Bernardo Mançano: MST 30 anos, da terra à comida


Por Bernardo Mançano
Na Carta Capital

As três décadas de existência do MST são um excelente indicador da democracia brasileira. Movimentos camponeses não sobrevivem aos regimes ditatoriais. A existência do campesinato só é possível nas sociedades democráticas porque este sujeito político está constantemente reivindicando o direito de ser ele mesmo, enquanto o sistema político quer transformá-lo em trabalhador assalariado. Ao não aceitar este destino definido pelo capitalismo, os camponeses são considerados subversivos.


Por Bernardo Mançano
Na Carta Capital

As três décadas de existência do MST são um excelente indicador da democracia brasileira. Movimentos camponeses não sobrevivem aos regimes ditatoriais. A existência do campesinato só é possível nas sociedades democráticas porque este sujeito político está constantemente reivindicando o direito de ser ele mesmo, enquanto o sistema político quer transformá-lo em trabalhador assalariado. Ao não aceitar este destino definido pelo capitalismo, os camponeses são considerados subversivos.

O nascimento do MST aconteceu exatamente por essa razão. Camponeses expropriados pelo processo de modernização da agricultura capitalista nas décadas de 1960 e 1970 organizaram-se para formar um movimento e reivindicar o direito à terra, ao trabalho familiar para produzir alimentos e viver uma vida digna com educação, saúde, moradia, ou seja todos os direitos básicos.

As Ligas Camponesas foram extintas no começo da ditadura militar de 1964 porque reivindicava esses direitos. O MST começou a se formar na última etapa do regime militar, a partir de 1978/1979 e nasce no alvorecer da redemocratização, em janeiro de 1984.

Com dez anos de idade, o MST já era um movimento nacional. Com menos de 20 anos tornou-se internacional compondo a Via Campesina. Com 30 anos, ele vê o tamanho de seu desafio: continuar existindo como movimento camponês em uma sociedade capitalista globalizada.

Os desafios do MST mudaram nestas três décadas. Na sua infância, um de seus maiores desafios era enfrentar o latifúndio. Este desafio permanece e surgiram outros. A formação do sistema agrícola-industrial-mercantil-financeiro-tecnológico, denominado de agronegócio, passou a disputar os latifúndios com os movimentos camponeses. A expansão das commodities, principalmente das “energéticas”, necessita de muita terra. o capital nacional e o internacional se unificam para controlar territórios e monopolizar o processo produtivo. Formam lobbies, determinam o modelo de desenvolvimento agropecuário, controlam recursos naturais, econômicos e políticos.

Em seu amadurecimento, o MST foi construindo seu próprio caminho. Ele não optou em participar do modelo hegemônico do agronegócio, do uso intensivo de agrotóxicos, da produção de transgênicos e da monocultura, embora algumas poucas famílias vinculadas ao MST estejam inseridas neste sistema. Esta inserção tem demonstrado que a relação campesinato-agronegócio sempre é uma relação desigual, de subordinação na melhor das hipóteses e de destruição do campesinato na pior. Um exemplo deste processo de expropriação é o assentamento Primavera no município de Andradina (SP), onde a cana já controla 70% do território do assentamento.

O MST tem ajudado a construir o caminho da agroecologia e da comida saudável. A identidade territorial camponesa é formada pela diversidade agropecuária, pelo trabalho familiar, produção em pequena escala e aplicação de tecnologias apropriadas ao seu modelo de desenvolvimento. Pouquíssimos engenheiros agrônomos sabe como trabalhar com esta realidade.

Por essa razão o desafio do MST e das instituições que apoiam a agricultura saudável, das pessoas que preferem uma comida boa, não industrializada, é expandir a agroecologia na luta pela terra e contra o agronegócio. A luta pela terra tornou-se a luta pela comida. Elas tornara-se indissociáveis. Temos que pensar nisso quando formos comprar nossos próximos alimentos.

Bernardo Mançano Fernandes é professor livre-docente da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP)