A concentração de terra estimula a violência e a impunidade, diz Frei Henri


Da IHU On-Line

 

“A violência no campo continua por causa da histórica e escandalosa concentração de terra, do modelo de desenvolvimento que privilegia o agronegócio, e da impunidade”, diz Frei Henri B. des Roziers em entrevista concedida por e-mail.


Da IHU On-Line

 

“A violência no campo continua por causa da histórica e escandalosa concentração de terra, do modelo de desenvolvimento que privilegia o agronegócio, e da impunidade”, diz Frei Henri B. des Roziers em entrevista concedida por e-mail.

Após acompanhar o julgamento dos acusados de assassinato de Maria e José Claudio do Espírito Santo, ele conversou com a IHU On-Line e disse que o “julgamento é escandaloso e absurdo do ponto de vista jurídico: condena Lindonjonson como executor, que não tinha problema com Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, enquanto seu irmão Zé Rodrigues, que tinha grande interesse em fazer desaparecer os dois, como mostram as provas juntadas no processo e as declarações das testemunhas no júri, foi absolvido”.

E dispara: “é um julgamento contraditório. A parcialidade do juiz em favor dos acusados foi evidente durante o julgamento. É preocupante, mas bem significativo, que existe ainda juiz como o Dr. Murilo Lemos Simão, no Pará”.

Para o advogado da Comissão Pastora da Terra – CPT na região de Xinguara, Pará, esse julgamento não representa a diminuição da impunidade e da violência na região. “A condenação pesada dos executores, mais de 40 anos, pode fazer elevar o preço das encomendas. Mas, do outro lado, a absolvição do mandante, para todos aqueles, madeireiros, agropecuaristas e outros que têm muito interesse em destruir a floresta para se apropriar de suas riquezas, é um estímulo a continuar a eliminar, sem muito risco, os ambientalistas que defendem a floresta”, lamenta.

Frei Henri Burin des Roziers é frade dominicano de origem francesa e naturalizado brasileiro. Por seu serviço em defesa dos trabalhadores rurais, encabeça a lista de religiosos ameaçados de morte. Recebeu prêmios no Brasil e no exterior pela sua atuação em defesa dos direitos humanos.

Confira a entrevista:  

O senhor atuou durante muitos anos como advogado da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Que avaliação faz dos conflitos nas regiões Norte e Nordeste? Eles aumentaram na última década?

Nessa última década, os conflitos aumentaram de maneira geral no Norte e no Nordeste. Na década de 1990, como também no primeiro mandato do governo Lula, de 2002 a 2006, as ocupações pelos trabalhadores rurais sem terra de várias organizações, MST, Fetraf, sindicatos, de fazendas improdutivas ou griladas, aumentaram muito e, consequentemente, os conflitos de terra também.

A partir de 2007 diminuíram muito as desapropriações, mas não os conflitos. No Pará, os conflitos cresceram muito em alguns lugares como em Rondônia. O número de trabalhadores rurais assassinados aí passou de dois em 2011 para nove em 2012.

Como o senhor avalia a conclusão do processo referente ao assassinato de Maria e José Claudio do Espírito Santo, que condenou os autores do crime, mas absolveu o suposto mandante? Qual o significado desta absolvição e das duas condenações?

Esse julgamento é escandaloso e absurdo do ponto de vista jurídico: condena Lindonjonson como executor, que não tinha problema com Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, enquanto seu irmão Zé Rodrigues, que tinha grande interesse em fazer desaparecer os dois, como mostram as provas levantadas no processo e as declarações das testemunhas no júri, foi absolvido; é um julgamento contraditório. A parcialidade do juiz em favor dos acusados foi evidente durante o julgamento. É preocupante, mas bem significativo, que existe ainda juiz como o Dr. Murilo Lemos Simão, no Pará.

As consequências desse julgamento são muito graves:

Primeiramente, a absolvição do mandante, Zé Rodrigues, é extremamente perigosa para Laisa, irmã de Maria do Espírito Santo e seu marido Zé Rondon, que deram, cada um, testemunho forte contra Zé Rodrigues, acusado de ser mandante do duplo assassinato, e isso na presença dele. Ora, Zé Rodrigues mora no assentamento perto deles! O risco aumentou muito.

