Campanha de Vacinação: é como planejar construir uma casa sem comprar o terreno

Com esse desplanejamento nacional de imunização não temos certeza de quando vai melhorar o cenário da pandemia no Brasil

Adriana Leal, médica, integrante do setor de saúde do MST e do PSF em Sergipe. Foto: Arquivo pessoal

Por Maura Silva
Da Página do MST

Quase um ano após o primeiro caso de coronavírus registrado no Brasil, o país registrou nesta segunda-feira (25), a triste marca de 8.872.964 infectados desde o começo da pandemia e 217.712 óbitos causados pela doença em todo o país.

Diante desse cenário e de muitas idas e vindas, queda de braço e jogo político, uma luz no fim do túnel começou a ser desenhada com a aprovação do uso emergencial das vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Luz que corre o sério risco de se apagar graças ao governo Bolsonaro, seu Ministério da Saúde e a ineficiência do Plano Nacional de Imunização (PNI) que, mesmo com novos lotes chegando nos próximos dias, só tem doses para vacinar 40% do grupo prioritário, o que representa cerca de 20% da população brasileira.

A falta de clareza de um plano que tenha começo meio e fim, dificulta investimentos, compra de insumos, contratação de serviços e coloca em risco o andamento da única coisa capaz de frear as mortes por coronavírus no Brasil, a vacinação.

Para falar sobre esse cenário e sobre as perspectivas de imunização da população brasileira conversamos com Adriana Leal, médica, integrante do setor de saúde do MST e do Programa Saúde da Família (PSF) no Sergipe.

Qual sua avaliação sobre o Plano Nacional de Vacinação, anunciado em 14 de janeiro pelo Ministério da Saúde?

Não existe um plano nacional de vacinação eficaz no Brasil. É como planejar construir uma casa sem pensar em comprar o terreno. Acredito que sob a pressão dos movimentos populares, da mídia e de alguns setores da sociedade, o plano de vacinação foi iniciado com um número muito baixo de doses disponíveis, até mesmo para o grupo prioritário. Nós, profissionais de saúde, da linha de frente, estamos sentindo na pele esse dilema, sabemos que nem todos conseguiriam ser vacinados em curto prazo.

Diante disso, a pergunta que fazemos é? Começou um plano desorganizado e não planejado de vacinação no Brasil. E o que vai acontecer daqui pra frente?

Não temos sequer a garantia de insumos para a produção. Sabemos que começou, mas não sabemos qual a logística, estrutura, prazos e perspectivas. A vacina é um direito de todos os brasileiros e brasileiras, a vacina gratuita e segura, com esse desplanejamento nacional não temos certeza de quando vai melhorar o cenário da pandemia no Brasil.

Começamos o ano estarrecidos com as cenas vistas em Manaus e também no Pará. Corremos o risco de ver cenas como essas em outros estados do país?

Percebemos que a propagação da doença nessa nova fase se estendeu justamente para as áreas mais remotas e, consequentemente mais vulneráveis do Brasil. Sendo assim, como você chega para uma família que vive agrupada, com 10 pessoas na mesma casa e explica que essa pessoa precisa se isolar quando a própria casa não tem estrutura? Nós vivemos isso diariamente nas cidades em que atuamos. O mesmo também acontece nas grandes cidades. Como você chega em uma comunidade, em um barraco em que as pessoas são historicamente aglomeradas por falta de opção e oportunidade para dizer que não podem aglomerar?

Quando Manaus colapsou, os estados vizinhos em ações de solidariedade começaram a aceitar pacientes, mas com o aumento da propagação do vírus no país e o não controle da doença corremos o sério risco de vermos todo Brasil em colapso. Um colapso não só da rede pública, mas também da rede particular que não consegue dar um suporte como o Sistema único de Saúde (SUS). Aliás, é o organismo que ainda está segurando a pandemia no Brasil. As medidas mais efetivas que ainda acontecem são através do SUS.

O impasse dos insumos para fabricação de vacinas trouxe à tona um assunto que tem permeado o governo Bolsonaro desde o início: as relações entre Brasil e China. Quanto isso impacta a vacinação no país?

Deliberadamente o governo Bolsonaro quebrou as relações com a maioria dos países incluindo a China, que é o nosso único fornecedor de matéria prima. Mesmo que essa relação possa ser mais cordial a partir de agora, o que o governo Bolsonaro fez até aqui implica diretamente na possibilidade de atraso e, em um cenário extremo, na não fabricação de vacina no Brasil.

Na última segunda-feira (18) várias organizações do Brasil lançaram a campanha Abrace a Vacina, com a intensão de incentivar a população brasileira a se vacinar contra a covid-19. Qual a importância de campanhas como estas no combate às notícias falsas contra a vacina e combate ao vírus?

O movimento anti-vacina que acontece também em outras partes do mundo, mas que aqui é corroborado pelo chefe de Estado, quando esse coloca em dúvida a eficácia da vacina, mobiliza através de fake news, cerca a população de mentiras, medos e incertezas, por isso, campanhas de incentivo são tão importantes. Se não rompermos esse medo, podemos chegar ao cúmulo de ter doses disponíveis e não alcançarmos o número de pessoas imunizadas para controlar a pandemia. Não podemos esperar que a vacina chegue e seja produzida para trabalhar a conscientização.

Como a falta de um Plano Nacional de Imunização sério e universal pelo governo brasileiro, que atenda todos os estados em igualdade de condições prejudica a vacinação no campo?

Nos movimentos populares já trabalhamos essa perspectiva há bastante tempo, sempre com informações cientificas, mostrando que o Brasil sempre foi um país adepto da vacinação de diferentes doenças, com vacinas seguras que passam por todos os organismos de segurança.

Precisamos quebrar os mitos relacionados às vacinas no país. Esse é um papel não só dos setores de saúde, mas de qualquer agente social, professores, orientadores, donas de casa, de todos aqueles que acreditam na ciência.

Como não existe nenhum tratamento curativo ou preventivo a única possibilidade real que temos de sair dessa pandemia e voltar a algum grau de normalidade é com a vacina.

Como os postos e centros de saúde dos assentamentos e acampamentos do MST estão se preparando para vacinação contra a covid-19?

Dentro das nossas áreas o momento agora é de informação e divulgação. A forma como cada assentamento e acampamento vai receber as doses de vacina é diferente em cada região.

Nós temos áreas em que as unidades de saúde são muito bem estruturadas e outras que nem áreas de saúde temos. Ainda assim, acreditamos que tendo a vacinação em massa, capilarizada e acessível, isso chegará também em todas as nossas áreas. Além de todo o trabalho de informação, formação e conscientização, reforçamos a importância no diálogo ininterrupto com setores federais, estaduais e municipais para garantir que toda a população Sem Terra e brasileira seja imunizada.

Confira a entrevista!

*Editado por Solange Engelmann