Indígenas, quilombolas e camponeses denunciam aumento de ataques durante a pandemia

Organizações do campo, da floresta e das águas participaram de II Seminário Terra e Território nesta sexta (15)
Rio de Janeiro – Colheita de batata-doce biofortificada, fornecida pela Embrapa para alguns produtores rurais de Magé-RJ alcança boa produtividade. Na foto, o agricultor Laerte Luiz da Rosa (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Por José Eduardo Bernardes
Do Brasil de Fato

Apesar do distanciamento social imposto pela pandemia de covid-19, movimentos populares de luta pela terra, pelas floresta e pelas águas, organizaram em transmissão ao vivo pela internet, nesta sexta-feira (15), o 2º Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas. O objetivo é discutir o impacto dos ataques do governo Jair Bolsonaro (sem partido) contra organizações populares, que se acentuaram com o avanço do coronavírus, em diversos setores da luta popular.

Segundo Marcos Rochinski, coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Contraf), o momento é muito difícil para os camponeses. O pós pandemia, no entanto, pode ser um período para que pautas caras ao setor possam ser colocadas em debate. 

“Nós podemos ter uma retomada mais consistente das lutas dos povos tradicionais, dos movimentos pela reforma agrária, com apoio de setores importantes da sociedade. Foi de fundamental importância, por exemplo, a gente ter barrado a MP 910 no Congresso [MP da Grilagem], com a participação de artistas, da OAB, de outros atores. Esse momento é importante para construirmos, no pós pandemia, um novo momento, a partir da agricultura familiar e de um amplo processo de reforma agrária”. 

A Contraf, em parceria com outras organizações do campo, lançou esta semana um documento, a Plataforma Emergencial do Campo, das Florestas e das Águas em Defesa da Vida e para o Enfrentamento da Fome diante da pandemia do Coronavírus. Com a participação de partidos do campo progressista, o trabalho enumera ações emergenciais para lidar com os efeitos da pandemia, no atendimento à população do campo, com o objetivo de recuperar a capacidade produtiva e reconstituir os estoques de alimentos perdidos no período.

Nós podemos ter uma retomada mais consistente das lutas dos povos tradicionais, dos movimentos pela reforma agrária, com apoio de setores importantes da sociedade. 

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A luta para retomar a produção é ainda mais difícil para as mulheres do campo, aponta Noeli Taborda, da direção Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). “Políticas públicas como o Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar) são fundamentais, mas somente 5% das terras produtivas estão nas mãos das mulheres, segundo uma pesquisa da Oxfam”. Segundo Taborda, a falta de registros de terra, impedem, inclusive, que mulheres responsáveis pela produção, tenham mais dificuldades para acessar auxílios. 

A coordenadora do MMC também aponta que é preciso denunciar a violência no campo contra mulheres, que, segundo o relatório de Conflitos no Campo de 2019, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra, 102 camponesas, indígenas, quilombolas e lideranças foram vitimadas no campo. Foram três assassinatos, três tentativas de assassinato, 47 ameaças de morte, cinco prisões, 15 intimidações e 29 outras formas de violência.

“No campo é ainda mais complicado fazer o enfrentamento à violência contra as mulheres. Nesse momento de isolamento tem se agravado ainda mais. Temos ainda a sobrecarga de trabalho, o não compartilhamento de tarefas domésticas. Tudo isso coloca as mulheres na invisibilidade, inclusive em espaços de política, por conta desta sobrecarga”, diz Taborda.

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Para além da onda de violência contra os povos indígenas e o avanço de grileiros em terras demarcadas nos últimos anos, as populações tradicionais também estão enfrentando dificuldades com o avanço do coronavírus

Segundo Mário Nicácio, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), já “são 400 indígenas contaminados e 90 morreram por coronavírus. Nós não acreditamos mais nas políticas do governo federal. Pedimos a todos, até para aqueles que forem vizinhos das Terras Indígenas, que nos ajudem, porque as pessoas vivem em comunidade e há uma grande chance de aumentar a contaminação”, aponta. 

Nicácio explica que há também um receio de que “a maciça maneira com que tentam nos destruir” se agrave ainda mais, em um período de baixa fiscalização dos órgãos, já sucateados pelo governo Bolsonaro. 

Nós não acreditamos mais nas políticas do governo federal.

Essa também é a opinião de Maria Júlia de Andrade, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). A atividade de mineração foi considerada pela governo federal como uma das categorias essenciais de trabalho, que foram impedidas de realizar a quarentena. Segundo Andrade, essa é a apenas uma desculpa para que as empresas do setor, aprofundem a exploração do minério, sem fiscalização.

“A mineração não é uma atividade essencial. O que está em jogo é a exploração da mineração, na incapacidade de mobilização desse período. Temos centenas de garimpos ilegais que se expandiram neste período de pandemia, por conta da falta de fiscalização, colocando em risco diversos territórios indígenas e quilombolas”, diz.

No ano passado, o Seminário Terra e Território: Desigualdade e Lutas reuniu cerca de 150 representantes de organizações de trabalham com  povos dos campos, das águas e das florestas. Na ocasião, o debate principal girou em torno dos desafios para um programa de soberania nacional com foco no debate da posse e do uso da terra e dos bens da natureza.

Edição: Rodrigo Chagas-BdF