Nossa prioridade é a vida! Ano letivo se recupera, vidas não!

Carta aberta sobre a retomada das atividades presenciais nas escolas públicas em tempos de pandemia de Covid-19

Foto: Jaine Amorin

Por Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul – AEDOC/RS
Da Página do MST

A Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul – AEDOC/RS, fruto da mobilização e resistência dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, composta por diversos movimentos sociais, profissionais de instituições superiores de educação, escolas básicas do campo, indígenas e quilombolas, pescadores reafirma seu compromisso com a defesa da vida e do direito à educação.

Só é possível haver educação se houver vida. Neste momento nossa tarefa fundamental é cuidarmos de nossas vidas e da vida um dos outros, por isso reafirmamos que não é o momento da reabertura das escolas. 
Entendemos que a proposta de retorno das aulas presenciais não demonstra a preocupação com as precauções necessárias para preservar a vida e nem com a qualidade da educação, mas com as atividades econômicas e com o lucro. O governo não considera a opinião da sociedade, da comunidade escolar e da maioria dos prefeitos que se demonstraram contrário ao retorno das escolas, nesse período pandêmico. 

O retorno às aulas aumenta o risco de contaminação de estudantes e servidores/as públicos/as e de seus familiares. Não se tem garantia do cumprimento dos protocolos de saúde no transporte escolar, no distanciamento orientado para salas de aulas, na merenda escolar, bem como a falta de equipamentos de proteção individual o que eleva o número de possibilidades de casos de Covid-19 nos municípios, nas escolas e nas comunidades, tornando mais grave o quadro de mortes. 

Diante deste cenário, após ouvir diversos setores sociais, afirmamos e apresentamos os seguintes posicionamentos: 

– Somos contrário ao retorno das aulas presenciais: não há condições sanitárias para que se preserve a vida de nossos estudantes e de suas famílias, bem como aos profissionais da educação, desde o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nos hospitais, bem como, materiais de proteção como máscaras e álcool gel, com garantia de uso adequado dos mesmos; 

– Só é possível retornar às aulas mediante disponibilidade de vacina para toda a população ou outras medidas onde realmente não haja riscos de contaminação; 

– Reivindicamos que o processo de ensino aprendizagem não seja atrelado ao ano civil de 2020, mas compreendido como um ciclo contínuo de formação humana e correspondentes aprendizados; O aprendizado correspondente ao ano letivo, para os estudantes de nossas escolas está comprometido em função que 

a) a falta de acesso à comunicação, em especial à internet, dos povos do campo, indígenas, quilombolas e pescadores dificultam as condições para a realização das aulas remotas; 

b) sabemos que várias escolas têm se organizado e feito valiosos esforços para fazer chegar aos estudantes atividades impressas e via a internet, entretanto após ouvir depoimentos de professores/as, estudantes e comunidades, demonstramos preocupação com o risco de precarização do processo de ensino aprendizagem; 

c) Considerar que a aprendizagem pode ocorrer de forma tão precarizada é um desrespeito ao trabalho pedagógico das escolas, a função social da mesma em nossa sociedade, bem como o trabalho dos educadores e educadoras e a limitação do ato de estudar e aprender dos nossos educandos e educandas do campo; 

d) Há uma pressão demasiada do governo nas escolas e nos educadores para que estes deem conta de garantir a efetivação das aulas nas plataformas online, que não condizem à realidade destes sujeitos, havendo uma sobrecarga de atividades e funções aos educadores, que em síntese, não são de suas responsabilidades. As educadoras e educadores precisam de autonomia pedagógica, do contato, do diálogo, princípio básico na organização de seu trabalho com as suas respectivas turma; 

e) O Conselho de Classe proposto pelo estado, desvirtua o verdadeiro sentido dos Conselhos de Classe, quando os mesmos colocam-se como instrumento pedagógico e de apoio à aprendizagem, devendo ser um momento de avaliação das condições da escola e de sua comunidade na análise dos programas e atividades que poucos tiveram acesso; assim, não reconhecemos o Conselho de Classe proposto pelo Estado. 


Por fim, defendemos a escola como vital no processo de socialização das comunidades camponesas, pescadores/as, quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, assentamentos, acampamentos e outros povos que vivem trabalham e produzem alimentos, culturas e conhecimentos. Portanto, as escolas devem se constituir como um dos instrumentos de defesa da vida, organizando atividades a seus estudantes, com o caráter de vínculo entre, escola, estudante, família e comunidade, com estímulos aos estudos e a compreensão do momento de crise sanitária, que estamos vivendo. 

Nossa prioridade é a vida! Ano letivo se recupera, vidas não. 

Porto Alegre, 27 de agosto de 2020. 

Articulação em Defesa da Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul AEDOC/RS