O potencial de nossas cooperativas

A Reforma Agrária é viável. É isso que mostra a experiência das agroindústrias, das cooperações e associações de produção em assentamentos conquistados pelo Movimento. Além de garantir a produção em condições diferenciadas, precisamos lutar por condições de industrialização e comercialização. Dessa forma, a sociedade pode conhecer o outro lado do MST: além de lutar pelo acesso à terra, garantimos uma alimentação mais saudável,baseada em outra matriz tecnológica, a agroecologia.

A Reforma Agrária é viável. É isso que mostra a experiência das agroindústrias, das cooperações e associações de produção em assentamentos conquistados pelo Movimento. Além de garantir a produção em condições diferenciadas, precisamos lutar por condições de industrialização e comercialização. Dessa forma, a sociedade pode conhecer o outro lado do MST: além de lutar pelo acesso à terra, garantimos uma alimentação mais saudável,baseada em outra matriz tecnológica, a agroecologia. A seguir, leia mais sobre os desafios da produção e experiências concretas na entrevista com Euclides dos Santos Rodrigues, presidente da Cooperoeste, a maior cooperativa de assentados de Santa Catarina.

Dirceu Pelegrino
Setor de Comunicação do MST

JST – Qual a concepção do MST em relação às agroindústrias?

ER – A industrialização e comercialização são um estágio superior da nossa proposta de assentamento e nossa proposta de Reforma Agrária. Primeiro vem a questão de produzir o autosustento, a comida, e a matéria-prima. A agroindústria vem no sentido de agregar valor. Há quinze anos discutimos que nosso grande desafio era a industrialização e comercialização dos produtos dos assentamentos. Não podemos dizer que isso está superado, mas acho que demos passos importantes na industrialização dos produtos da Reforma Agrária, inclusive do ponto de vista político e ideológico. Pois a industrialização não é só uma questão econômica. A partir do momento que a gente vende um litro de leite que tem o timbre do MST, estamos disseminando uma ideologia e provando a viabilidade da Reforma Agrária.

JST – Por que lutamos por agroindústrias?
ER –
É através das agroindústrias que os assentados conseguem agregar mais valor e provar que a Reforma Agrária é viável. Fortalecemos assim os laços de cooperação entre as famílias assentadas, oferecendo alimentos industrializados à sociedade e criando espaços de vida digna para as pessoas que vivem nas áreas de assentamentos. Além disso, se consegue quebrar o tabu da mídia, que diz que o MST é só enfrentamento. Através da produção, industrialização e comercialização dos produtos da Reforma Agrária, mostramos a face do Movimento que a maioria da população não conhece.

JST – Quais desafios a produção nos assentamentos já superou e quais enfrenta hoje?
ER –
Se pegarmos como exemplo nossos assentamentos, ainda temos que superar muitos desafios. Estamos nos industrializando em vários locais de nosso estado e no país. Temos experiências e diversas marcas. Mas o principal gargalo que persiste é a produção, é conseguir fazer com que nosso povo consiga produzir em grande escala e com qualidade.

JST – Como a agricultura familiar pode ser uma contraposição real ao agronegócio?
ER –
Pode ser uma contraposição com certeza, desde que consigamos fazer uma produção diferenciada. Não podemos pensar em competir com o agronegócio com os mesmos produtos, com o mesmo pacote. Na verdade, quando se fala em industrialização nos assentamentos,tem que se pensar em produtos diferenciados, que possibilite atuarmos em outros espaços do mercado. A diversificação da produção e a cooperação são indispensáveis à pequena agricultura. Outro fator importante é o jeito de produzir, a matriz tecnológica. Precisamos investir na agroecologia e em técnicas que garantem uma relação harmônica entre os seres que vivem na natureza.

