CPI contra Reforma Agrária e Judiciário freiam democratização do Brasil, denuncia Miguel Carter
Leia abaixo entrevista que Miguel Carter, professor da American University, em Washington, DC, organizador do livro “Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil”, concedeu ao jornal Brasil de Fato nesta semana.
Qual foi o significado dos dois mandatos do governo Lula para um projeto popular de Reforma Agrária?
O projeto em favor de uma Reforma Agrária progressista foi derrotado já no primeiro mandato do governo Lula. Foi a terceira grande derrota desse projeto na história do país. A primeira se deu com o golpe militar de 1964. A segunda com o fracasso do plano de Reforma Agrária lançado em 1985, no início da Nova República. A terceira se viu frustrada durante a presidência de Lula, eleito sob a promessa histórica do PT de impulsionar uma ampla redistribuição fundiária.
Essa derrota reflete, antetudo, uma correlação de forças muito adversa à realização de uma Reforma Agrária progressista. Essa reforma poderia ter utilizado diversos instrumentos legais para promover a agricultura camponesa e a transformação das relações de poder no campo. Segundo o Censo Agropecuário, a agricultura camponesa emprega 80% da mão de obra rural, produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, mas ocupa só um quarto do território agrícola no país. No entanto, o governo Lula manteve os enormes subsídios públicos voltados para o agronegocio, que recebeu sete vezes mais o valor oferecido aos pequenos agricultores.
O governo Lula achou que podia conciliar os dois modelos agrícolas. Mas herdou um Estado que há séculos vinha protegendo os interesses da elite agrária, de modo especial via o Poder Judiciário e as forças policiais. A esses obstáculos históricos, se soma a forte expansão do agronegocio na última década, a influência da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, e o impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à Reforma Agrária e seus defensores. Diante desse panorama, Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo, e limitou-se em apoiar uma Reforma Agrária conservadora – contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a dsitribuição residual de terras.
Você acredita que, atualmente, o MST consegue dialogar com mais ênfase junto aos setores urbanos, com a intelectualidade, com os sindicatos?
O MST vem dialogando com vários setores urbanos desde a sua origem. Essas relações têm sido fundamentais para o desenvolvimento de sua organização e capacidade de articulação com um amplo leque de aliados. Esse trabalho é um desafio constante.
Além de estender seu apoio aos movimentos de sem teto, o MST poderia estreitar seus laços com as associações estabelecidas nas favelas. Juntos, esses grupos populares poderiam fortalecer a luta pelos direitos humanos, contra a violência, a discriminação racial e a marginalização social.
Outro espaço de articulação com o meio urbano poderia envolver os consumidores da classe média e alta preocupados com a qualidade de seus alimentos e a ecologia. O MST poderia pegar boas idéias de autores como Michael Pollan (“O Dilema do Omnívoro”) e criar redes alternativas de comercialização de produtos agroecologicos junto a essa população, e assim promover a solidariedade as suas lutas.
Em tudo isso acho vital empunhar a bandeira do combate a desigualdade social como condição necessária para a democratização do Brasil.
A elite agrária brasileira, por meio da CPI contra MST, com objetivos eleitoreiros, tem conseguido abafar o processo, ainda que lento, de implementação da Reforma Agrária no Brasil?
As três CPIs instituídas em contra do MST e seus parceiros nos últimos cinco anos refletem um esforço sistemático da elite agrária e seus aliados em criminalizar os movimentos populares no campo e eliminar a reforma agrária da agenda pública nacional. Isso se dá num contexto de ofensiva do capital financeiro e internacional no campo brasileiro, com grandes adquisições de terra e elevados investimentos para produzir etanol, celulose, soja e outros commodities agricolas voltados para o mercado global. A luta camponesa pela Reforma Agrária atrapalha o esforço dos empresários do agronegócio em ampliar seu estoque de terra. Trata-se de uma disputa territorial, de classe e de modelo de desenvolvimento.
As CPIs do Congresso contra o MST, junto com diversas ações do judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, mostram como a elite agrária e seus aliados têm conseguido se apropriar de instrumentos democráticos, instituídos na Constituição de 1988, para frear a democratização do Brasil e impedir a extensão e o exercício de direitos básicos de cidadania.
Miguel Carter é professor da American University, em Washington, DC. Ele é doutor em Ciências Políticas pela Columbia University de New York e organizador do livro: “Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil”. (São Paulo: Editora da UNESP, 2010). E-mail: [email protected]