Relatório aponta situação desumana dos indígenas

Da Radioagência NP O Relatório Anual de Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e divulgado na última semana, mostrou que em 2009 aconteceram 60 assassinatos, 16 casos de tentativa de assassinato e 19 suicídios de índios em todo o Brasil.


Da Radioagência NP

O Relatório Anual de Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e divulgado na última semana, mostrou que em 2009 aconteceram 60 assassinatos, 16 casos de tentativa de assassinato e 19 suicídios de índios em todo o Brasil.

Além de evidenciar a violência praticada contra a pessoa, o documento relata ameaças e atos contra o patrimônio indígena, como os conflitos territoriais e os danos ambientais, violações de direitos, omissão do poder público em relação à falta de políticas públicas para essas populações e a vulnerabilidade desses povos.

Mais uma vez – se comparado ao Relatório de 2008 – o estado do Mato Grosso do Sul (MS) continua sendo mais violento. Foram 33 indígenas assassinados, o que representa 54% do total de 60 casos apresentado pelo documento.

Em entrevista à Radioagência NP, a doutora em antropologia pela PUC-SP e coordenadora da pesquisa, Lúcia Helena Rangel, mostrou preocupação com o índice de violência contra os índios. Ela afirma que a omissão do Estado brasileiro, juntamente com a atuação agronegócio são os principais responsáveis pelo abandono e atual estado de miséria sofrida pelos índios.

Radioagência NP: Doutora, onde ocorreram mais conflitos no ano de 2009? E por que isto ocorre?

Lúcia Helena Rangel: O maior número de assassinatos ocorre nas áreas de maior conflito pela terra. Estes estados são o Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco. A violência não se altera nestes três lugares.

RNP: Foram citados três estados, mas o Relatório aponta que o Mato Grosso do Sul (MS) é o mais violento para os índios, por qual motivo isso ocorre?

LHR: No MS tem uma concorrência entre a ocupação indígena e a ocupação do agronegócio. Com a expansão do agronegócio, tanto do boi, quando da soja e da cana, o direito dos índios não foram respeitados. O Serviço de Proteção ao Índio e a Funai demarcaram apenas oito áreas para abrigar toda a população Kaiowá e Guarani do estado. Essas áreas não são suficientes para eles viverem e o conflito está se acirrando. Está sendo criando um conflito que no seu cerne está a negação do direito dos povos.

RNP: Qual a responsabilidades das grandes empresas nos conflitos?

LHR: A grande empresa não aparece porque ela é arrendatária das terras. Quem responde pelo pedaço de terra [usado pela empresa] é o fazendeiro que arrendou. E são eles que contratam pistoleiros para proteger sua terra do “estorvo” indígena. Agora toda produção da cana no Mato Grosso do Sul é administrada por grandes empresas. Mas elas não aparecem na linha de frente dos conflitos. Isso é uma coisa de bandidagem.

RNP: E qual a responsabilidade dos governos estaduais e federal em relação aos conflitos?

LHR: A responsabilidade pela proteção do índio é do governo federal. Tanto que ele, o governo, tem em cada estado um escritório e funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio). Mas o que acontece? Acontece que os governos estaduais acabam se tornando intermediários dos interesses locais, e vão fazer pressão no governo federal para ele não demarcar terras indígenas.

RNP: Quais foram as principais causas de mortes de indígenas identificadas pelo relatório?

LHR: Uma grande parte das mortes foi provocada por esses conflitos. Na maioria dos casos os assassinos são desconhecidos das comunidades onde acontecem os crimes. As vítimas são sempre lideranças e pessoas que estão organizando a retomada das terras.

RNP: O que foi considerado mais preocupante pelo o Relatório?

LHR: Mais uma vez o que preocupou foi o Mato Grosso do Sul. Os números lá indicam que todas as formas de violência acontecem lá. Este ano identificamos outra ameaça muito grande aos povos indígenas, que é a construção das hidrelétricas. Lá no Rio Xingu a hidrelétrica de Belo Monte já está gerando muita tensão. As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau não estão respeitando nem mesmo os estudos feitos. Lá existem comunidades isoladas e ainda não identificadas. O governo não está tomando providência nenhuma. Está construindo barragem, e se tiver que afogar todo mundo, vai afogar.

RNP: Em regiões onde os conflitos não são tão acirrados, o governo federal atua com mais eficiência nas comunidades indígenas?

LHR: Em regiões onde não há conflitos explícitos pela terra, como no caso do Amazonas, ouvimos constantemente reclamações e denúncias feitas pelos índios. São muitos casos de desassistência à saúde. No caso do Vale do Javari existe uma situação calamitosa de casos de malária, hepatite e tuberculose. O pior é que esses problemas não são de hoje. Mesmo assim, nenhuma providência mais efetiva para controlar o processo foi adotada.