“O capital não é forte o suficiente para nos amordaçar”, afirma dirigente

Em entrevista Lucinéia Miranda de Freitas, do coletivo de mulheres do MST, avalia a Jornada de Lutas, fala das batalhas enfrentadas pela mulher Sem Terra e traça o panorama de lutas para o próximo período.

25619736646_f24fb88231_b.jpg

Por Maura Silva 
Da Página do MST

Em mais uma Jornada Nacional de Lutas milhares de Sem Terra saíram às ruas de todo o Brasil. Com o lema Mulheres na luta em defesa da natureza e alimentação saudável, contra o agronegócio, as trabalhadoras rurais se mobilizaram durante a primeira quinzena de março, em todo país, para chamar a atenção da sociedade referente ao modelo destrutivo do agronegócio para o meio ambiente, a ameaça à soberania alimentar do país e a vida da população brasileira, que afeta de forma direta a realidade das mulheres. 

Ao mesmo tempo, as camponesas apresentaram como alternativa o projeto de agricultura baseado na agroecologia e propuseram a luta em defesa da soberania alimentar.

As mulheres Sem Terra também pautaram a violência no campo, ocasionada pelo agronegócio e também pela mineração.

‘’A mineração é um problema que vem atingindo os camponeses e indígenas em maior ou menor grau no Brasil inteiro. As condições de acumulação de divisas nesse setor são imenso, e nisso vamos perdendo nosso solo, subsolo, contaminando as águas, rios, córregos’.

Outro tema lembrando foi a impunidade do Massacre de Eldorado de Carajás que, em 2016, completa 20 anos. “Reafirmamos que é função do movimento social não se calar, não se esquecer”.

Em entrevista Lucinéia Miranda de Freitas, do coletivo de mulheres do MST, avalia a Jornada de Lutas, fala das batalhas enfrentadas pela mulher Sem Terra e traça o panorama de lutas para o próximo período.

“Vamos avivar na memória do povo brasileiro que já são 20 anos de impunidade do massacre de Carajás. E mais uma vez, afirmamos que “Não nos calaremos”. Que o Estado e o capital não são fortes o suficiente para nos amordaçar. E que nosso papel de articular e fortalecer a organização das mulheres na luta contra todas as formas de opressão seguirá avançando”, ressalta Lucinéia. 

Confira abaixo a entrevista completa.

Foram mais de 30 mil mulheres mobilizadas em 22 estados, qual avaliação que podemos fazer da Jornada diante desses números?

Como havíamos planejado desde as últimas reuniões e confirmado na Coordenação Nacional do Movimento, conseguimos abrir o ano de 2016 com a força do enfrentamento necessário que o período esta exigindo. As lutas foram majoritariamente de enfrentamento ao capital e contra as perdas de direitos que a classe trabalhadora vem sofrendo. Nessa Jornada também marcamos nosso posicionamento de denúncia da mídia golpista e como essa grande imprensa manipula as opiniões.

De maneira geral podemos avaliamos como extremamente positiva a ação das mulheres, e de muito boa receptividade da população, ou seja, conseguimos iniciar um diálogo, que deve ser aprofundado nas ações de abril.

Qual a opinião do Movimento diante das ações violentas da Polícia Militar em alguns estados, principalmente no Pará e quais as medidas que serão tomadas para coibir esses abusos?


A policia agiu de forma que não foi de fato surpresa, no caso do Pará, mostrou que a impunidade deixa raízes, e vivendo mais uma vez um governo do PSDB, o Major Souza agiu, assim como o Coronel Pantoja na espoca do massacre de Carajás, ou seja, deixou claro que o estado paraense ainda está disposto a matar trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra para defender o lucro extraordinário das grandes empresas como a Vale.

Repudiamos essas ações e sempre tornaremos nossas denúncias públicas. O estado e os responsáveis por essas ações, que violam os direitos humanos da classe trabalhadora, devem responder e serem incriminados por elas.

Ainda dentro desse tema, qual o papel do Estado na violência contra a mulher?



