fossem favorecidos nos assentamentos de reforma agrária.

Foi como diria certo político no passado: um verdadeiro crime lesa Pátria. Vamos ao resumo da ponta do iceberg, pois as investigações continuam, e por certo vão revelar a lama que estão jogando sobre a tão desejada reforma agrária dos sem terras.

Em primeiro lugar, no dia 15/08/2007 o Ministério Público Federal através dos procuradores da República no Pará, Felipe Braga e Marco Antonio Almeida, ingressaram na Justiça Federal de Santarém com uma ação civil pública para anular 99 portarias de criação de assentamentos da reforma agrária emitidas pela SR 30 de Santarém, em 2005 e 2006, sem licença ambiental.

A ação também teve por objetivo anular duas cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado entre o Incra e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam). A partir deste TAC seria permitida a dispensa da licença de viabilidade ambiental e a posterior liberação de planos de manejo para os assentamentos criados sem licença ambiental.

Segundo o MPF, todos os Projetos de Assentamento (PAs), Projetos de Assentamento Coletivo (PACs) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs) instalados na região entre 2005 e 2006, foram assentamentos criados sem estudos de viabilidade ambiental, apenas com levantamentos técnicos resumidos, sem informações geográficas, mapas ou perfil sócio-econômico da região, e particularmente sem laudo agronômico, imagem de satélite georeferenciada, planta de localização, mapa de áreas de prioridade biológica e mapa de classes de capacidade de uso das terras e “não atendem a uma autêntica demanda de potenciais clientes da reforma agrária e são resultado da pressão do setor madeireiro junto às esferas governamentais, que vislumbram nos assentamentos um estoque de matéria-prima cujo manejo é objeto de um licenciamento mais rápido”. (Carlos Mendes, Estadão On-line, de 15/08/2007, às 20:59 hs).

Estes fatos já vinham sendo denunciados pela imprensa há pelo menos dois anos informou o jornalista Paulo Leandro Leal de Santarém, pois o próprio superintendente do Incra da SR 30, Pedro Aquino, em entrevista à imprensa em 2005, disse que iria criar os assentamentos na região “na marra”. (www.pauloleandroleal.com). E mais, informou o MPF que vários assentamentos também estariam sobrepostos ao Parque Nacional da Amazônia, unidade de conservação de área de proteção integral, em Itaituba, que não permite nenhuma ocupação humana.

No dia 19/08/2007, quatro dias depois, o Greenpeace através do programa Fantástico da Rede Globo, da revista Época, e de video em seu portal, “denunciou o Incra por facilitar a atuação de empresas madeireiras em áreas de assentamentos rurais na região de Santarém, no Pará.” Informando que “levantamentos de campo e documentos comprovam que o órgão estimula o estabelecimento de parcerias entre madeireiras e supostas associações de assentados, em um esquema que prejudica a floresta amazônica e milhares de famílias de trabalhadores rurais sem-terra.” (www.greenpeace.org/brasil)

Mas, o MDA/Incra em comunicado lacônico e impreciso de 20/08/07 às 15:08, procurou dar explicações desqualificando os fatos, e afirmou que “nenhum dos assentamentos realizados nos últimos quatro anos envolveu transferência de populações de região. Todos os beneficiários de assentamentos habitavam a região em que foram assentados.” E concluiu mentindo que a denúncia não procedia afirmando que “ao repor as informações corretas sobre o tema, cabe acrescentar que toda a denúncia (seja da imprensa ou da sociedade civil), mesmo que contendo informações incorretas ou imprecisas, terá neste Ministério a imediata apuração e serão tomadas as providências necessárias.” (www.mda.gov.br e www.incra.gov.br)

Entretanto, em 28/08/2007, a denúncia foi acatada pela justiça federal e “liminar foi concedida pelo juiz Francisco de Assis Garcês Castro Júnior, da Subseção de Santarém, determinando a interdição de 99 projetos de assentamentos implementados pelo Incra região oeste do Pará, a partir de 2005 até este ano. O magistrado também proibiu a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sectam) de emitir novos licenciamentos em projetos do Incra, como vinha fazendo, sob pena de ser multada em R$ 10 mil por dia. A interdição, segundo o juiz federal, vai perdurar até que o Incra obedeça às exigências legais que atribuem ao Ibama e não a um órgão estadual, a competência de fazer estudos de viabilidade e de emitir licença prévia de projetos de assentamento para os quais são repassados recursos federais.” (www.pa.trf1.gov.br/noticias/ver.php?id=467)

Foi por causa dessas irregularidades que o MDA/Incra, até hoje não publicou a relação dos beneficiários da reforma agrária de 2006, conforme havia anunciado em seu portal em 30/01/2007 às 11:01hs. E mais, como o MPF informou antecipadamente o INCRA que iria entrar com a ação na justiça federal, tratou a SR 30 de Santarém de tentar começar a limpar parte dos crimes cometidos e através das Portarias n. 10, 11, 12, 13 e 14 de 06/08/2007, publicadas no DOU de 08/08/2007, cancelou as portarias que em outubro e novembro de 2006 haviam criados cinco assentamentos proposital e criminosamente sobrepostos ao Parque Nacional da Amazônia em áreas griladas por madeireiros.

Mas, felizmente também, quis a justiça que mais uma prova da denúncia viesse à tona pelos próprios funcionários do Incra da SR 30 de Santarém, que em 21/08/2007, através de nota emitida pela Associação dos Servidores da Reforma Agrária (Assera) do Oeste do Pará deu provas cabais dos crimes cometidos, quando informou que “os servidores … nos últimos meses foram atropelados por decisões verticais e unilaterais na criação e na extinção de assentamentos, na desafetação de áreas, na homologação de beneficiários (muitas pessoas sem perfil foram homologadas), na realização de convênios, na liberação de créditos, etc. Assim sendo, inúmeras decisões técnicas foram e são tomadas com critérios políticos, sem consulta ao corpo de profissionais da instituição e desobedecendo inclusive a legislação agrária, ambiental e até mesmo as normas internas do próprio Incra … Questionamos desde o primeiro momento a proposta de Parceria Público Privada entre assentados e indústria madeireira, proposta alardeada pela Superintendência do Incra como novo modelo de reforma agrária para a Amazônia. É preciso dizer ainda que a responsabilidade por qualquer irregularidade deve ser compartilhada com a direção nacional do Incra e do MDA …”

Assim, caberá agora a justiça federal julgar os crimes cometidos contra a reforma agrária do MDA/Incra no Pará, mas os que irão a julgamento, são os personagens da urdida trama, e, há muitas provas contra eles, mas esta é uma história para outro capítulo em nosso próximo artigo.

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Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de “Modo capitalista de produção (Ática, 1995)”, “Agricultura camponesa no Brasil” (Contexto, 1997).