Nota sobre a ocupação das eclusas e prisão de manifestantes no Pará

Nós, movimentos sociais que estávamos mobilizados nas eclusas de Tucuruí, viemos por meio desta nota esclarecer alguns pontos referentes à nossa mobilização:

1- Historicamente, viemos sofrendo os impactos dos grandes projetos na região, sejam eles da hidrelétrica de Tucuruí, dos projetos de mineração, da pesca ilegal por grandes empresas, desmatamentos ilegais que ocasionam a grilagem de terras, a criminalização e morte de lideranças, problemas urbanos e outros. Há tempos questionamos esses grandes projetos que causam inúmeros impactos sociais e ambientais sobre o povo e sobre o meio ambiente. Além disso, as políticas de mitigação desses impactos vêm sendo negadas tanto por parte das empresas privadas instaladas na região, como pelos órgãos governamentais. Nesse sentido, há anos estamos pressionando, através de muitas lutas, os responsáveis para que tenham um olhar sobre nossa região, e que atendam as nossas reivindicações. As poucas conquistas (quando acontecem) ainda são tímidas e não têm dado conta de nossas reais reivindicações.

2- Assim, mais uma vez nos mobilizamos para dar continuidade às nossas reivindicações, uma vez que acordos acertados não estão sendo cumpridos e a lentidão dos processos de viabilização de projetos e políticas é constante no nosso cotidiano. Essa pauta é abrangente, envolve as organizações citadas acima e são remetidas aos governos municipal, estadual e federal. Muitos diálogos foram feitos, mas a concretização das propostas, infelizmente não se efetiva.

3- O estado do Pará é marcado historicamente pela gerência de partidos de extrema direita que utilizaram a força para a instalação dos projetos acima citados, sem a participação do povo, e além do mais, criminalizaram e mataram os que se opunham a tal modelo de desenvolvimento. Nesse sentido, viemos por meio deste, repudiar a iniciativa da direita (setores ligados a grande indústria, ao agronegócio, a partidos de extrema direita, a grilagem de terras, ao desmatamento e à pesca industrial) que tem criado uma ofensiva antidemocrática sobre o povo e ao governo popular do Estado do Pará, buscando deslegitimar a democracia, o respeito aos movimentos sociais e a todo esse processo que vem sendo instalado no estado a partir das últimas eleições.

4- Denunciamos aqui, as milícias armadas que se formaram no campo paraense, que matam nossas lideranças, que criminalizam os movimentos sociais, que estão a serviço desses setores, que criam um poder paralelo local, sem respeitar a lei e ordem pública e que buscam instalar (à base de força) sua política de expropriação das riquezas naturais e de geração de lucros extraordinários. Responsabilizamos esses setores pelas mortes de trabalhadores e trabalhadoras, e que travam o desenvolvimento da região em prol de seus objetivos particulares.

5- Na última sexta-feira (24/4), cerca de 400 trabalhadores e trabalhadoras ocuparam as obras das eclusas do rio Tocantins, junto à hidrelétrica de Tucuruí. Os trabalhadores rurais protestavam contra a violência no campo e reivindicavam o avanço das negociações com a Eletronorte. Segundo liderança do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), desde 2004 os atingidos pela barragem de Tucuruí tentam assinar um convênio com a Eletronorte que beneficiaria mais de 900 famílias da região, com recursos para agricultura e criação de peixe em tanque-rede. No entanto, até agora, nenhum acordo foi firmado. Além disso, segundo dados da CPT, nos últimos três anos foram assassinados 14 lideranças rurais nessa região, em decorrência da luta pela terra. A última vítima foi Raimundo Nonato, liderança de Tucuruí, brutalmente assassinado na porta de casa, no dia 16 deste mês.

6- Domingo (26/4) por volta de 6h, a polícia militar foi fazer averiguação no local e deu ordem de prisão por flagrante a dez trabalhadores e trabalhadoras, sendo eles: Odércio Monteiro Silva, Manoel Raimundo Campelo de Lima Cardoso Pimentel, Domingos Ribeiro Garcia, Roquevan Alves Silva, Elzino Lopes Rodrigues, Dolindo Marçal Barros, Vamico Morais Wanzeler, Maria Edna Almeida Moreira, Esmael Rodrigues Siqueira e Aildo Ferreira Gonçalves. Além desses, ainda foram levados mais 8 trabalhadores/as sendo eles/as: Ajackson Correia dos Santos, Cipriano Farias de Souza, Acelino Pereira dos Santos, Cleuson Jorge Farias, Joniel Farias Nabiça, Francisco Ferreira Viana, José do Carmo da Trindade Pinto, Maria do Perpétuo Socorro Mendes de Souza para fazer boletim de ocorrência na delegacia de Tucuruí e que na seqüência deveriam ser liberados. Todavia, com arbitrariedade o delegado local (segundo ele estava cumprindo ordens da Governadora do estado), também encaminhou-os para Belém.

7- O primeiro grupo detido, antes de serem encaminhados para Belém, foram levados pelos policias para fazer um desfile por toda a cidade de Tucuruí mostrando o “prêmio” que tinham conquistado/capturado cedo pela manhã. Todos foram encaminhados para a DIOE – Divisão de Investigações de Operações Especiais.

8- Chegaram em Belém por volta das 16:00 hs do domingo, onde foram interrogados e estão sendo acusados por: seqüestro – artigo 148; esbulho possessório – artigo 161; destruir, inutilizar ou deteriorar coisas alheias – artigo 163; incitação ao crime – artigo 286; resistência – artigo 329; desobediência – artigo 330; atentado contra segurança de serviço de utilidade pública – artigo 265; formação de quadrilha – artigo 288; invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola/sabotagem- artigo 202; incêndio -artigo 250 e extorsão – artigo 158.

9- Permaneceram no local sem direito a alimentação, nem condições sanitárias. Somente mais tarde foram encaminhados para a Seccional Cabanagem e na seqüência para o *Presídio Americana, onde permanecem até o momento.

10- Os movimentos estavam legitimamente reivindicando seus direitos humanos, sociais, culturais e ambientais ignorados a 25 anos pela Eletronorte, Eletrobrás e Ministério das Minas e Energia que só buscam beneficiar as empresas eletrointensivas em detrimento do povo trabalhador que mesmo às margens do lago de Tucuruí até hoje muitos, não têm acesso a energia elétrica. Velha prática de descartar as populações locais e criminalizar os movimentos sociais que defendem os direitos humanos. Porque a polícia, ao invés de atacar manifestantes que estão acampadas exigindo seus direitos, não vai atrás de assassinos e mandantes que vitimaram as lideranças sindicais e permanecem impunes?

11–- Os trabalhadores do Pará precisam de justiça social e do combate a impunidade. Quando falam de danos ao patrimônio público não consideram que o maior patrimônio é composto pelas pessoas com seus direitos respeitados e garantidos e não é isso que a Eletronorte e as empreiteiras têm mostrado na execução dos seus projetos e dos seus interesses.

12- Exigimos que os governos e as empresas responsáveis pelas obras cumpram a sua parte, atendendo as reivindicações e garantindo todos os direitos até então negados aos atingidos pela barragem de Tucuruí e suas eclusas.

Assinam:

CPT – MST – MAB – FETAGRI – STR/Tucuruí – Colônia Pescadores Z32 – MOVIMENTO PESCADORES E MORADORES APA TUCURUÍ – ASSOCIAÇÕES