JST – E a experiência da Cooperoeste?
ER –
No próximo dia 20 de julho, a Cooperoeste irá completar 13 anos de fundação. Na verdade, ela é uma criança passando para a fase de adolescência. Temos muito que aprender e muito que crescer ainda! A história da Cooperoeste está ligada à história do Movimento e do setor de produção de Santa Catarina. Ela surgiu a partir de uma necessidade que tinha na região, de industrialização e de comercialização do leite, que é o principal produto dos assentamentos da região extremo oeste do estado. Inclusive, antes da fundação da Cooperoeste, existia e existe até hoje, a Associação 25 de Maio, que foi o embrião da Cooperoeste. Esta Associação começou com o processo de envase do leite tipo C e é uma experiência muito importante que envolve um assentamento. Mas é muito limitada, geograficamente falando, pois contempla só o assentamento e
industrializa o leite tipo C, com curto prazo de validade, apenas quatro dias. Então surgiu a necessidade de criar uma organização que tivesse uma abrangência regional e que fosse um instrumento dos assentamentos da região. E também para resolver o problema do leite tipo C, que é um produto que agrega bastante valor, mas tem limites na comercialização em função do curto prazo de validade. Foi a partir dessa necessidade que se pensou – na época, foi uma atitude audaciosa por parte do povo da direção – criar uma indústria de leite Longa Vida, que foi o primeiro
investimento de grande porte no estado, financiado pelo extinto Procera (Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária). Então, passados 13 anos, estamos lá pelejando!

JST – Como se deu o processo de escolha da marca dos produtos da Reforma Agrária em Santa Catarina?
ER –
Em algumas regionais, o MST possuía potenciais produtivos destacados e se pensava em investir na industrialização. Todos tínhamos a mesma necessidade, ter uma marca de referência, para não ter mais que passar pelo atravessador e alcançar diretamente o consumidor. Pensando em criar uma marca para a erva-mate, que era produzida em uma pequena ervateira no Assentamento Santa Rosa I, foi lançada uma discussão nas escolas internas dos assentamentos de Abelardo Luz, para que os alunos sugerissem nomes e logomarcas para a futura marca. Tinha-se como base o nome “Roda Viva” por representar, na época, a cooperação e os grupos de discussão, e como logotipo se pensava em uma flor de girassol. Isso apenas serviu de estímulo aos estudantes que passaram a discutir a marca, que se transformou depois na marca dos produtos do MST de Santa Catarina. Um aluno teve a idéia do desenho e uma aluna do nome, “Terra Viva”, os dois da Escola de Ensino Fundamental 25 de Maio. O registro junto ao Instituto Nacional de Marcas e Patentes foi realizado em 1996. Daí por diante, a marca vem sendo construída.

JST – Qual é a capacidade de industrialização da Cooperoeste hoje?
ER –
Hoje estamos produzindo dez milhões de litros de leite por mês. No dia 18 de julho será inaugurada a ampliação que irá passar a produzir 500 mil litros de leite por dia, passando a produzir 15 milhões de litros por mês. A nossa meta agora é aumentarmos a captação de leite para garantir essa ampliação. Na nossa região, a produção de leite aumenta em torno de 15% ao ano e temos que acompanhar esse crescimento, sob pena de perdermos a competitividade no setor. Se acaso não aumentarmos a captação iremos ficar insignificantes em termos de competição. É uma questão de competição de mercado dentro do capitalismo – ou faz ou fica à margem do processo.

JST – Qual é a importância da Cooperoeste para a luta do MST?
ER –
Em primeiro lugar, é a questão de provar que a Reforma Agrária dá certo e é viável! Provar que o investimento que o governo faz na Reforma Agrária é viável e que inclusive gera emprego, renda e imposto. Só pra citar um exemplo, no ano passado a Cooperoeste gerou R$ 6,2 milhões em impostos com a indústria. Fomos a primeira empresa do município de São Miguel do Oeste em arrecadação de impostos. Em segundo lugar, ficou a Aurora (conglomerado agroindustrial). Há um reconhecimento por parte da sociedade local, tanto é que o expresidente da Cooperoeste se tornou prefeito do município. Foi um reconhecimento da sociedade sobre a importância da Reforma Agrária, comprovado nas urnas, inclusive. Isso, antes da Cooperoeste, era difícil de imaginar. Ao contrário, em muitas regiões do estado enfrentamos o problema que é a discriminação mesmo, no sentido pejorativo que parte da sociedade, os contrários da Reforma Agrária atribuem aos assentados do MST. E nós, com muita luta, conseguimos superar essa fase. Hoje cerca de quatro mil estabelecimentos comerciais, da região Sul e de São Paulo, comercializam os produtos da Reforma Agrária industrializados em SC. A Cooperoeste tem 600 associados (só assentados) e em torno de três mil produtores. Ainda conta com 250 funcionários e 100 caminhoneiros. É uma prova de que os trabalhadores têm capacidade de se organizar, controlar toda a cadeia produtiva e gerar qualidade de vida. A Reforma Agrária dá certo!