A notoriedade das ocupações Macali e Brilhante é histórica

Ações forjaram a luta pela Reforma Agrária no RS e no Brasil

 

Por Maiara Rauber
Da Página do MST

 

A luta pela terra vem entrelaçada à Reforma Agrária. “Mudou a visão da sociedade brasileira sobre os agricultores, até sobre os Sem Terras. Quem ganhou a terra criou uma identidade de cidadania, sobretudo do ponto de vista social e político. As mulheres mudaram muito, se empoderaram” pontua Ivaldo Gehlen, agrônomo e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
 

João Pedro Stédile, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fala sobre a importância das lutas da Macali e Brilhante, em 1979, em Ronda Alta, na região norte gaúcha, para a Reforma Agrária. “Essas ocupações representaram a retomada da luta camponesa no estado, fazendo ligação com a luta histórica da região. Macali e Brilhante foram a ponte entre o pré-64 e a luta pós-ditadura militar. Foi o ressurgimento do movimento camponês sem o medo da repressão”, explica.
 

Conforme Maria Salete Campigotto, que participou do acampamento da Encruzilhada Natalino, também na região norte do estado, a retomada da luta pela terra nas ocupações Macali e Brilhante impulsionou novas lutas. “Nós bebemos nas fontes, como a Encruzilhada Natalino. Primeiro dos anos 60, depois da Fazenda Macali e Brilhante, e fomos também um esteio de luta pra poder criar o MST em 84”, salienta.
 

Assentada, Salete enfatiza o importante papel dessas duas primeiras ocupações. “A Macali e a Brilhante começam a abrir o caminho para o povo ir se organizando e lutando pela terra, lutando pela Reforma Agrária. Foi o pontapé inicial para ser o que somos hoje, no desgaste da ditadura militar”, afirma.
 

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Igreja na Linha Brilhante – Foto: Maiara Rauber

Isaías Vedovatto, também dirigente estadual do MST no Rio Grande do Sul, compactua com a perspectiva de Salete. “A ação da Macali e da Brilhante é um marco que sinaliza essa retomada do processo da luta pela terra no Brasil”, afirma.

Para Stédile, ninguém acreditava que, em épocas de ditadura, aquelas ocupações resultariam em um movimento mais amplo no RS e no Brasil. “Era a retomada da luta, pelo direito à terra, pelo direito a trabalhar na agricultura e contra as injustiças”, comenta.
 

Ele acrescenta que em todo país, entre 1979 e 1983, foram realizadas dezenas de ocupações de terra. “Os camponeses que atuaram na Macali e Brilhante foram pioneiros e deram o exemplo de que era possível lutar e conquistar a terra em plena ditadura. Isso animou muito mais camponeses a lutarem e vencerem”, destaca.
 

Além disso, pontua Salete, as ocupações Macali e a Brilhante têm uma importância histórica para o município de Ronda Alta em especial. “Por isso que a Encruzilhada Natalino também acontece nesse município. E isso ajuda a reforçar a luta pela terra, porque os nossos companheiros e companheiras, que já estavam assentados na Macali, foram o esteio da nossa luta, cedendo água, lenha e nos dando toda a solidariedade”, relata.
 

Monumento em homenagem ao acampamento da Encruzilhada Natalino. Foto - Catiana de Medeiros-11.jpg
Monumento em homenagem ao acampamento da
Encruzilhada Natalino. Foto: Catiana de Medeiros

Lídia Souza e Oliveira lembra da relação dos camponeses da Macali com os acampados da Encruzilhada Natalino. “A nossa relação foi boa, porque eles não tinham experiência. Lá baixou a pesada [militares], porque eles não podiam nem fazer reunião. Então eles falavam para o pessoal aqui: precisamos nos reunir numa casa para nós debatermos as coisas. E a gente aceitava, arrumava um lugar. Até com alimentos a gente ajudava” recorda a assentada.

Um olhar para a história: comemoração dos 40 anos das ocupações
 

Devido a essas ações e a importância do recomeço da conquista da terra, será realizada uma festa em comemoração aos 40 anos das ocupações Macali e Brilhante. No dia 7 de setembro de 2019, as comunidades, juntamente com o MST, homenagearão as famílias que acamparam e os seus apoiadores. 
 

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O assentado na antiga Fazenda Annoni, Isaías Vedovatto, fala sobre a notoriedade das ocupações Macali e Brilhante e a necessidade de festejar esse dia. “Diante da conjuntura que a gente vive no país, com esse governo que está aí, essa comemoração tem a importância de tu voltar para trás e olhar na história pra poder agir, pra gente retomar, reanimar, pra seguir em frente em um processo de organização, de luta, de mobilização”, declara.

Vedovatto ainda destaca a atenção que deve ser dada a esse marco histórico. “Quando eu cortei a cerca pra entrar na Fazenda Annoni, eu não tinha noção do significado que tinha sido a Macali e a Brilhante. Hoje, olhando pra trás, é que a gente compreende isso, porque a gente se moveu a partir de uma necessidade, mas essa necessidade era sustentada por alguém que já tinha começado”, argumenta.
 

Ele acrescenta que a luta iniciada pelos acampados da Macali e Brilhante não só reiniciou a luta pela terra. “Foi um movimento que permitiu criar um conjunto de organizações no meio rural, como o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento Sindical Combativo (MSC), o MST, e mais tarde o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Então ele é um marco que sinaliza essa retomada da luta camponesa no Brasil”, conta.
 

Ao olhar esses 40 anos, Vedovatto consegue ver as conquistas a partir dessa luta. “A gente construiu muita coisa, muito movimento político, muita consciência, muitas experiências. Desde as nossas experiências de como fazer luta, escola, cooperativas, produção, compreender a sociedade de modo geral, dos valores, dos sentimentos. A gente coloca o ser humano no centro da sociedade”, salienta. Para ele, a maior vitória que o Sem Terra conquista com o MST é a compreensão da sociedade.
 

Stédile destaca o legado deixado pelas ocupações Macali e Brilhante. “Acho que o principal legado é justamente a teimosia da luta. A coragem de lutar em tempos difíceis, ainda em ditadura, e da retomada de lutas massivas, com toda a família. Também foi muito importante as alianças que se construíram com a esquerda em geral, com os sindicatos, com as igrejas e com a sociedade. Nesse sentido, todas as lutas que deram origem ao MST foram construídas sobre a base da solidariedade social. O povo brasileiro garantiu a vitória e ajudou a construir o MST como um todo, o tempo todo”, finaliza.
 

* Esta é quarta parte da reportagem sobre os  40 anos das ocupações Brilhante e Macali, no Norte do RS. Os demais textos deste especial você confere nos links abaixo:



– A semente do MST: 40 anos da ocupação Macali e Brilhante

 

– 7 de setembro de 1979: a retomada da luta pela terra

 

– Em 1979, Secretaria da Agricultura assessorava acampados da Macali e Brilhante

Confira também artigo anterior sobre o tema aquiaqui e aqui.

**Editado por Fernanda Alcântara