E em segundo lugar, esse julgamento não significa diminuição da impunidade e da violência. A condenação pesada dos executores, mais de 40 anos, pode fazer elevar o preço das encomendas. Mas, do outro lado, a absolvição do mandante, para todos aqueles, madeireiros, agropecuaristas e outros que têm muito interesse em destruir a floresta para se apropriar de suas riquezas, é um estímulo a continuar a eliminar, sem muito risco, os ambientalistas que defendem a floresta e prejudicam seus interesses como também aqueles que defendem sua terra. As provas contra os mandantes serão agora, depois desse julgamento, caso não seja anulado, muito mais difíceis: terão que ser provas mais fortes contra os executores.

Portanto, esse julgamento, com a condenação pesada dos executores, não significa redução da impunidade e da violência. Ao contrário, com a absolvição do mandante, reforça a impunidade e pode provocar mais violência. Esse episódio coloca em perigo todos os defensores da natureza e do meio ambiente, ainda mais que a eliminação desses defensores interessa a grupos poderosos do latifúndio, do agronegócio e mineradoras. A história trágica deChico Mendes e dos defensores da floresta continua. Parece que 27 anos depois de seu assassinato nada mudou!

O senhor declarou que a absolvição do mandante representa uma “gravíssima ameaça” para a vida de Laisa Santos Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo. Qual a atual situação de Laisa? Ela sofre ameaças de morte?

Laisa ficou extremamente preocupada pela absolvição de Zé Rodrigues e está com muito medo. Logo depois do resultado, viajou para Brasília. Não se sabe se voltará para seu lote no assentamento. Seu marido, Zé Rondon, voltou para lá no dia seguinte, pois tinha que extrair urgentemente óleo de frutas da floresta. Não sabem se vão poder ficar no assentamento devido ao perigo. É certo que Zé Rodrigues vai, pelo menos, continuar a intimidá-los para que vão embora do assentamento, pois é isso o que ele quer. E se não saírem?

Diante desse e de outros casos em que militantes da CPT foram assassinados ou ameaçados de morte, como fica a atuação de militantes, camponeses e agricultores nela?

Aumentam os riscos. A CPT cobra investigações rigorosas das ameaças; ela tem alertado as autoridades, divulgando os nomes dos ameaçados e exigindo sua inserção no Programa de Proteção de Defensores Humanos. Porém, isso não tem surtido muito sucesso.

É possível estimar quantos ativistas estão ameaçados hoje?

Só no ano 2012, 46 lideranças de trabalhadores rurais foram ameaçadas no sul e sudeste do Pará.

Como o governo tem se posicionado diante desses crimes e ameaças de morte?

As autoridades, as delegacias dos conflitos agrários, o Ministério Público e a Secretaria de Direitos Humanos foram numerosas vezes alertadas e informadas sobre as ameaças contra Zé Claudio e Maria do Espírito Santo que, apesar disso, foram assassinados.

Nos anos entre 2003-2005 a Irmã Dorothy também foi assassinada, apesar de que muitas ameaças contra ela tinham sido denunciadas às autoridades. Em 2012 e 2013 todas as autoridades do Pará e da federação sabiam (e sabem) que Laisa e seu marido Zé Rondon eram (e ainda estão sendo) ameaçados e, até hoje, eles estão praticamente sem proteção.

Quais são as razões que fazem com que a violência no campo ainda seja uma realidade no país? Trata-se somente de uma disputa pela terra ou tem outras questões envolvidas?

A violência no campo continua no país por causa da histórica e escandalosa  concentração de terra, do modelo de desenvolvimento que privilegia o agronegócio e da impunidade. A violência no campo é muito mais do que uma disputa pela terra, é também uma disputa pela defesa da natureza e do meio ambiente contra o latifúndio, o agronegócio e as mineradoras. Chico Mendes, Irmã Dorothy, Zé Claudio, Maria do Espírito Santo são os mártires da luta pela preservação da floresta, da natureza, do meio ambiente, da ecologia.