Manifesto da Mídia Livre

O setor da comunicação no Brasil não reflete os avanços que ao longo dos últimos trinta anos sociedade brasileira garantiu em outras áreas. Tal conjuntura é uma das responsáveis pelo não crescimento democrático do país, impedindo que se torne socialmente mais justo.

A democracia brasileira precisa de maior diversidade informativa e de amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos.

Não é mais possível aceitar que os movimentos sociais, protagonistas de muitos dos nossos avanços democráticos, sejam sistematicamente criminalizados – sem defesa, espaço ou meios para responder –, pela quase totalidade dos grupos midiáticos comerciais.

Não se pode mais aceitar que, numa sociedade que se almeja democrática, apenas as idéias e informações ligadas aos interesses políticos e econômicos de pequenos grupos tenham expressão pública. Tal cenário nega o direito de todas e todos a ter acesso ao contraditório, violando o direito à informação dos cidadãos.

Um Estado democrático deve assegurar que os mais distintos pontos de vista tenham expressão pública, situação tão distante da realidade em nosso país. No Brasil, menos de uma dezena de famílias controla a quase totalidade dos meios de comunicação, numa prática explícita do monopólios e oligopólios – que seguem sendo realidade, embora proibidos pela Constituição Federal.

Ainda segundo a Constituição, deve-se criar um amplo e diversificado sistema público de comunicação, produzido pelo público, para o público, com o público. Um sistema que ofereça à sociedade informação jornalística e programação cultural-educativa para além da lógica do mercado, sintonizadas às várias áreas do conhecimento e à valorização da produção regional e independente.

Por fim, um Estado democrático precisa defender a verdadeira liberdade de expressão e de acesso à informação, em toda sua dimensão política e pública. Um avanço que acontece, essencialmente, quando cidadãs e cidadãos, bem como os diversos grupos sociais, têm condições de expressar suas opiniões, reflexões e provocações de forma livre, e de alcançar, de modo equânime, toda a variedade de pontos de vista que compõe o universo ideológico de uma sociedade.

Para que essa luta democrática se fortaleça, apresentamos a seguir propostas debatidas e aprovadas entre os cerca de 400 participantes do 1° Fórum de Mídia Livre, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro nos dias 14 e 15 de junho de 2008.

Ficam estabelecidos os seguintes compromissos:

1. Promover uma campanha e mobilização social pela democratização das verbas publicitárias públicas, com a realização, entre outras, das seguintes ações:

– Desenvolvimento, pelo Fórum de Mídia Livre e organizações parceiras, de critérios democráticos e transparentes de distribuição das verbas públicas que visem à democratização da comunicação e que se efetivem como legislação e políticas públicas;

– Proposta de revisão dos critérios e “parâmetros técnicos de mídia” (tais como custo por mil etc.) utilizados pela administração pública, de forma a combater os fundamentos exclusivamente mercadológicos e viabilizar o acesso a veículos de menor circulação ou sem verificação.

2. Contribuir na promoção de outras políticas públicas de incentivo à pluralidade e à diversidade por meio do fomento à produção e à distribuição;

3. Cobrar do Executivo federal que convoque e dê suporte à realização de uma Conferência Nacional de Comunicações nos moldes das conferências de outros setores já realizadas no país;

4. Lutar pelo estabelecimento de políticas democráticas de comunicação, na perspectiva de um novo marco regulatório para o setor que inclua um novo processo de outorga das concessões, a democratização e universalização da banda larga e a adoção do padrão nacional nos sistemas brasileiros de TV e rádio digital, além do fortalecimento das rádios comunitárias;

5. Criar uma ferramenta colaborativa que reúna diversas iniciativas de mídia livre e contemple a diversidade de atuação dos veículos e dos midialivristas, em formato a ser aprimorado nos próximos meses pelo grupo de trabalho permanente e aprovado no próximo Fórum de Mídia Livre;

6. Mapear as diversas iniciativas da mídia livre visando o conhecimento sobre a realidade do setor e o reconhecimento dos diversos fazedores de mídia;

7. Propor a implementação de pontos de mídia, como política pública, integrados e articulados aos pontos de cultura, veículos comunitários, escolas e ao desenvolvimento local, viabilizando, por meio de infra-estrutura tecnológica e pública, a produção, distribuição e difusão de mídia livre;

8. Buscar espaços para exibição de conteúdo produzido por movimentos sociais na TV pública;

9. Incentivar a consolidação de redes de produtores de mídia alternativa, a começar da comunicação interna (listas de discussões) e externa (portal na web) dos próprios integrantes do Fórum de Mídia Livre, que deve funcionar como rede flexível, difusa e permanente;

10. Estimular a criação e fortalecimento de modelos de gestão colaborativa das iniciativas e mídias, com organização não-monetária do trabalho, por meio de sistemas de trocas de serviço.
Em função destes compromissos, nos propomos a:

– realizar encontros de mídia livre em todos os estados brasileiros no segundo semestre de 2009;

– realizar um Fórum de Mídia Livre de alcance Latino-Americano ou mundial em Belém, às vésperas do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2009;

– realizar no 2º semestre de 2009 o II FML Brasil, com indicativo de Vitória (ES) como sede;

– somar-se às entidades de luta pela democratização na luta por uma conferência ampla, democrática e descentralizada, passando a integrar a Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação;

– envolver os movimentos sociais nas ações pelo fortalecimento da mídia livre;

– agendar em âmbito federal, estadual e municipal reuniões com o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário para apresentar as reivindicações tiradas no Fórum;

– criar o selo Mídia Livre para estar em todos os veículos, blogues etc. que se identificam e reconhecem como mídia livre;

– realizar ato público de rua em Brasília, com pauta e mobilização conjunta com outros movimentos da comunicação e outros movimentos sociais, articulado com a entrega do manifesto aos três poderes, como parte de semana de mobilização que contará também com ações de guerrilha midiática e viral.

Assinaturas de apoio ao manifesto

Apoios de entidades, movimentos e instituições nacionais*
ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários
Abraço – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
ADI – Associação para o Desenvolvimento da Intercomunicação
AMARC Brasil – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
AMM – Articulação Mulher e Mídia
AP – Assembléia Popular
ARTIGO 19
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire
Ciranda de Comunicação Compartilhada
CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais
Coletivo Candaces BR – Coletivo de Lésbicas Negras Feministas Autônomas
COMULHER – Comunicação Mulher
Comunicativistas
CNC – Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros
Consulta Popular
CUT – Central Única dos Trabalhadores
ECOMÍDIAS – Associação Brasileira de Mídias Ambientais
Ética na TV, campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania
Fitert – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão
Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações
Grupo de Pesquisa em Economia Política e Políticas da Informação e da
Comunicação-UFRJ
Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
IPF – Instituto Paulo Freire
Justiça Global
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Núcleo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania da Intercom – Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
Observatório da Mulher
REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental
Rede de Mulheres em Comunicação
ONG Repórter Brasil
Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro
SOF – Sempreviva Organização Feminista
Ulepicc-br – União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e
da Cultura-Capítulo Brasil
Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero
UNE – União Nacional dos Estudantes