A violência contra as mulheres tem base estrutural no capital, isso é bem visível quando notamos todos os projetos de leis que depõem contra os direitos das mulheres e que estão na pauta do Congresso. Ou seja, se há uma crise, têm que calar as vozes e se atacar os direitos das mulheres, consideradas umas das ditas “minorias”. Também é visível a omissão do Estado no combate a violência contra as mulheres, é falta de recurso para implementar políticas de segurança às mulheres vitimas de violência, falta de delegacias da mulher, falta de profissionais capacitado para atuar com as vítimas de violência, doméstica, física ou psicológica.

No campo, além das demandas acima, falta atuação na saúde da mulher, programas efetivos para permitir a mulher atuar na produção, sem reproduzir um padrão violento de dupla e tripla jornada de trabalho.

As mulheres também denunciaram a Vale/Samarco relembrando o episódio de Mariana. Na opinião das mulheres Sem Terra, o que os movimentos sociais devem fazer para que essa tragédia não caia no esquecimento?



Vários estados focaram as ações na denúncia dos impactos da mineração, pois tem o desastre de Mariana que foi bem recente, e com total omissão do Estado e da Empresa no atendimento para com as vítimas. Além disso, a mineração é um problema que vem atingindo os camponeses e indígenas em maior ou menor grau no Brasil inteiro. As condições de acumulação de divisas nesse setor são imensas, e nisso perdemos nosso solo e subsolo, contaminam as águas, rios, córregos, etc. Outra questão nesse aspecto é o fato de existir centenas de barragens de rejeitos sob o risco de desabar e põem em riscos centenas de municípios e de pessoas.

Logo, lutar contra essas empresas que diariamente ataca a população do campo, é afirmar a luta pela Reforma Agrária, que segue inviabilizada pela aliança dos interesses do Capital com o Governo brasileiro.

Reafirmamos que é função dos Movimentos Sociais não se calar, não se esquecer. Assim como o dia 17 de abril, é o dia Internacional de luta pela Reforma Agrária, fato que nos garante manter vivo dentro de nós o massacre de Eldorado dos Carajás, sem deixar que o massacre e a impunidade caia no esquecimento. O dia 05 de novembro deveria ser marcado como dia nacional de luta contra a mineração, e para que a partir da luta possamos manter viva a memória dos 19 que morreram, e dos milhares que foram afetados pela lama, pelo desrespeito.

Outro tema abordado durante a Jornada foram os 20 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás e a impunidade que ronda o caso. Passadas duas décadas, a violência no campo não diminui, pelo contrário. De que maneira essa violência afetou e afeta as mulheres do campo?


É significativo que a atuação violenta da polícia do Pará contra um ato pacífico das mulheres em Parauapebas, tenha acontecido no mesmo ano em que se completa 20 anos do massacre de Eldorados dos Carajás. É uma atuação que reflete como a impunidade da violência do campo mata mulheres e homens.

Além dessa repressão e criminalização das lutas sociais, as mulheres sofrem com as ações de despejos nos latifúndios ocupados, com as pulverizações de agrotóxicos, com o não atendimento às viúvas e filhas dos assassinados. Para, além disso, a violência no campo assassina mulheres, como foi o caso de Nice Magalhães, militante do MAB assassinada em janeiro de 2016, e o caso da líder quilombola Francisca das Chagas que foi estuprada e assassinada no Maranhão em fevereiro de 2016.

Por fim, quais são as próximas ações/atividades que podemos esperar das mulheres Sem Terra para 2016?

A pauta das mulheres será a de construir os processos de lutas e enfrentamentos nos quais o MST esteja envolvido, desde o planejamento até a articulação e efetivação das mesmas. Logo, a Jornada das Mulheres abriu o calendário de lutas que segue com as mobilizações da Frente Brasil Popular contra o golpe e por uma nova política econômica.

Em abril, a Jornada será simbólica, pois vamos avivar na memória do povo brasileiro que já são 20 anos de impunidade do massacre de Carajás. E mais uma vez, afirmamos que “Não nos calaremos”. Que o Estado e o capital não são fortes o suficiente para nos amordaçar. E que nosso papel de articular e fortalecer a organização das mulheres na luta contra todas as formas de opressão seguirá avançando.